A isotretinoína é retinoide eficaz no tratamento da acne moderada a grave, porém pode haver resistência ao seu uso pelo receio de efeitos adversos psiquiátricos. Por outro lado, a acne causa significativo impacto psicológico.1 No presente estudo, avaliamos pacientes em tratamento com isotretinoína oral para acne moderada a grave quanto à evolução de sintomas depressivos e suas correlações.
Estudo tipo prospectivo pragmático que incluiu pacientes com indicação de tratamento com isotretinoína oral para acne no serviço de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita, de ambos os sexos e com mais de 13 anos, recrutados de 2015 a 2017. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética (parecer n° 712.311).
Os pacientes foram avaliados antes do início da isotretinoína e nos meses 1, 3, 6, 9 e 12, até a data final do uso da medicação. A avaliação se deu segundo dados demográficos; gravidade da acne, segundo escala baseada na classificação do FDA de 2002, e quantificação das lesões na hemiface esquerda; gravidade das cicatrizes, baseada na escala de cicatrizes de acne (ECCA) publicada em 2007, além do Cardiff Acne Disabilty Index (CADI) e da escala de depressão de Beck.2–5 Os efeitos adversos mucocutâneos da isotretinoína, a satisfação com o tratamento e a incapacidade relacionada ao tratamento foram avaliados por questões e escalas do tipo Likert desenvolvidas pelos pesquisadores (não validada).
Os escores de depressão foram comparados entre as diferentes visitas de maneira bivariada e por modelos generalizados mistos com distribuição do tipo gama para melhor ajuste, considerou‐se a anormalidade da variável dependente. Os modelos multivariados foram definidos pela inclusão de variáveis com p < 0,2 nas análises bivariadas. A normalidade das distribuições foi avaliada pelo teste de Shapiro‐Wilk e a confiabilidade dos escores usados pelo alfa de Cronbach. Foram considerados significativos valores de p < 0,05.
Foram incluídos 42 participantes com pelo menos uma visita após o início do tratamento, observou‐se uma amostra com 18 mulheres (43%), idade mediana de 18 (p25‐p75: 16‐21) anos e duração da acne de 4 (2‐6) anos. Apresentavam um escore de Cardiff médio de 7,79 (dp=3,62) e de Beck mediano de 7,5 (2‐16).
A figura 1 ilustra a regressão do escore de Beck durante o tratamento. A correlação entre o escore de Beck e CADI ao início do tratamento foi de 0,38 (Rho de Spearman; p=0,01) e entre o escore de Beck e a gravidade clínica da acne foi de−0,19 (Rho de Spearman; p=0,24). A tabela 1 ilustra a influência das variáveis estudadas no escore de Beck ao início do tratamento, destacam‐se a renda familiar, os antecedentes psiquiátricos e o escore de Cardiff. Já a tabela 2 ilustra a influência dessas variáveis durante o tratamento, destacam‐se a duração prévia da acne, a intensidade dos efeitos adversos mucocutâneos, a dose acumulada de isotretinoína e o escore de Beck inicial. Todos os escores usados no estudo apresentaram confiabilidade aceitável ou superior (alfa de Cronbach > 0,7).
Associação entre variáveis, clínicas, demográficas e psicométricas e escore de depressão de Beck ao início do tratamento (n=42)
Característica | Escore de BeckMed. (p25‐p75) | p (biv.) | Coef. | pa (multi) |
---|---|---|---|---|
Sexob | 0,85 | |||
Masculino | 7,5 (2‐15) | |||
Feminino | 8 (2‐16) | |||
Idade atual (anos) | 0,04 (−0,27‐0,34)c | 0,81 | ||
Idade início acne (anos) | 0,06 (−0,24‐0,36)c | 0,70 | ||
Duração (anos) | 0,07 (−0,26‐0,35)c | 0,66 | ||
Fototipod | 0,29 | |||
I‐II | 7 (2‐15) | |||
III | 10 (5‐20) | |||
IV‐V | 3 (1‐5) | |||
História familiar acneb | 0,23 | |||
Sim | 7 (2‐12) | |||
Não | 10 (3‐20) | |||
Escolaridaded | 0,30 | |||
Até médio incompleto | 8 (3‐12) | |||
Médio completo | 9 (4‐20) | |||
Superior | 2,5 (0‐9) | |||
Renda familiar (salário mínimo) | −0,31c | 0,13 | ||
≤ 2 | 11,5 (2‐20) | Ref. | ||
> 2 | 5 (2‐9) | −0,65 | 0,01 | |
Antecedente psiquiátricob | 0,09 | |||
Não | 7 (2‐14) | Ref. | ||
Sim | 21,5 (5‐27) | 0,72 | 0,01 | |
Gravidade geral acned | 0,28 | |||
2‐3 | 16 (5‐20) | |||
4 | 6,5 (2‐10) | |||
5 | 5 (2‐11) | |||
Número de pápulas (hemiface) | 0,05 (−0,26‐0,34)c | 0,78 | ||
Número de pústulas (hemiface) | 0,20 (−0,11‐0,47)c | 0,21 | ||
Número de nódulos (hemiface) | 0,05 (−0,26‐0,35)c | 0,78 | ||
Escore de Cardiff | 0,38 (0,08‐0,61)c | 0,01 | 0,11 | <0,01 |
Escore cicatrizes | −0,15 (−0,43‐0,16)c | 0,36 |
Associação entre variáveis clínicas, demográficas e psicométricas e escore de depressão de Beck verificados durante o tratamento (n=107)a
Característica | Coef. (biv.) | p (biv.) | Coef. | p |
---|---|---|---|---|
Sexo | 0,06 | |||
Masculino | Ref. | Ref. | ||
Feminino | 0,61 | 0,31 | 0,26 | |
Idade atual (anos) | 0,08 | 0,04 | −0,02 | 0,51 |
Idade início acne (anos) | 0,02 | 0,73 | ||
Duração (anos) | 0,09 | 0,04 | 0,10 | 0,03 |
Fototipo | 0,69 | |||
I‐II | Ref. | |||
III | −0,06 | |||
IV‐V | −0,32 | |||
História familiar acne | 0,34 | |||
Não | Ref. | |||
Sim | −0,30 | |||
Escolaridade | 0,28 | |||
Até médio incompleto | Ref. | |||
Médio completo | 0,57 | |||
Superior | 0,54 | |||
Renda familiar (salários mínimos) | 0,12 | 0,29 | ||
Antecedente psiquiátrico | ||||
Não | Ref. | |||
Sim | 0,16 | 0,69 | ||
Gravidade geral acne | 0,40 | |||
0 | Ref. | |||
1‐2 | 0,13 | |||
3‐5 | 0,30 | |||
Escore de Cardiff | 0,08 | < 0,01 | 0,02 | 0,38 |
Escore cicatrizes | 0,04 | 0,40 | ||
Escore de efeitos adversos | 0,05 | < 0,01 | 0,03 | 0,04 |
Incapacidade relacionada ao tratamento | 0,13 | 0,03 | 0,07 | 0,27 |
Satisfação com o tratamento | −0,16 | < 0,01 | −0,10 | 0,07 |
Tempo de tratamento (meses) | −0,06 | < 0,01 | 0,06 | 0,05 |
Dose acumulada por peso | −0,005 | < 0,01 | −0,01 | 0,02 |
Dose diária por peso | 0,56 | 0,45 | ||
Escore de Beck inicial | 0,04 | 0,02 | 0,03 | 0,01 |
A grande maioria dos pacientes (6/7) que apresentaram níveis clinicamente significativos na escala de Beck (< 19) já se apresentara assim ao início do tratamento, houve uma melhoria dos escores da maioria desses pacientes nas avaliações subsequentes. Curiosamente, não houve correlação desse com a gravidade clínica da acne no momento inicial, indicaram‐se fatores subjacentes no impacto psicológico da doença, como o nível socioeconômico.
Durante o tratamento, verificou‐se precoce e significativa redução dos escores de depressão já nos primeiros meses, sugerindo que a expectativa e a percepção de melhoria continuada podem ter um importante impacto psicológico.
Com relação aos sintomas depressivos durante o tratamento, não se verificou associação significativa com a gravidade ou a incapacidade relacionada à acne, porém com maiores efeitos adversos do tratamento, maior duração prévia da acne, maiores escores iniciais de depressão e menores doses acumuladas de isotretinoína.
A identificação da associação da intensidade dos efeitos adversos mucocutâneos com os sintomas depressivos ressalta a importância de se estar atento a esses, aplicar medidas para mitigá‐los efetivamente e orientar o paciente antecipadamente, principalmente no início do tratamento.
O estudo apresenta limitações quanto a perdas de seguimento e uso irregular da medicação por alguns participantes, além de ser monocêntrico. Por outro lado, trata‐se de estudo observacional de caráter pragmático, de modo que os modelos estatísticos mistos possibilitaram a análise robusta das séries com dados faltantes. Além disso, o desenho usado permitiu avaliar variações internas e temporais nas variáveis estudadas, com resultados compatíveis com a literatura disponível, além de trazer novas informações sobre o perfil dos sintomas depressivos em pacientes em uso de isotretinoína oral para acne.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJuliano Vilaverde Schmitt: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Priscilla Pereira Luvizotto: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
Como citar este artigo: Luvizotto PP, Schmitt JV. Depressive symptoms before and during treatment of acne with isotretinoin and its correlations: a prospective study. An Bras Dermatol. 2020;95:760–3.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.