O pênfigo é um grupo de doenças bolhosas autoimunes infrequentes que afetam a pele e as mucosas, caracterizadas por bolhas acantolíticas intraepidérmicas. O processo de acantólise é induzido pela ligação de autoanticorpos circulantes de imunoglobulina G contra moléculas de adesão intercelular.1 Os fatores desencadeantes do pênfigo são pouco conhecidos. O autor relata um caso singular de pênfigo vulgar induzido por trauma.
Uma mulher em torno de 50 anos, sem histórico médico relevante, apresentou mal‐estar e lesões cutâneas levemente dolorosas por dois meses, predominantemente envolveram as duas mamas. Negou uso de agentes tópicos, medicações orais ou trauma anterior. No entanto, relatou usar um sutiã apertado com frequência. O exame físico revelou placas erosadas bilaterais, notavelmente simétricas e bem delimitadas em ambas as mamas (fig. 1). Além disso, apresentava algumas placas erosadas similares, menores e isoladas, distribuídas na região dorsal. As mucosas foram poupadas. Uma biópsia cutânea com punch de 4mm foi feita.
A histopatologia evidenciou bolha intraepidérmica com acantólise suprabasal (fig. 2A). Também foi observado um infiltrado denso predominantemente linfocítico incomum na derme (fig. 2B). Além disso, a microscopia de imunofluorescência direta da pele perilesional evidenciou depósitos intercelulares anormais de IgG e C3. Assim, com base nos achados clínicos, histopatológicos e de imunofluorescência direta, foi estabelecido o diagnóstico de pênfigo vulgar induzido por trauma.
(A), Na histopatologia observa‐se bolha intraepitelial com acantólise logo acima dos queratinócitos basais e inflamação crônica (Hematoxilina & eosina, 20×). (B), No detalhe observa‐se um infiltrado inflamatório denso incomum que consiste principalmente de linfócitos com alguns eosinófilos isolados (Hematoxilina & eosina, 20×).
Tanto fatores genéticos quanto ambientais podem influenciar o desenvolvimento do pênfigo. No entanto, a literatura apresenta poucos estudos sobre o papel do trauma como fator desencadeante do pênfigo. O fenômeno de Koebner é bem conhecido em dermatologia. Ele está envolvido em várias doenças cutâneas, entre elas psoríase, vitiligo e líquen plano.2 No entanto, esse fenômeno raramente é descrito em distúrbios autoimunes bolhosos como o pênfigo.
O pênfigo induzido por trauma é usualmente relatado após cirurgia ou radiação.3 Um interessante estudo retrospectivo sobre pênfigo induzido por trauma apontou cirurgias de grande porte como o gatilho mais frequente.4 Além disso, os autores sugerem que procedimentos mais convencionais, como procedimentos periodontais, trauma contuso ou mesmo cirurgia a laser podem desencadear o pênfigo. O caso desta paciente reforça a última sugestão, uma vez que o único gatilho claro possível era o atrito contínuo com o sutiã.
O intervalo entre a exposição ao trauma e a koebnerização de lesões típicas é geralmente entre 10 e 20 dias.5 A patogênese do pênfigo induzido por trauma é desconhecida e provavelmente multifatorial, envolvendo fatores genéticos, imunológicos e ambientais. Uma possível explicação poderia ser a exposição a antígenos do pênfigo no epitélio traumatizado em pacientes geneticamente predispostos.
No entanto, a peculiaridade deste caso foi a presença de intenso infiltrado inflamatório na derme, raramente relatado. Assim, inflamação intensa atípica pode ser característica histopatológica distinta do pênfigo induzido por trauma. Mais estudos são necessários para verificar se a maior inflamação na derme está mais relacionada ao pênfigo induzido por trauma, em oposição ao pênfigo não associado a trauma.
No presente artigo é relatado um caso de pênfigo induzido por trauma presumivelmente novo. De acordo com a literatura pesquisada nao há relato similar ao caso apresentado. É provavel que o trauma contínuo com o sutiã possa explicar o aspecto clinico observado.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição do autorFernando Garcia‐Souto: concepção e planejamento do estudo; redação e revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.