Atendemos paciente do sexo feminino, 27 anos de idade, com história de seis meses de nódulo persistente e doloroso no mento; referia exsudato purulento ocasional, sem história de febre ou sintomas sistêmicos. Vários cursos de antibióticos orais foram ineficazes. Ao exame extrabucal, apresentava nódulo eritematoso com retração circundante significativa (fig. 1). A ultrassonografia (Esaote MyLab Gamma®, 18MHz) revelou uma lesão hipoecoica com aumento do fluxo sanguíneo na base e à sua volta. Além disso, um trajeto fistuloso tortuoso e inflamado se estendia através do tecido subcutâneo até o osso alveolar (fig. 2). Esses achados eram consistentes com fístula cutânea odontogênica (FCO); a radiografia panorâmica evidenciou a origem da FCO em um incisivo inferior (fig. 3). A paciente foi encaminhada ao Serviço de Cirurgia Maxilofacial de nosso hospital para avaliação e tratamento; sugeriu‐se extração dentária para remoção da fonte de infecção.
A FCO é o resultado de uma canalização anormal que se origina de infecção periapical crônica. Normalmente, a infecção bacteriana da polpa dentária drena para a cavidade oral. Entretanto, quando o processo inflamatório é grave e de longa duração, pode destruir o osso alveolar, espalhar‐se para as partes moles adjacentes e, eventualmente, drenar para a pele.1 As possíveis causas de FCO incluem infecção crônica da mandíbula, trauma, raízes retidas e doença pulpar. Higiene oral deficiente e procedimentos cirúrgicos seguidos de complicações também podem propiciar o surgimento desse tipo de lesão. As manifestações cutâneas podem se apresentar como formação de “covinha”, nódulos, abscessos, cistos, úlceras ou lesão com drenagem em locais variáveis, dependendo dos dentes afetados.2 Os trajetos fistulosos são mais comumente associados à infecção dos dentes inferiores do que dos dentes superiores, que normalmente drenam para o mento e a mandíbula. Dadas essas muitas apresentações e locais diferentes, a FCO costuma ser diagnosticada erroneamente, levando a tratamento dermatológico inadequado e terapia antimicrobiana desnecessária. O diagnóstico diferencial inclui micose subcutânea, actinomicose, osteomielite, neoplasias (como carcinoma basocelular ou carcinoma espinocelular), cistos epidérmicos, granulomas piogênicos e de corpo estranho.1
O diagnóstico da FCO geralmente é realizado com base em radiografia panorâmica e tomografia computadorizada, que mostram o dano ao processo alveolar. No entanto, esses testes exigem tempo e têm custo elevado, e podem ter efeitos colaterais. A ultrassonografia cutânea é uma técnica não invasiva e emergente, com utilidade comprovada em lesões localizadas.3 As imagens de alta frequência não apenas fornecem informações qualitativas e quantitativas robustas sobre lesões cutâneas, mas também sobre os tecidos circundantes. Além disso, a ultrassonografia com Doppler em cores fornece informações sobre a vascularização. Portanto, essa técnica tem se mostrado muito útil no diagnóstico dos trajetos fistulosos cutâneos. A imagem ultrassonográfica da FCO consiste em um trajeto fistuloso hipoecoico linear, mas levemente tortuoso, que atinge o osso cortical, com um fluxo sanguíneo aumentado na sua periferia.4,5 A maioria desses atributos caracteriza essa lesão e a distingue facilmente de outras afecções incluídas no diagnóstico diferencial clínico. Em relação ao tratamento, a antibioticoterapia traz uma cura aparente; no entanto, se a fonte de infecção não for eliminada, o trajeto fistuloso reaparece com o tempo. Acreditamos que a ultrassonografia de alta frequência também pode ser útil no monitoramento da resposta ao tratamento, mostrando uma diminuição da vascularização e uma redução progressiva do trajeto fistuloso. Além disso, ela também possibilita a detecção de recorrências precoces. Para alcançar a resolução da infecção, a terapia deve se concentrar no manejo da infecção dentária por meio de tratamento endodôntico ou extração.2 A excisão cirúrgica do trajeto fistuloso geralmente não é necessária, pois a cicatrização ocorre espontaneamente após o tratamento dentário.
A ultrassonografia cutânea é uma ferramenta segura e acessível para o diagnóstico da FCO. A imagem característica de um trajeto fistuloso hipoecoico realçada pelo Doppler colorido possibilita seu diagnóstico. Assim, as lesões neoplásicas são rapidamente descartadas e muitos tratamentos inadequados são evitados.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuições dos autoresArcadi Altemir‐Vidal: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; preparação e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação de dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Maribel Iglesias‐Sancho: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; preparação e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação de dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Monica Quintana‐Codina: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; preparação e redação do manuscrito; coleta, análise e interpretação de dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual na conduta propedêutica e/ou terapêutica dos casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Altemir‐Vidal A, Iglesias‐Sancho M, Quintana‐Codina M. Usefulness of high‐frequency ultrasonography in the diagnosis of odontogenic cutaneous fistula. An Bras Dermatol. 2021;96:259–60.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Hospital Universitari Sagrat Cor – Grupo Quironsalud, Barcelona, Espanha.