Foram publicados poucos estudos epidemiológicos prospectivos ou retrospectivos na literatura indexada (PubMed/Medline) sobre urticária na população brasileira.
ObjetivoO objetivo deste estudo foi avaliar os dados epidemiológicos e clínicos de pacientes com urticária/angioedema atendidos em um centro de referência no Brasil.
MétodosDuzentos e sessenta e sete pacientes foram avaliados retrospectivamente em relação a dados demográficos, tempo de evolução da doença, sintomas desencadeantes, presença de angioedema e exames laboratoriais complementares: hemograma, proteína C reativa, velocidade de hemossedimentação, IgE total sérica e outros, conforme necessário.
ResultadosO tipo de urticária mais diagnosticado foi a urticária crônica espontânea (56,93%). O angioedema foi associado à urticária crônica em 108 pacientes (40,08%).
Limitações do estudoEstudo retrospectivo e unicêntrico.
ConclusãoAlguns achados relevantes em nosso estudo são a observação de uma prevalência feminina nos casos (4 mulheres: 1 homem), resultado mais elevado que o demonstrado em estudos anteriores realizados na Europa e em países da Ásia; a mediana da idade foi de 43 anos e o retardo entre o diagnóstico da urticária e o seguimento em um centro especializado no tratamento dessa condição foi um tempo médio de 2 anos. Outros estudos multicêntricos poderão estabelecer melhor a realidade da população brasileira com urticaria.
A urticária pode ser classificada como aguda, quando tem duração inferior a seis semanas, ou crônica, com duração maior que seis semanas.1 O diagnóstico é predominantemente clínico, e a maioria das urticárias é considerada espontânea – ou seja, sem um fator desencadeante específico para seu aparecimento.1 Por ser uma doença subdiagnosticada, é muito difícil encontrar dados epidemiológicos precisos.2 Acredita‐se que 15% a 20% da população apresente no mínimo um episódio de urticária durante a vida, com maior incidência nos pacientes entre 20 e 40 anos de idade.3,4 Estima‐se que 0,11% a 1% dos casos de urticária sejam urticária crônica.5
Na última década, foram publicados poucos estudos epidemiológicos prospectivos ou retrospectivos sobre urticária na população brasileira na literatura indexada (PubMed/Medline).4,6,7 Descrevemos o perfil de 267 pacientes registrados em nossa Unidade de Urticária do Departamento de Dermatologia atendidos no período de janeiro de 2011 a dezembro de 2017. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local.
MétodosFoi realizado um estudo retrospectivo com base na avaliação do registro médico de 336 pacientes atendidos na Unidade de Urticária do Departamento de Dermatologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Foram excluídos do estudo 69 pacientes, em decorrência de exames incompletos ou não coletados durante o acompanhamento.
Registramos informações epidemiológicas como idade, sexo, tempo de seguimento e tempo para procurar uma avaliação médica; histórico familiar ou pessoal de doenças autoimunes da tireoide; dados clínicos como tipo de urticária (aguda ou crônica, espontânea ou induzida) e exames complementares, incluindo hemograma (níveis de eritrócitos, leucócitos, neutrófilos, basófilos, eosinófilos, plaquetas e hemoglobina), proteína C reativa (PCR) – a concentração sérica de PCR foi medida pelo método nefelométrico, e a PCR sérica elevada foi definida como ≥ 6,0 mg/L –, velocidade de hemossedimentação (VHS) e níveis séricos de IgE total (determinados pelo sistema comercial ImmunoCAP250 – Pharmacia™, Uppsala, Suécia – valor de normalidade <100 kU/L).
Outros procedimentos foram realizados em ambiente clínico indicado, como o teste do soro autólogo (TSA) – seguindo as recomendações técnicas de Konstantinou et al.8 – e biópsias cutâneas em casos suspeitos de urticária vasculite. Se durante a anamnese houvesse suspeita de urticária induzida, o tratamento anti‐H1 era interrompido e testes específicos para urticária crônica induzida eram aplicados, conforme recomendado por Magerl et al.9
Coleta de dadosOs dados foram coletados por meio de consulta aos prontuários médicos dos pacientes cadastrados na Unidade de Urticária da FMABC. Foram incluídos os pacientes que apresentavam todas as informações necessárias, conforme descrito anteriormente. Foram descartados do estudo os pacientes cujos prontuários não apresentavam algum desses dados: idade, sexo, tempo para procurar atendimento médico, tempo de seguimento da urticária, presença ou ausência de angioedema e exames laboratoriais complementares. Foram desconsiderados todos os casos de angioedema sem pápulas associadas, porque o objetivo principal deste estudo foi coletar dados sobre pacientes com urticária nos últimos sete anos em nossa Unidade de Urticária.
As limitações deste estudo incluem o desenho retrospectivo, a população de um centro médico terciário e o baixo poder estatístico decorrentes do tamanho restrito da amostra, que pode estar envolvido em vieses de seleção.
Para as análises da coleta de dados foi estabelecida uma significância estatística de 95% (p <0,05). Os valores qualitativos foram analisados por sua média e valor relativo. Os dados quantitativos foram testados quanto à normalidade no teste Shapiro‐Wilk. Para p <0,05, a distribuição foi considerada não normal e analisada pela faixa interquartil e mediana. Para p> 0,05, os dados foram analisados por média e desvio padrão. Foi utilizado o programa Stata 11.0.
ResultadosA prevalência de urticária no Departamento de Dermatologia foi de 1,71% entre janeiro de 2011 e março de 2017 (336 pacientes com urticária diagnosticada nesse período, de um total de 19.568 pacientes atendidos no mesmo período para todas as queixas dermatológicas). A maioria dos pacientes era do sexo feminino (214 mulheres, 80,15%). A idade do paciente mais jovem foi 8 anos, e do mais velho, 83 anos (mediana 43,6 anos; IR: 33‐54). A maioria dos pacientes (59,93%) encontrava‐se na faixa etária entre a terceira e a quinta décadas (tabela 1). A média de acompanhamento foi de 30,26 meses (RI*: 5‐41,5), e a média do tempo para ser encaminhado para a primeira consulta médica especializada foi de 24 meses (RI*: 6‐48).
Dados epidemiológicos, tipos de urticária, presença de angioedema, exames complementares e tempo de evolução da doença em 267 pacientes incluídos em nosso estudo
Sexo | Feminino 214 (80,15%) | |||
---|---|---|---|---|
Masculino 53 (19,85%) | ||||
Idade em anos (Intervalosa) | Número de pacientes (%) | Média | IRb | |
0–10 (10; 3,74%) | ||||
11–20 (18; 6,74%) | ||||
21–30 (34;12,74%) | ||||
31–40 (42; 15,74%) | ||||
41–50 (72; 26,97%) | 43.6 | 33–54 | ||
51–60 (46; 17,22%) | ||||
61–70 (27;10,11%) | ||||
71–80 (17; 6,37%) | ||||
> 80 (0,37%) | ||||
Tipos de urticária: número de pacientes (%) | Aguda | 6 (2,24%) | ||
Crônica | Espontânea | 152 (56,93%) | ||
Induzida | 96 (35,95%) | |||
Urticária vasculite | 11 (4,13%) | |||
Doenças autoinflamatórias | 2 (0,75%) | |||
Angioedema: número de pacientes (%) | 108 (40,44%) | |||
Teste do soro autólogo (número de testes realizados) | 115 (43,07%) – positivo em 80 pacientes (69,56%) | |||
Biópsia de pele (número de pacientes que realizaram) | 42 (15,73%) | |||
Exames de sangue complementares | Hemograma | Exame | Média | SD |
Hemoglobina | 14,04 | 2,04 | ||
Hematócrito | 41,23 | 5,13 | ||
IgE sérica total (kU/L) | 262,05 | 42,49 | ||
VHS | 22,1 | 15,75 | ||
Exames complementares com resultados elevados | Hemoglobina | 18 (6,74%) | ||
Hematócrito | 27 (10,11%) | |||
PCR | 35 (13,1%) | |||
VHS | 110 (41,19%) | |||
IgE sérica total | 86 (32,2%) | |||
Tempo de urticária referida antes da primeira consulta médica, número de pacientes (%) | Até 1 ano | 123 (46,11%) | ||
De 1 a 5 anos | 104 (38,89%) | |||
De 5 a 20 anos | 40 (15%) |
PCR, proteína C reativa; VHS, velocidade de hemossedimentação.
Dados epidemiológicos, tipos de urticária, presença de angioedema, exames complementares e tempo de evolução da doença
A urticária crônica foi o tipo mais diagnosticado (espontânea 56,93% e urticárica induzida 35,95%) (tabela 1). Oitenta e dois pacientes (33,06%) com urticária crônica apresentaram simultaneamente urticária induzida e espontânea. Entre os pacientes com urticária crônica induzida, 50% dos casos foram classificados como dermografismo sintomático (48 pacientes), 22,91% como urticária de pressão tardia (22 pacientes), 4,16% como urticária solar (quatro pacientes), 15,62% como urticária colinérgica (15 pacientes) e sete pacientes apresentaram dermografismo sintomático e urticária tardia por pressão concomitantemente (7,29%). Cento e oito pacientes com urticária crônica espontânea ou induzida (40,44%) apresentaram angioedema.
Apenas seis doentes registrados apresentaram urticária espontânea aguda (2,24%). Onze pacientes com urticária vasculite (4,13%) foram diagnosticados após biópsias cutâneas, e a maioria deles (nove pacientes) não apresentava lesões residuais hipercrômicas ou púrpura na descrição do exame físico. Dois casos (0,75%) de doença autoinflamatória foram diagnosticados em decorrência de episódios recorrentes de febre, artralgia, lesões urticariformes e exames laboratoriais acusando inflamação sistêmica. Esses casos foram classificados como doença de Still do adulto e como urticária neutrofílica com inflamação sistêmica, como descrito anteriormente por Mehrpoor et al.10 e Belani et al.11 e encaminhados ao Departamento de Reumatologia de nossa instituição (tabela 1). Esses pacientes foram excluídos da análise da urticária crônica.
A maioria dos pacientes apresentava valores normais de PCR e hemograma. Na contagem de células sanguíneas, a média de hemoglobina foi 14,04 (DP=2,04) e de hematócrito 41,23 (DP=5,13). A média de IgE foi 262,05 (DP=424,9). A IgE revelou‐se elevada em 82 pacientes (32,2%) e foi distribuída nas seguintes faixas: 101‐150 kU/L (41 pacientes, 50%), 151‐500 kU/L (23 pacientes, 28%) e ≥ 500 kU/L (198 pacientes, 22%). Contudo, não houve diferenças significativas entre os pacientes com urticária crônica espontânea e aqueles com urticária crônica induzida. A VHS média foi de 22,1 (DP=15,75) (tabela 1).
Os valores de VHS foram anormais (elevados) em 41,13% dos pacientes. Hemoglobina, hematócrito e PCR foram normais na maioria dos pacientes (tabela 1). Quanto à duração da urticária (tempo de evolução da doença), 123 pacientes manifestaram a doença pelo período de um ano (46,11%), 104 (38,89%) por 1 a 5 anos e 40 pacientes (15%) por 5 a 20 anos (tabela 1).
DiscussãoA prevalência de urticária em nosso Departamento de Dermatologia foi de 1,71% durante os sete anos deste estudo retrospectivo. Balp et al.,2 em 2017, publicaram um estudo retrospectivo transversal reunindo dados de 2011, 2012 e 2015da Pesquisa Nacional de Saúde e Bem‐Estar no Brasil (n=36.000). Foi encontrada prevalência de 0,41% (n=249) em pacientes maiores de 18 anos diagnosticados e tratados como urticária crônica espontânea.2 No entanto, esses autores não se restringiram à coleta de dados apenas em centros terciários, como nossa Unidade de Urticária. Em outro hospital terciário no Brasil, os dados publicados em 2017 mostraram uma incidência de 1,9% de novos casos de urticária/angioedema durante o ano de 2014, demonstrando resultados muito semelhantes ao nosso estudo em distintos centros de mesma complexidade na assistência dermatológica.12
Em nosso estudo, a média de idade dos pacientes com urticária teve mediana de 43 anos. Dias et al.6 estudaram o impacto da urticária crônica na qualidade de vida dos pacientes em um hospital universitário brasileiro em 2016. Esses autores estudaram 112 pacientes com urticária crônica e encontraram um perfil demográfico semelhante ao do nosso trabalho. Dias et al. descreveram, em uma coorte transversal, que 85,72% dos pacientes com urticária crônica eram do sexo feminino, com média de idade de 46 anos (18‐90) – dados concordantes com os do nosso estudo (80,15% dos pacientes do sexo feminino e média de idade de 43 anos). Em outro estudo brasileiro realizado em um hospital universitário terciário, Cordeiro et al.2,6 estudaram autoimunidade em 254 pacientes com urticária crônica/angioedema e encontraram uma prevalência de 79,5% de pacientes do sexo feminino na faixa etária entre 13‐80 anos. Os quatro estudos epidemiológicos sobre urticária no Brasil, incluindo o nosso, mostraram resultados contrários à maioria dos dados demográficos de urticária na Ásia e na Europa.
Maurer et al.13 enfatizaram que, na Europa, a maioria dos estudos mostrou claramente que as mulheres sofrem de urticária quase duas vezes mais que os homens. Isso é válido para urticárias em geral, e não apenas para a urticária crônica espontânea, e nem os critérios de seleção, o país ou o tempo observado dos distintos estudos realizados na Europa parecem alterar esse cenário clínico.13 No Brasil, os estudos sugeriram um perfil epidemiológico mostrando o dobro do sexo feminino com urticária crônica em comparação à Europa. Maurer et al.,13 em uma revisão europeia sobre urticária crônica espontânea, resumiram que a análise estatística de pacientes com urticária não aguda sugere que 66%‐93% tenham urticária crônica espontânea, 4%‐33% urticária física e 1%‐7% urticária colinérgica. No geral, nossos dados são muito comparáveis com esses resultados anteriores na Europa, já que em nossos pacientes encontramos a urticária crônica como o tipo mais diagnosticado (urticária crônica espontânea 56,93%, e 35,95% de urticária crônica induzida). No entanto, entre nossos pacientes, 15,62% foram diagnosticados com urticária colinérgica, uma alta prevalência em relação aos dados europeus.13 Possivelmente a alta temperatura climática durante quase todos os meses do ano no Brasil possa explicar essa prevalência de urticária colinérgica nos pacientes que vivem no país.
Além disso, em uma publicação sobre urticária induzida, Trevisonno et al.14 realizaram uma revisão sistêmica e metanálise de 10 estudos para determinar a prevalência de urticária induzida em pacientes com urticária crônica. O tamanho das amostras variou de 202 a 4.157 pacientes. A estimativa da prevalência combinada de urticária induzida, incluindo e excluindo formas colinérgicas entre todos os casos de urticária crônica, foi de 13,1% e 14,9%, respectivamente. Esses resultados sugerem que a urticária induzida é um subconjunto importante de urticária crônica, e que os médicos devem estar cientes dessa importante condição para manejar adequadamente os pacientes. No entanto, Trevisonno et al.14 enfatizaram em sua conclusão que as urticárias induzidas afetam 6% a 30% de todos os pacientes com urticária crônica.
Recentemente, Kolkhir et al.15 estudaram retrospectivamente dados de 1.253 pacientes com urticária induzida espontânea acompanhados em clínicas especializadas em urticária dos departamentos dermatológicos de Charité – Universitätsmedizin Berlin, Alemanha (n=1.023) e da Universidade Médica Estatal IM Sechenov First Moscow, Rússia (n=230). Esses autores encontraram PCR elevada em 1/3 dos pacientes com urticária induzida espontânea. Em nossos 267 pacientes com urticária, a PCR foi elevada em apenas 13,2% dos casos. A VHS é outro exame complementar bem conhecido como marcador inespecífico de inflamação.15 Diferentemente da VHS, os valores de PCR são menos afetados por fatores como o tamanho, a forma e a quantidade de glóbulos vermelhos, o sexo feminino e a gravidez.15,16 Em nosso estudo, 41,19% dos pacientes apresentaram níveis elevados de VHS, e esse resultado pode estar relacionado a um maior número de pacientes do sexo feminino na amostra. Os pacientes incluídos no estudo de Kolkhir et al.15 mostraram VHS elevada em 18,9% dos pacientes; no entanto, neste estudo, a prevalência de gênero foi de três mulheres para um homem, inferior à de quatro mulheres para um homem vista em nossos pacientes. Conforme discutido, o sexo feminino pode afetar os níveis de VHS.16
Os níveis séricos de IgE total mostraram‐se elevados em 86 dos nossos pacientes (32,2%), com uma média de 162,05 kU/L (± DP 42,49) em todos os nossos pacientes com urticária. Chang et al.,17 em 2013, estudaram urticária aguda e crônica em 165 pacientes (104 com urticária aguda e 61 com urticária crônica) em Taiwan. Foi encontrada média geométrica de 94,25 kU/L (± DP 4,38) de IgE sérica total em 100 pacientes com urticária aguda e 159,58 kU/L (± DP 4,43) em 60 doentes com urticária crônica, o que está em concordância com nosso estudo. Por outro lado, no Brasil, Cordeiro et al.7 estudaram 254 pacientes com urticária crônica/angioedema e encontraram IgE total> 100 kU/L em 60% de seus pacientes. Em um estudo retrospectivo realizado em um hospital universitário terciário no Brasil, Martins et al.4 avaliaram 97 pacientes com urticária induzida espontânea e observaram níveis séricos totais de IgE elevados em 22 dos 39 pacientes (56,41%).
Em 2018, Eun et al.18 publicaram um estudo interessante sobre o curso natural da urticária de início recente, como resultado de um estudo de 10 anos de acompanhamento nacional de base populacional na Coreia do Sul. Os dados da coorte da amostra nacional de seu estudo consistiram em 1.027.260 indivíduos sem histórico de urticária nos últimos dois anos (2002‐2003). Entre 2004 e 2013, foram identificados 49.129 pacientes com urticária de início recente.18 A taxa de incidência cumulativa de 10 anos de urticária para a população em geral foi de 4,9%, e a de urticária crônica entre pacientes com urticária de início recente foi de 7,8%.18 As taxas de remissão de urticária crônica foram de 52,6% em um ano e 88,9% em cinco e 18 anos. Em nossa Unidade de Urticária, os participantes do estudo tiveram a remissão da doença distribuída da seguinte maneira, respectivamente: 123 pacientes obtiveram remissão em até um ano de doença (46,11%), 104 pacientes de um a cinco anos de doença (38,89%) e 40 pacientes tiveram um longo curso de urticária, de cinco a 20 anos (15%). Apesar das diferenças metodológicas e populacionais entre nosso estudo e o dos autores da Coreia do Sul, essas porcentagens de curso de remissão em pacientes com urticária no geral foram muito semelhantes.18
Acredita‐se que as mulheres têm maior probabilidade de desenvolver urticária em comparação aos homens.18 O estudo de Eun et al.18 também mostrou uma clara predominância feminina para urticária de início recente nas idades de 20‐44 e 45‐64 anos. Esses autores sugeriram que a predominância feminina de urticária em faixas etárias específicas pode se dever ao estrogênio elevado que possuem.18 Acredita‐se que o estrogênio melhore a imunidade humoral e a síntese de anticorpos.18 Dados experimentais demonstraram que o estradiol pode melhorar a ativação de mastócitos e a sensibilização alérgica em modelos de roedores. Em nosso estudo, a prevalência feminina foi óbvia (4:1). No entanto, além do envolvimento do estrogênio na patogênese da urticária, um aspecto social pode exercer influência em nossa coorte de pacientes: as mulheres buscam mais assistência médica no Brasil, em oposição ao sexo masculino. Na Espanha, em um estudo retrospectivo com 549 pacientes com urticária induzida espontânea, 402 (73%) participantes eram do sexo feminino, um dado de gênero próximo aos nossos resultados.19
Neste estudo, o tempo médio de seguimento foi de aproximadamente dois anos e meio, e o tempo de duração da doença em nossa instituição foi de um a 20 anos, mostrando que a urticária crônica tem uma evolução no tempo de londa duração.
O diagnóstico de urticária é principalmente clínico, com poucas exceções em que executamos exames complementares ou testes cutâneos para esclarecer uma possível etiologia, como o TSA. Para alguns autores, o TSA correlaciona‐se com a gravidade da doença.15 Muitas vezes, quando o resultado do teste é positivo, vários pacientes entendem a natureza reacional da urticária e, em nossa opinião, isso reduz a ansiedade em decorrência de sua condição crônica. Realizamos o TSA em 115 pacientes (43,07%), e esses testes foram positivos em 80 deles (69,56%). Kolkhir et al.,15 em Moscou, encontraram um TSA positivo em 61,4% (78/127) de seus pacientes. Em Barcelona (Espanha), Curto‐Barredo et al.19 estudaram retrospectivamente uma grande amostra de 549 pacientes com urticária crônica espontânea, no período de 2001 a 2014, e realizaram TSA em 64,5% dos pacientes. O TSA foi positivo em 192 (54,2%) indivíduos, resultado semelhante ao obtido em nossos pacientes e no estudo de Kolkhir et al.,15 provavelmente relacionado a diferenças epidemiológicas em populações de etnias distintas.
Em relação à biópsia das lesões urticariformes em nossos pacientes, foi realizada apenas em casos de suspeita de urticária vasculite, urticária pigmentosa e urticária crônica refratária à terapia convencional. Essas indicações explicam por que somente 42 pacientes (15,73%) tiveram resultados de biópsia registrados em seu prontuário médico. Onze deles (4,13% dos nossos 267 pacientes com urticária total) foram conduzidos como urticária vasculite. A maior parte dos casos de urticária é não complicada e é suscetível ao tratamento convencional.4 A prevalência de urticária vasculite em pacientes com urticária crônica é de 5% a 10%, resultados também encontrados em nosso estudo, e menos de 5% em pacientes com síndrome da urticária vasculite hipocomplementêmica.20,21
Nosso estudo retrospectivo de sete anos em uma unidade de urticária de um centro terciário no Brasil mostrou limitações próprias desse tipo de desenho de estudo, uma vez que frequentemente faltam dados mais detalhados. No entanto, estamos adicionando novos dados ao escasso perfil latino‐americano de pacientes que sofrem de urticária na última década.
ConclusãoA maioria dos pacientes do nosso ambulatório com diagnóstico da urticária são mulheres de meia idade, com urticária crônica sem angioedema e com algumas alterações nos exames laboratoriais (aproximadamente 1/3 dos doentes com níveis séricos de IgE e VHS elevados). A mediana do tempo para obter uma consulta especializada em um centro de referência de urticária foi de 24 meses, e a maioria dos pacientes foi acompanhada em nossa unidade de urticária durante 30 meses. Por isso, são necessários mais esforços para reconhecer a doença e obter assistência médica em unidades especializadas no tratamento dessa condição.
Suporte financeiroEste estudo foi financiado em parte pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código Financeiro 001.
Contribuição dos autoresRoberta Fachini Jardim Criado: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Paulo Ricardo Criado: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito
Nathalia Baldavira: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.
Debora Cardial: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.
Ana Maria Gimenez‐Arnau: Participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Carlos D’Apparecida Machado Filho: Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Conflito de interessesRFC e PRC são médicos consultores da Novartis e da Takeda. AMG‐A é médica consultorais da Uriach Pharma, da Genentech e da Novartis. Ela recebeu bolsas de pesquisa da Intendis‐Bayer, da Uriach Pharma e da Novartis, e participou de atividades educacionais patrocinadas pela Uriach Pharma, Novartis, Genentech, Menarini, Glaxo Smith & Kline, Merck MSD, Almirall e Leo Pharma.
Como citar este artigo: Criado RFJ, Criado PR, Baldavira N, Cardial D, Gimenez‐Arnau AM, Machado Filho CD. What lessons can we learn? Clinical and epidemiological retrospective analysis of 267 patients with urticaria in a Brazilian tertiary center. An Bras Dermatol. 2021;96:436–41.
Trabalho realizado no Centro Universitário do ABC, Santo André, SP, Brasil.