Tivemos o prazer de ler os comentários do Professor Dorlos sobre o artigo que publicamos nesta revista.1 Como o Professor corretamente afirma, a cardiotoxicidade do antimoniato de meglumina (NMG) está bem estabelecida e não há evidências farmacocinéticas convincentes de que a miltefosina cause cardiotoxicidade. Entretanto, não foi possível chegar a nenhuma conclusão específica sobre a farmacocinética da miltefosina com base em nossos dados, pois não investigamos a absorção, a distribuição, o metabolismo ou a excreção do medicamento neste estudo. Além disso, muitas explicações são possíveis, além da cardiotoxicidade específica da miltefosina, para explicar o aumento do intervalo QTc observado no estudo de Sundar et al.2 O presente estudo sugere que a miltefosina pode ter alguma cardiotoxicidade específica, mas transitória, uma vez que o mesmo aumento do intervalo QTc não foi observado com o uso do antimoniato de meglumina durante o mesmo período. Certamente, como afirmamos no artigo, essas conclusões são exploratórias e merecem ser confirmadas por evidências de outros estudos. A real ausência de evidência farmacocinética para apoiar nossos achados, no entanto, não exclui sua relevância. Como afirmado corretamente pelo autor, a estratégia empregada no estudo deve ser vista com ceticismo, especialmente considerando o aumento da taxa de erro tipo 1 relacionado a comparações múltiplas.3 Entretanto, a análise estatística deve ser adaptada às características das variáveis estudadas. Como dito com precisão, o intervalo QTc não é um desfecho clínico, e sua significância está relacionada à possibilidade de arritmias cardíacas. Para explicar isso, dicotomizamos a variável para separar os pacientes com risco aumentado de arritmias (QTc ≥ 440ms) e aqueles sem aumento de risco (QTc <440ms). Além disso, ao agregarem‐se os diferentes momentos dos indivíduos, pode‐se omitir um risco aumentado transitório e potencialmente fatal de morte cardíaca. Assim, entendemos que a análise em cada momento é importante para explicar a variabilidade intra‐sujeitos nesse caso. A cardiotoxicidade da miltefosina não está bem estabelecida na literatura, e continuamos a preferir a utilização desse medicamento ao NMG em pacientes com alto risco cardíaco. No entanto, qualquer sinal de cardiotoxicidade da miltefosina merece ser relatado, especialmente considerando o aumento do interesse da comunidade científica na terapia combinada, como evidenciado pelos muitos estudos realizados sobre o assunto.4,5 Finalmente, considerando que a segurança é a principal preocupação quando se trata de vidas humanas, qualquer caso de cardiotoxicidade relacionado à miltefosina deve ser incluído nos dados de farmacovigilância. Isso é ainda mais importante agora, uma vez que a miltefosina foi incorporada em países onde a leishmaniose é endêmica.
Suporte financeiroApoio financeiro recebido da Sociedade Brasileira de Dermatologia através de subsidio da FUNADERM e da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP‐DF), subsídio número 0193.001447/2016.
Contribuição dos autoresDaniel Holanda Barroso: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Ciro Martins Gomes: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Antônia Marilene da Silva: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Raimunda Nonata Ribeiro Sampaio: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Barroso DH, Gomes CM, Silva AM, Sampaio RNR. No evidence for cardiotoxicity of miltefosine – Reply. An Bras Dermatol. 2022;97:549–50.
Trabalho realizado no Hospital Universitário de Brasília e Laboratório de Dermatomicologia, Faculdade de Medicina, Universidade de Brasília, Brasília, DF, Brasil.