A fotoproteção abrange uma série de medidas comportamentais que reduzem a exposição à radiação solar, como o conhecimento dos padrões de irradiação solar (horários, altitude, cobertura de nuvens), sua reflexão nas superfícies, busca por sombra, vestuário e uso de filtros solares.1
A maior parte da superfície cutânea costuma ser coberta pelo vestuário e suas diferentes transmitâncias à radiação podem induzir falsa percepção de segurança, especialmente em crianças, indivíduos de fototipos claros, portadores de dermatoses fotossensíveis e populações de maior risco, como trabalhadores expostos ao sol e imunossuprimidos.1,2 O conhecimento das características da fotoproteção promovida pelas roupas é importante na prevenção e no tratamento das dermatoses fotoinduzidas ou fotoagravadas.
As principais radiações solares biologicamente ativas na pele são UVB, UVA e luz visível (especialmente a faixa azul‐violeta: 400‐500nm), envolvidas em processos inflamatórios, discromias, fotoenvelhecimento e carcinogênese.3
A transmitância é definida como a porcentagem de radiação que atravessa a matéria e é complementar ao valor da absorbância. O conhecimento da transmitância de um tecido possibilita o cálculo do seu fator de proteção ultravioleta (FPU) para UVA e UVB.4 A transmitância da radiação solar através do vestuário depende da densidade da trama e da espessura do tecido. Entretanto, há variações nesse perfil, a depender da cor, umidade da roupa, tipo de tecido e número de lavagens (desgaste do tecido aumenta a transmitância). Algumas fibras recebem tratamentos específicos que impregnam substâncias fotoprotetoras, o que aumenta seu FPU.1,5
Não se conhece a transmitância às principais radiações solares de roupas utilizadas no Brasil. Este estudo objetivou avaliar a transmitância ao UVB, UVA e luz azul‐violeta (400‐500 nm) de uma série de vestimentas. Foram avaliados 16 tecidos de roupas e luvas comercialmente disponíveis, entre outubro e novembro de 2018. As características das peças testadas estão dispostas na tabela 1.
Principais características dos 16 tecidos testados
Produto | Cor | Tecido | Marca |
---|---|---|---|
Camiseta | Vermelha | Algodão (denso) | GAP |
Camiseta | Branca | Algodão | Hering |
Camiseta | Cinza | Algodão | Hering |
Camiseta esportiva dry fit | Preta | Poliamida | Nike |
Camisa listrada | Branca e azul | Algodão | Tommy Hilfiger |
Camisa polo | Bordô | Algodão | Ellus |
Blusa manga longa | Cinza | Algodão | Bluesteel |
Blusa (moletom) | Cinza | Algodão | GAP |
Vestido longo | Azul escuro | Algodão | Hering |
Vestido floral | Estampado floral | Poliéster | Forever 21 |
Short escuro | Azul | Nylon | Lacoste |
Bermuda | Xadrez claro | Algodão | Tommy‐Hilfiger |
Calça legging | Preta | Poliéster (denso) | Domyos |
Calça jeans | Azul índigo | Brim | TNG |
Camisa manga longaa | Azul | Poliamida | UVLine |
Luvaa | Bege | Poliamida | UVLine |
As roupas foram submetidas a fontes artificiais de UVB (230 μW/cm2; FS72T12/UVB/HO), UVA (1270 μW/cm2; Phillips‐TL 100W/10R) e luz LED (110 mW/cm2 na faixa azul‐violeta; GBRLUX 200W). A transmitância foi avaliada pelos aparelhos: UVB Digital Ultraviolet Radiometer, ZooMed, San Luis Obispo‐CA, USA; Digital Ultraviolet Radiometer 4.2 UVA, Solarmeter, Glenside‐PA, USA; e Radiômetro RD‐7, Ecel, Ribeirão Preto‐SP, Brasil, após três medidas de cada peça.
A tabela 2 apresenta as transmitâncias e FPU para as peças testadas. Quanto ao UVB, tecidos finos de algodão apresentaram os piores desempenhos (FPU <50). A transmitância ao UVA também foi maior para os tecidos mais finos; 7 (44%) itens apresentaram FPU <15. Luz visível total e luz azul foram bloqueadas efetivamente pelos tecidos coloridos. A camisa e a luva vendidas como de proteção UV apresentaram bloqueio adequado para todas as radiações testadas.
Percentual de transmitância de UVA e luz visível dos diferentes tecidos testados
Produto | UVB (%) | FPU‐UVB | UVA (%) | FPU‐UVA | LVt (%) | LAV (%) |
---|---|---|---|---|---|---|
Camiseta vermelha GAP | 0,3% | 50+ | 2,5% | 41 | 1,4% | 0,0% |
Camiseta branca Hering | 3,8% | 27 | 10,8% | 9 | 42,3% | 27,4% |
Camiseta cinza Hering | 2,3% | 43 | 6,2% | 16 | 7,5% | 0,0% |
Camiseta esportiva dry fit | 2,5% | 41 | 16,1% | 6 | 3,9% | 0,0% |
Camisa listrada algodão | 6,2% | 16 | 17,3% | 6 | 35,4% | 29,9% |
Camisa polo bordô | 0,5% | 50+ | 2,8% | 35 | 1,0% | 0,0% |
Blusa manga longa algodão cinza | 3,9% | 26 | 17,0% | 6 | 6,8% | 0,0% |
Blusa (moletom) cinza | 0,0% | 50+ | 0,2% | 50+ | 2,9% | 0,0% |
Vestido longo azul escuro | 1,8% | 50+ | 4,3% | 24 | 2,3% | 0,0% |
Vestido floral | 4,6% | 22 | 40,8% | 2 | 19,0% | 49,1% |
Short escuro nylon | 1,4% | 50+ | 12,6% | 8 | 2,2% | 0,0% |
Bermuda algodão clara xadrez | 3,7% | 27 | 10,6% | 9 | 21,5% | 31,4% |
Calça legging | 0,1% | 50+ | 0,6% | 50+ | 0,1% | 0,0% |
Calça jeans | 0,1% | 50+ | 0,1% | 50+ | 0,1% | 0,0% |
Camisa manga longaa | 0,3% | 50+ | 0,5% | 50+ | 0,5% | 0,0% |
Luvaa | 0,2% | 50+ | 1,4% | 50+ | 2,4% | 0,0% |
UVB, ultravioleta B; UVA, ultravioleta A; FPU, fator de proteção ultravioleta; LVt, luz visível total (400‐780nm); LAV, luz azul‐violeta (400‐500nm).
Este estudo corrobora a opinião de que roupas claras e malhas finas apresentam maior transmitância às radiações solares, o que deve servir de alerta na recomendação de fotoproteção durante a prática de esportes ao ar livre ou mesmo para orientação sobre proteção solar diária, especialmente em regiões ensolaradas. Um tecido com FPU <15 é considerado insuficiente para proteção usual e, em situações de grande exposição (p.ex., praia, parques, trabalho exposto ao sol), deve‐se orientar roupas com FPU> 50. Há preferência pelo vestuário com cores escuras, trama mais densa (ou tratadas com proteção UV) e de tamanho adequado, já que o estiramento das fibras e a proximidade com a pele podem reduzir a proteção.5
Crianças utilizam comumente, nas atividades externas, camisetas finas, vestidos de algodão e bermudas, o que pode falsear a percepção de proteção das áreas cobertas. Ainda mais, a taxa de exposição solar na infância constitui importante risco para o desenvolvimento do melanoma na idade adulta e é alvo de campanhas em diversos países.2 Da mesma maneira, além do fotoprotetor adequado, a prática de esportes ao ar livre (p.ex., corrida, tênis, futebol, ciclismo) deve ser realizada com vestuário de baixa transmitância, já que ela pode se intensificar pela umidade do suor.
A transmitância das roupas não é paralela ao efeito biológico das radiações; entretanto, constitui uma forma de comparar os diferentes tecidos. Apesar da ampla disponibilidade de cobertura e da pronta e estável fotoproteção promovida pelas roupas, uma significativa parcela da pele permanece exposta durante o dia (p.ex., face, nuca e mãos), necessitando de cuidados adicionais, como chapéus e filtro solar. Além disso, como grande parte do Brasil apresenta clima quente, é usual que jovens utilizem roupas curtas, o que minimiza a proteção promovida pelo vestuário.
Este estudo apresenta limitações por não considerar toda a variedade de cores e tecidos que a indústria oferece, assim como não comparar o estado de uso e umidade das peças testadas.
Diferentes tecidos do vestuário utilizado no Brasil promovem padrões de fotoproteção variáveis, o que deve ser orientado aos pacientes, especialmente às crianças e àqueles que compõem os grupos de risco.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMelissa Mari Yoshida: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ana Cláudia Cavalcante Espósito: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Hélio Amante Miot: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
Como citar este artigo: Yoshida MM, Esposito ACC, Miot HA. UVB, UVA, and visible light (blue‐violet range) transmittance of clothing used in Brazil. An Bras Dermatol. 2020;95:768–70.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.