Os autores apresentam o caso de um homem HIV negativo com pápulas eritematovioláceas penianas assintomáticas, associadas com pápulas similares levemente verrucosas no espaço interdigital do pé direito. A biópsia de uma lesão peniana confirmou sarcoma de Kaposi. Não foram encontradas causas de imunossupressão. Sarcoma de Kaposi com lesões penianas é raro em indivíduos HIV negativos, mas deve ser considerado no diagnóstico diferencial e um seguimento cuidadoso é recomendado.
Um homem heterossexual branco de meia‐idade de origem italiana foi visto em consultório de dermatologia com lesões assintomáticas no pênis e sem sintomas gerais. Ele referia ter parceira sexual regular por vários anos, assim como parceiras ocasionais, com quem fazia uso regular de preservativos. O paciente havia sido tratado adequadamente para sífilis cinco anos antes e não apresentava outros problemas de saúde significativos.
O exame físico revelou pápulas eritematovioláceas na coroa da glande na face ventral do pênis (fig. 1). Um exame geral da pele revelou lesões semelhantes no primeiro espaço interdigital do pé direito, uma dessas ligeiramente verrucosa (fig. 2). O estudo histopatológico de uma das lesões penianas revelou proliferação fusocelular com vasos alongados e ramificados, hemorragias, mitoses frequentes e poucas atipias (fig. 3).
O estudo histopatológico do fragmento revelou proliferação fusocelular com vasos alongados e ramificados, hemorragias, mitoses frequentes e poucas atipias. Com maior detalhe, são vistas lacunas com hemácias extravasadas, poucas células atípicas, mas várias células mitóticas. O estudo imuno‐histoquímico em maior detalhe.
- a)
Molusco contagioso
- b)
Verrugas genitais
- c)
Sarcoma de Kaposi
- d)
Granuloma piogênico
No maior detalhe podem‐se ver lacunas com hemácias extravasadas, poucas células atípicas e várias células mitóticas (fig. 3). O estudo imuno‐histoquímico detectou positividade nuclear para anticorpos contra o vírus associado ao sarcoma de Kaposi (fig. 3, detalhe). Contrariando expectativas clínicas, os testes de Elisa de quarta geração foram negativos em duas ocasiões, com intervalo de dois meses. Para melhor excluir a infecção pelo HIV, a carga viral foi medida por um teste de PCR, revelando também um resultado negativo. A sorologia para hepatites B e C foi negativa, o FTA‐Abs foi positivo e o VDRL foi não reagente. A tomografia computadorizada do tórax e do abdome não identificou lesões. Sessões de crioterapia foram feitas sem sucesso. As lesões foram excisadas cirurgicamente com recorrência de uma pequena lesão após oito meses de acompanhamento. Como nenhuma manifestação adicional foi observada, nova excisão foi feita e foi recomendado seguimento rigoroso.
DiscussãoO sarcoma de Kaposi (SK) é uma neoplasia de células fusiformes descrita em 1872 por Moritz Kaposi. É uma doença rara que ocorre tipicamente em homens com mais de 60 anos, especialmente de origem mediterrânica e/ou judaica. Comumente aparece nos membros inferiores, nos quais permanece com caráter indolente. Metástases e casos fatais raramente são relatados.1 Três outras formas são descritas: a forma endêmica agressiva é encontrada na África e foi primeiramente descrita em 1914; a forma iatrogênica afeta indivíduos transplantados – principalmente de órgãos sólidos e pacientes imunossuprimidos –, especialmente aqueles que usam corticosteroides por longos períodos; e a forma relacionada a Aids (forma epidêmica), identificada entre homens que fazem sexo com homens no início dos anos 1980.2 Em 1990, por meio de avaliações de informações epidemiológicas, inferiu‐se que o agente etiológico do SK seria um vírus sexualmente transmissível. Esse fato foi confirmado em 1994 por Chang et al.3 Essa forma da doença tem um curso variável, mas pode ser muito agressiva, levando à disseminação e à morte. Lesões nos órgãos genitais e/ou na cavidade oral são usualmente identificadas como uma manifestação inicial da Aids. O uso da terapia antirretroviral reduziu sua incidência global e frequentemente reverte o curso do SK.4
O vírus associado ao sarcoma de Kaposi é um gama‐herpesvírus (HHV‐8). A infecção é considerada necessária, mas não suficiente, para o desenvolvimento do SK. Sua transmissão pela saliva ou em outros fluidos corporais é acompanhada por um período imprevisível de latência, que é semelhante aos outros herpesvírus.5 Em regiões endêmicas, como na África, mais de 80% dos adolescentes podem apresentar anticorpos ao vírus. Na população geral do norte da Europa e nos EUA, sua soroprevalência é inferior a 5%; no entanto, em homens homossexuais ou bissexuais foi descrita uma soroprevalência de até 25%. Em pessoas com imunidade normal, sua presença raramente leva ao SK.
Lesões penianas de SK em indivíduos HIV negativos heterossexuais são raras, o que torna este caso merecedor de discussão. Poucos casos de SK do pênis entre pacientes sem infecção pelo HIV foram publicados.6 Nossa crença inicial era de que o paciente apresentado tinha uma infecção de outra forma assintomática, situação que foi excluída após investigação laboratorial. Apesar da necessidade de um alto nível de suspeita em relação à infecção por HIV ao se observarem pacientes com lesões penianas do SK, exige‐se cuidadoso aconselhamento pré‐teste para evitar conclusões precipitadas sobre o diagnóstico de infecção por HIV e suas consequências emocionais.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMauro Cunha Ramos: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Fabiana Bazanella de Oliveira: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Vicente Sperb Antonello: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Ana Leticia Boff: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Conflitos de interesseNenhum.