Menino com 1 ano de idade apresentava desde o nascimento manchas eritemato‐violáceas no membro inferior esquerdo e tronco (fig. 1), associado a deformidades nos pés e tórax (figs. 2 e 3), fístulas arteriovenosas e hipospadia. Seu histórico pessoal e familiar revelava parto normal a termo, sem intercorrências, e pais não consanguíneos, sem relato de casos semelhantes na família ou doenças hereditárias.
A investigação revelou normocefalia, escoliose cérvico‐torácica, orelhas rodadas posteriormente, fendas palpebrais retificadas, base nasal alargada, retrognatismo, filtro nasal apagado, palato alto, comissuras bucais desviadas para baixo, massa palpável na região epigástrica direita. Havia também hemi‐hipertrofia de membros, mãos e dedos dos pés aumentados de volume (simetricamente), pés aumentados de volume (esquerdo maior que o direito) com sindactilia do segundo com o terceiro e do quarto com o quinto pododáctilo à direita. Notavam‐se malformações vasculares no membro inferior esquerdo, dorso, tórax e região genital e nevus epidérmico linear focal no tórax. Apresentava desenvolvimento neuropsicomotor adequado, sem alterações oculares. A análise genética revelou cariótipo masculino (46, XY), sem alterações qualitativas e estruturais.
Qual o seu diagnóstico?
- a.
Síndrome de Proteus
- b.
Síndrome de Maffucci
- c.
Síndrome de Klippel Trenaunay Weber
- d.
Doença de Milroy
Nomeada em 1983 por Wiedmann et al.,1 a síndrome de Proteus é caracterizada por seu polimorfismo, apresentações fenotípicas variáveis e distribuição de lesões em mosaico.2 Apresenta‐se imediatamente ao nascimento, podendo afetar qualquer sistema orgânico, comumente manifestada com malformações esqueléticas, supercrescimento de tecidos conjuntivos e musculares, nevos e malformações vasculares. O desenvolvimento neuropsicológico costuma ser preservado.3
As manifestações clínicas são variáveis, com casos apresentando desde alterações focais (macrodactilia isolada)4 a dismorfismos extensos que sofrem mudanças ao longo do tempo, dificultando o diagnóstico e a abordagem terapêutica.5 É considerada rara, com incidência média de 1/10.000.000 nascimentos, e menos de 150 casos relatados no mundo.6 Decorre de mutação em mosaico com ativação somática do oncogene AKT1 (14q32.3), que atua nas vias de sinalização do crescimento celular,7 além de estar associada a maior predisposição para neoplasias, trombose venosa profunda e embolia pulmonar, com risco de morte precoce.8
O diagnóstico da síndrome de Proteus é realizado por meio de critérios clínicos; é necessário o diferencial com outras hamartoses, como as síndromes de Klippel‐Trenaunay‐Weber e Maffucci (tabela 1).2
Principais características clínicas da síndrome de Proteus e de seus diagnósticos diferenciais
Diagnóstico | Principais características clínicas |
---|---|
Síndrome de Proteus | • Crescimento assimétrico de um ou mais membros, nevos pigmentados, nevo do tecido conjuntivo cerebriformes, malformações vasculares, tumores subcutâneos, macrocefalia e visceromegalias• Evolução progressiva• Alterações faciais: dolicocefalia, rosto alongado, fissuras palpebrais obliquas e/ou ptose, ponte nasal deprimida, narinas estreitas ou largas, boca aberta em repouso |
Síndrome de Maffuci | • Malformações venosas cutâneas, discondroplasia, encodromas, linfangiomas, manchas café com leite |
Síndrome de Klippel Trenaunay ‐Weber | • Manchas vinho do porto, malformações vasculares, fístulas arteriovenosas, hipertrofia do membro afetado (óssea e/ou tecidual) |
Doença de Milroy | • Linfedema desde o nascimento nos membros inferiores, veias varicosas, hipertrofia dos membros |
O tratamento é individualizado e multidisciplinar, com abordagem psicológica, psicomotora, avaliação quando abordagens cirúrgicas ortopédicas e vasculares. Inibidores orais da via mTOR (sirolimus 0,1 mg/kg/d) foram relatados como eficazes na prevenção do crescimento dos hamartomas de tecido conjuntivo.9 O uso de sirolimus apresenta resultados promissores no controle dos sintomas relacionados ao supercrescimento de membros e tumorações, e deve ser iniciado precocemente para evitar a progressão da doença.10 Entretanto, não havia disponibilidade do uso dessa medicação na época em que nosso paciente foi avaliado.
Essa criança foi seguida pelas equipes de dermatologia, pediatria, psicologia, cirurgia vascular e ortopedia por 12 anos. Aos 10 anos de idade, houve agravamento do gigantismo dos membros inferiores, levando à dificuldade de deambulação e perda ponderal. A equipe multidisciplinar decidiu pela amputação transtibial do membro direito e transfemoral do membro esquerdo.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresBárbara Elias do Carmo Barbosa: Elaboração do texto; participação efetiva na orientação; participação efetiva na propedêutica; revisão de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação do manuscrito.
Melissa Almeida Corrêa Alfredo: Elaboração do texto; participação efetiva na orientação; participação efetiva na propedêutica; revisão de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação do manuscrito.
Luciana Patrícia Fernandes Abbade: Elaboração do texto; participação efetiva na orientação; participação efetiva na propedêutica; revisão de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação do manuscrito.
Hélio Amante Miot: Elaboração do texto; participação efetiva na orientação; participação efetiva na propedêutica; revisão de literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Barbosa BE, Alfredo MA, Abbade LP, Miot HA. Case for diagnosis. Vascular malformations, hemihypertrophy and macrodactyly: Proteus syndrome. An Bras Dermatol. 2023;98:386–8.
Trabalho realizado no Departamento de Infectologia, Dermatologia, Diagnóstico por Imagem e Radioterapia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.