Eritema elevatum diutinum é vasculite benigna, rara e crônica. Manifesta‐se como placas, nódulos e pápulas eritematosas, acastanhadas ou xantocrômicas. É comum sua associação com doenças infecciosas, autoimunes ou neoplásicas. O caso descrito envolve paciente com infecção pelo HBV e também pelo HIV com contagem de CD4<200 células/mm3, teve o diagnóstico de infecção pelo HIV havia 16 anos e pelo HBV no momento da internação. A terapia iniciada para esse paciente foi dapsona via oral 100 mg/dia com regressão das lesões após 7 meses de tratamento. Foram encontrados na literatura três casos prévios de associação entre eritema elevatum diutinum, infecção pelo HIV e pelo HBV.
Eritema elevatum diutinum (EED) é forma distinta de vasculite leucocitoclástica cutânea, cujos primeiros registros datam de 1878 por Hutchinson e posteriormente em 1879 por Bury, foi oficialmente classificada por Radcliff‐Crocker e Williams em 18921 (apud Jose, 2016, p. 81). Ocorre predominantemente em adultos de 40 a 60 anos, é discretamente mais prevalente em homens.2 Apesar de sua patogênese ainda ser uma incógnita, acredita‐se que haja deposição de complexos imunes na parede de vênulas e outros vasos por estímulo contínuo de antígenos ou por outras infecções. Logo, é associada a doenças hematológicas, autoimunes, neoplásicas e infecciosas, como infecção pelo HIV (vírus da imunodeficiência humana) e hepatites. Tal deposição de complexos imunes leva à ativação da cascata complemento, com quimiotaxia de neutrófilos, por meio da IL‐8, libera lisoenzimas, colagenases, mieloperoxidases e hidrolases que induzem depósito de fibrina e cristais de colesterol nos capilares e vênulas e levam a dano.1,2
É caracterizado por pápulas, placas e nódulos nas faces extensoras de extremidades, com predileção por mãos, pés, cotovelos, joelhos e tendões de Aquiles, por vezes na face e orelhas. Essas lesões ocorrem de forma simétrica e bilateral, são inicialmente amolecidas e eritematosas ou purpúricas, com ocasional ulceração. Com o tempo, as lesões podem evoluir com hipo ou hipercromia no caso de regressão. A forma nodular é mais rara, ocorre geralmente em pacientes com infecção pelo HIV. Pode haver prurido e dor em queimação nas lesões, além de artralgias e alterações oculares, como esclerite nodular, panuveíte, ceratólise autoimune e ceratite periférica.1
Descreveremos o caso de um paciente infectado pelo HIV e pelo vírus da hepatite B (HBV) que apresentava quadro de vasculite leucocitoclástica com diagnóstico feito por meio de biópsia das lesões de pele.
Relato casoPaciente masculino, negro, 43 anos, com infecção por HIV havia 16 anos, em uso irregular de lamivudina+tenofovir+lopinavir/ritonavir (carga viral 25.000 cópias/mL e contagem de CD4 de 39 células/mm3). Havia três anos iniciara com lesão única e nodular no calcâneo direito, com aparecimento de outras na face extensora do membro inferior esquerdo e cotovelo esquerdo nos meses subsequentes. Todas as lesões eram pruriginosas e progrediram em número e tamanho ao longo do tempo. Ao exame físico, apresentava nódulos eritêmato‐xantocrômicos nos joelhos e cotovelos e placas lineares e nódulos eritêmato‐violáceos nos tornozelos, dorso dos pés e região plantar, distribuídas simetricamente (figs. 1 e 2). Paciente negava alterações visuais e artralgias. Nesta internação, foram feitos os diagnósticos de neurotoxoplasmose, pneumocistose e hepatite B (HbsAg, Anti‐HBC total e HBEAg reagentes com AST/TGO=20 U/L e ALT/TGP=11 U/L). Por suspeita de xantoma tuberoso, foi solicitado perfil lipídico, o qual veio sem alterações. Suspeitou‐se também de sarcoma de Kaposi. Realizada biópsia de pele de duas lesões. O anatomopatológico demonstrou dermatite neutrofílica com marcada leucocitoclasia e presença de nódulos fibróticos que circundavam o infiltrado neutrofílico (fig. 3). A correlação clínica e patológica indicava eritema elevatum diutinum. Foi iniciado tratamento com dapsona 100 mg/dia, com resolução em 7 meses (fig. 4).
O diagnóstico de EED é clínico e histopatológico, esse último apresenta, no estágio inicial, vasculite leucocitoclástica com polimorfonucleares, macrófagos e histiócitos na derme e, no estágio tardio, tecido de granulação, fibrose, proliferação vascular, infiltrado inflamatório linfo‐histiocítico e áreas focais com neutrófilos com leucocitoclasia. No estágio tardio pode haver presença de lipídeos (depósitos de colesterol) intra e extracelulares, apesar de rara. O diagnóstico diferencial no estágio inicial pode ser síndrome de Sweet, pioderma gangrenoso, granuloma facial, rash induzido por fármacos, eritema multiforme, porfiria cutânea e penfigoide bolhoso. No estágio tardio, dermatofibroma, fibromatose, xantogranuloma necrobiótico e xantoma tuberoso. Em pacientes com infecção pelo HIV também se deve considerar sarcoma de Kaposi e angiomatose bacilar.2
O tratamento tem como primeira escolha o uso de dapsona.3 As opções são colchicina, tetraciclinas, niacinamida e esteroides sistêmicos como prednisolona.4 Betametasona tópica também pode ser usada. Novas terapias são descritas com dapsona tópica a 5% e plasmaférese.3 No estágio tardio da doença, há pouca resposta à dapsona, dada a fibrose predominante. Nesse caso, opta‐se por corticosteroides intralesionais ou exérese das lesões.5 A doença tem duração prolongada, com relatos de resolução espontânea entre 5 e 10 anos.3 Pode haver recidiva após interrupção do tratamento com dapsona.
Na literatura, foram descritos aproximadamente 25 casos de pacientes com EED e co‐ocorrência de infecção pelo HIV,6 um no Brasil,7 e três casos de co‐ocorrência de HIV/HBV/EED.8 O EED é visto, mais comumente, em pacientes com contagem de CD4 <200 células/mm3 e acredita‐se que tanto a imunossupressão quanto as reações antígeno‐anticorpo causadas pelos vírus HIV e HBV sejam os fatores desencadeantes dessa doença. Apesar disso, no estudo de Muratori, Carrera, Gorani e Alessi,9 em 4 de 5 pacientes com infecção pelo HIV acompanhados o fator desencadeante foi infecção estreptocócica. Nesses pacientes, a forma nodular é a mais prevalente,10 pode haver acometimento até da região palmo‐plantar, como no caso descrito. O diagnóstico diferencial deve envolver angiomatose bacilar, sarcoma de Kaposi e nódulos reumatoides.1
A importância deste caso se dá por poucos relatos que envolvem pacientes EED/HIV/HBV na literatura. Em pacientes imunossuprimidos, é comum o achado de lesões cutâneas, que podem sugerir doenças de diversas etiologias. Desse modo, confirmação histopatológica é essencial para definir diagnóstico, estágio da doença e guiar o tratamento.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresSayuri Aparecida Hirayama: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Cezar Arthur Tavares Pinheiro: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Isabelle Maffei Guarenti: Aprovação da versão final do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica do manuscrito.
Danise Senna Oliveira: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Conflitos de interesseNenhum.
À Dr.ª Isabella Roque Miclos, residente em clínica médica pela Universidade Federal de Pelotas.
Como citar este artigo: Hirayama SA, Pinheiro CAT, Guarenti IM, Oliveira DS. Exuberant case of erythema elevatum diutinum in a patient infected with HIV and hepatitis B virus. An Bras Dermatol. 2020;95:200–2.
Trabalho realizado no Hospital Escola, Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, RS, Brasil.