A prevalência de tatuagem na população tem crescido, e o dermatologista deve estar familiarizado com suas complicações. O levantamento feito por Kluger et al. mostrou prevalência de 22,3% de indivíduos tatuados no Brasil; a faixa etária mais prevalente é a de 25‐34 anos (30,3%).1 Bicca et al. analisaram a prevalência de tatuagem em recrutas em Pelotas (RS), e o resultado foi 10,82% de 1.968 recrutas.2
Nevos traumatizados por tatuagem podem sofrer alterações que aumentam a suspeição de malignidade, tais como atipia citológica, espalhamento pagetoide e mitose dérmica; portanto, nevos, lesões pigmentadas ou cicatrizes de melanomas não devem ser tatuados. O pigmento em nevos pode tanto atrasar o diagnóstico de transformação maligna quanto simular achados de malignidade, resultando em cirurgia desnecessária. Recomenda‐se evitar tatuar áreas do corpo com abundância de nevos, mantendo margem de 0,5 a 1cm dessas lesões. Pacientes com síndrome de nevos atípicos ou com histórico pessoal ou familiar de melanoma deveriam se consultar com dermatologista previamente à tatuagem.3–6Foi realizado estudo transversal, em amostragem por conveniência, entre dezembro de 2021 e julho de 2022, no Ambulatório de Dermatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil. O critério de inclusão foi ser portador de tatuagem. Os critérios de exclusão foram idade <18 anos ou alguma incapacidade física ou psiquiátrica que impossibilitasse a compreensão do estudo e/ou assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido. As tatuagens foram inspecionadas, e quando ocorriam sobre um nevo, a lesão era fotografada e armazenada com equipamento FotoFinder. As características dermatoscópicas foram analisadas conjuntamente pelos pesquisadores. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética sob o protocolo 52210121.2.0000.5327.
Participaram da pesquisa 112 pacientes, os quais contabilizaram 485 tatuagens. Dessas, 82 (16,9%) ocorreram sobre nevos melanocíticos; ao total, 194 nevos sofreram tatuagem. O estudo feito por Kluger analisou retrospectivamente complicações em 31 pacientes com tatuagem, e foram observados 10% de nevos tatuados.7 Esse valor é inferior ao encontrado no presente estudo, o que pode ser justificado por ter sido este um estudo transversal no qual todas as tatuagens foram inspecionadas buscando‐se ativamente os nevos.
As seguintes alterações dermatoscópicas foram observadas nos nevos tatuados: pontos, glóbulos, eritema, apagamento da tatuagem, borrão amorfo, véu azul, adensamento do pigmento névico, obliteração parcial do pigmento névico, obliteração total do pigmento névico, pseurorrede e pigmento perifolicular. As figuras 1‐4 demonstram alguns aspectos observados no estudo.
O borrão foi visto como áreas escuras amorfas no nevo; foi a alteração mais observada, presente em 108 nevos (55,7%). Pigmento de tatuagem presente em pequenos pontos esteve presente em 93 nevos (47,9%), enquanto aglomerados redondos maiores em aspecto de glóbulos esteviveram presentes em 70 nevos (36,1%). A tinta presente em pouca quantidade no nevo causou adensamento da rede melanocítica em 26 nevos (13,4%). Uma observação importante é dada ao véu azul – padrão atribuído à malignidade das lesões melanocíticas –, observado em 16,5% dos nevos deste estudo (fig. 1).
O padrão pseudorrede foi observado como pigmento de tatuagem rendilhado, visto em 30 nevos (15,5%). Eritema foi observado em oito nevos (4,1%), padrão observado apenas em tatuagens coloridas com pigmento vermelho (fig. 2).
Traços mais fortes de tatuagem causaram obliteração do nevo, atribuído neste trabalho como parcial, se era ainda possível observar o padrão melanocítico entremeado à tinta, ou total, quando era apenas possível observar o pigmento da tatuagem (fig. 3). Esses padrões estiveram presentes em 44,3% e 21,1% dos nevos, respectivamente. Tal padrão pode esconder assimetrias e outros achados suspeitos do nevo, o que é preocupante pois, juntos, estiveram presentes em quase dois terços dos nevos.
Pigmento perifolicular foi observado em apenas dois nevos (1,0%). Uma apresentação interessante, observada em 4,1% dos nevos, foi o apagamento da tatuagem, no qual o nevo se sobressaiu e houve interrupção abrupta do pigmento da tatuagem (fig. 4). Acreditamos que esse padrão possa estar associado ao surgimento ou crescimento do nevo posteriormente à tatuagem, mas que estudos histopatológicos poderiam ser elucidativos.
Na maioria das ocasiões, o examinador consegue distinguir quais alterações são provenientes da tatuagem ou são próprias do nevo. No entanto, a tinta da tatuagem pode causar obliteração do nevo, prejudicando a visualização da rede melanocítica e, consequentemente, o rastreio do melanoma. Ao nosso conhecimento, este é o primeiro trabalho analisando o padrão dermatoscópico de nevos que sofreram tatuagem.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresFelipe Miguel Farion Watanabe: Concepção e desenho do estudo; obtenção, análise e interpretação de dados; redação do artigo; revisão crítica da literatura.
Lia Dias Pinheiro Dantas: Concepção e desenho do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação final da versão final do manuscrito.
Renan Rangel Bonamigo: Concepção e desenho do estudo; análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; aprovação final da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.