A hanseníase é doença infectocontagiosa de evolução crônica causada pelo Mycobacterium leprae, bacilo álcool‐ácido resistente, que acomete principalmente a pele e o tecido nervoso periférico. Muitas das manifestações clínicas da hanseníase podem mimetizar doenças do tecido conjuntivo. Apresentamos o caso de uma mulher de 49 anos tratada havia quatro anos como lúpus eritematoso sistêmico em serviço reumatológico. A biópsia cutânea de placa da região inguinal foi compatível com hanseníase borderline virchowiana associada à reação hansênica do tipo 1. A paciente está sob tratamento com poliquimioterapia multibacilar e apresenta melhora clinica evidente.
Paciente do sexo feminino, de 49 anos, havia quatro anos com dores nas articulações interfalangeanas e nos membros inferiores, rash cutâneo e alopecia. Estava em tratamento para lúpus eritematoso sistêmico com hidroxicloroquina, azatioprina, metotrexato e prednisona. Ao exame físico, apresentava placas eritematosas generalizadas, áreas infiltradas no tronco, nos pavilhões auriculares e quirodáctilos e alopecia difusa não cicatricial (figs. 1 e 2).
A paciente apresentava proteinúria de 24 horas dentro dos limites da normalidade, FAN positivo (1:320, padrão nuclear pontilhado centromérico), anticorpos anticardiolipina IgM positivo e anti‐SM e anti‐DNA dupla hélice, negativos.
Qual o seu diagnóstico?- a)
Lúpus subagudo;
- b)
Dermatomiosite;
- c)
Hanseníase virchowiana;
- d)
Fasciíte eosinofílica difusa.
A paciente apresentava, ainda, parestesia dos membros inferiores, espessamento e dor à palpação dos nervos ulnar e ciático poplíteo externo esquerdos.
A baciloscopia dos pavilhões auriculares e de duas lesões do tronco foi positiva (índice baciloscópico: 3,33). A histopatologia da placa da região inguinal mostrou epiderme com hiperceratose; na derme, edema, leve infiltrado inflamatório composto por linfócitos, histiócitos, plasmócitos, células epitelioides, esparsas células gigantes tipo Langhans, perivascular, perianexial e intersticial que envolvia o septo do subcutâneo e adipócitos. A coloração pelo método de Wade evidenciou grande número de bacilos álcool‐ácido resistentes intracelulares, agrupados em globias, fragmentados e granulosos (fig. 3A e 3B). O PAS não mostrou espessamento da membrana basal e não havia mucina na coloração pelo método de Alcian blue. Diante das alterações histopatológicas, fez‐se o diagnóstico de hanseníase borderline virchowiana associada à reação hansênica do tipo 1. A paciente negou tratamento prévio para hanseníase e referiu que um genro havia recebido tratamento anti‐hansênico. Foi iniciado tratamento com poliquimioterapia multibacilar e prednisona 60mg/dia para o quadro reacional e lesões neurais. Após 30 dias de tratamento, houve importante melhoria (fig. 4).
A hanseníase é doença infectocontagiosa de evolução crônica causada pelo Mycobacterium leprae, bacilo álcool‐ácido resistente, com tropismo pelas células de Schwann e sistema reticuloendotelial. O bacilo acomete principalmente a pele e o tecido nervoso periférico.1 A capacidade do M. leprae de regular a produção de citocinas e induzir respostas Th1 ou Th2 contribui para a variedade de apresentações clínicas da doença.2
Manifestações reumatológicas são observadas em 64% a 77% dos pacientes com hanseníase multibacilar, especialmente durante os estados reacionais.3 Quadros reumatológicos foram observados em 41,8% dos doentes com hanseníase virchowiana; 23,6% na forma borderline tuberculoide; 18,2% nas formas borderline e 16,4% na forma borderline virchowiana.4
A presença de FAN positivo em pacientes com hanseníase pode ocorrer em 3% a 34% dos casos. Geralmente os títulos são baixos e os padrões salpicados e homogêneos são os mais comuns.5 Fator reumatoide, anti‐CCP, ANCA, anticardiolipina e antifosfolípides têm sido identificados em percentuais variáveis nas diferentes formas de hanseníase.6–8 Alopecia não cicatricial, principalmente em pacientes com as formas virchowianas da doença, já foi descrita.9
As diversas manifestações clínicas da hanseníase configuram desafio diagnóstico, uma vez que podem mimetizar outras doenças, inclusive distúrbios autoimunes. A dificuldade de se diagnosticar precocemente a hanseníase pode aumentar a chance de transmissão e ocasionar deformidades secundárias ao comprometimento de nervos periféricos.10
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLarissa Daniele Machado Goes: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Juliana Alves Scrignoli: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Patrícia Morais: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Patrícia Morais: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.