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Vol. 96. Issue 2.
Pages 257-258 (1 March 2021)
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Pages 257-258 (1 March 2021)
Carta ‐ Caso Clínico
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Escorbuto: difícil de lembrar, fácil de diagnosticar e tratar
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Paulo Ricardo Martins Souza, Letícia Dupont
Corresponding author
dupont.leticia@gmail.com

Autor para correspondência.
, Felipe Eduardo Rodrigues
Departamento de Dermatologia, Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil
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Prezado Editor,

O escorbuto é uma doença incomum atualmente, mas ainda existe, principalmente em grupos de risco para hipovitaminoses.1–3 Pela baixa suspeição, suas manifestações clínicas acabam não sendo bem interpretadas, levando a uma busca extensiva por diagnósticos diferenciais.1 O escorbuto apresenta achados cutâneos que são pistas fundamentais, em especial a púrpura perifolicular, que parece ser encontrada apenas nessa doença.2 Geralmente há sintomas sistêmicos associados; é comum a ocorrência de sangramentos.2 O prognóstico é excelente, com resposta clínica já nos primeiros dias de reposição vitamínica.1,2

Os autores relatam o caso de paciente do sexo masculino, 63 anos de idade, hipertenso, diabético, com insuficiência renal crônica em hemodiálise havia cinco anos. Queixava‐se de lesões com aumento progressivo nos últimos dois meses, assintomáticas, principalmente nos membros inferiores. Além disso, relatava fraqueza, episódios de epistaxe e referia ingesta alimentar limitada a sanduíches e outros carboidratos, negando consumo de frutas e verduras. Ao exame físico, apresentava áreas purpúricas, em placas e isoladas, a maioria puntiforme com localização perifolicular, acometendo os membros inferiores (figs. 1 e 2), membros superiores e dorso. Na inspeção da cavidade oral, não foram encontradas alterações. À dermatoscopia, visualizavam‐se pelos em saca‐rolha (fig. 3). Níveis plasmáticos de ácido ascórbico extremamente baixos corroboraram o diagnóstico (0,08mg/dL com valor de referência de 0,5‐1,5mg/dL). O exame anatomopatológico mostrou foliculite, perifoliculite e ceratose infundibular, achados comuns no escorbuto. Dias após suplementação oral de vitamina C, dose de 300mg/dia, houve resolução das lesões de pele, além de melhora da astenia e do sangramento nasal. Não houve relato de sangramento gengival nesse caso – historicamente, a manifestação mais clássica do escorbuto –, ressaltando que sua ausência não exclui o diagnóstico da doença.

Figura 1.

Áreas purpúricas nos membros inferiores.

(0.09MB).
Figura 2.

Púrpuras de localização perifolicular.

(0.11MB).
Figura 3.

Dermatoscopia: pelos em saca‐rolha.

(0.09MB).

A causa do escorbuto é a deficiência de ácido ascórbico (vitamina C), encontrado em frutas e vegetais frescos.2,3 Períodos históricos de maior importância foram “a grande fome irlandesa da batata”, entre 1845 e 1849, quando a população da Irlanda se reduziu em 20% a 25%, a “guerra civil americana” e, mais recentemente, a “guerra do Afeganistão”, em 2002. Apesar de incomum e lembrado por seus aspectos históricos, o escorbuto não é uma doença erradicada – ela ainda é encontrada, em especial em indivíduos com dietas estranhas, idosos, alcoolistas, portadores de neoplasias ou distúrbios de absorção intestinal e pacientes em hemodiálise. Os rins reabsorvem a vitamina C e a excretam na urina apenas quando ultrapassa o nível sérico, porém na diálise essa depuração é indiscriminada, aumentando risco para deficiência.3

O ácido ascórbico tem papel importante na formação do colágeno e da matriz extracelular, função leucocitária, absorção de ferro, metabolismo do ácido fólico e outros processos enzimáticos. Anomalias na estrutura do colágeno interrompem a integridade do pelo, do tecido conjuntivo e dos vasos sanguíneos, levando a manifestações cutâneas características do escorbuto.4

As queixas iniciais, após um a três meses de deficiência, costumam ser de fraqueza, mal‐estar, artralgias, anorexia e labilidade emocional. A fragilidade capilar predispõe à púrpura, mais frequente nos membros inferiores, petéquias, equimoses, sangramento gengival, epistaxe e hemorragia óssea.2 Outros achados dermatológicos incluem hiperqueratose folicular e hemorragias subungueais.4 A dermatoscopia revela folículos pilosos esbranquiçados com pelo em forma de “saca‐rolha” cercado por um halo violáceo‐hemorrágico; a área esbranquiçada corresponde à fibrose perifolicular, e o halo violáceo, ao extravasamento de hemácias.5

O diagnóstico do escorbuto é clínico, confirmado por baixos níveis séricos de vitamina C. Há ocorrência de sintomas geralmente com concentrações plasmáticas menores que 0,2mg/dL.1 O hemograma costuma revelar anemia e os marcadores inflamatórios podem estar elevados. A biópsia auxilia principalmente na distinção com vasculite, já que no escorbuto a púrpura apresenta caráter não inflamatório. O padrão histológico clássico é representado por hemorragia perifolicular, folículos pilosos de formato irregular com hiperqueratose e pelos encurvados.2

O prognóstico do escorbuto é excelente.1 A suplementação de ácido ascórbico (100mg três vezes ao dia) resulta em alguma melhora sintomática já no primeiro dia, e resolução completa das lesões cutâneas dentro de semanas.4

O escorbuto provavelmente é subdiagnosticado, embora apresente manifestações pertinentes a várias especialidades médicas. É lembrado como doença de tempos remotos, estudada no Ensino Médio e nos livros de História, e não como possibilidade diagnóstica real. Deve‐se atentar àqueles pacientes com fatores de risco para carência nutricional e identificar precocemente os achados clássicos do escorbuto, doença facilmente tratável.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Paulo Ricardo Martins Souza: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Letícia Dupont: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.

Felipe Eduardo Rodrigues: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
R. Joshi, C.N. Gustas-French, J.C. Fanburg-Smith, K.F. Helm, D. Flemming.
Scurvy: a rare case in an adult.
Skeletal Radiol., 48 (2019), pp. 977-984
[2]
M. Antonelli, M.L. Burzo, G. Pecorini, G. Massi, R. Landolfi, A. Flex.
Scurvy as cause of purpura in the XXI century: a review on this “ancient” disease.
Eur Rev Med Pharmacol Sci., 22 (2018), pp. 4355-4358
[3]
R. El Khoury, M. Warren, S. Ali, J.L. Pirkle Jr..
An unexpected case of scurvy in a peritoneal dialysis patient.
Case Rep Nephrol Dial., 7 (2017), pp. 172-177
[4]
J.N. Lessing, E.D. LaMotte, A.S. Moshiri, N.M. Mark.
Perifollicular haemorrhage with corkscrew hair due to scurvy.
Postgrad Med J., 91 (2015), pp. 719-720
[5]
E. Cinotti, J.L. Perrot, B. Labeille, F. Cambazard.
A dermoscopic clue for scurvy.
J Am Acad Dermatol., 72 (2015), pp. S37-S38

Como citar este artigo: Souza PRM, Dupont L, Rodrigues FE. Scurvy: hard to remember, easy to diagnose and treat. An Bras Dermatol. 2021;96:257–8.

Trabalho realizado na Santa Casa de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

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