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Vol. 96. Issue 4.
Pages 477-481 (1 July 2021)
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Vol. 96. Issue 4.
Pages 477-481 (1 July 2021)
Dermatologia Tropical/Infectoparasitária
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Panarício herpético em criança com AIDS: o valor do teste de Tzanck no diagnóstico
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Ricardo Barbosa Lima
Corresponding author
ricardo.lima@unirio.br

Autor para correspondência.
, Mariana de Almeida Pinto Borges, Luciana Ferreira de Araújo, Carlos José Martins
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
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Resumo

O panarício herpético é uma infecção viral dos dedos causada pelo herpes simplex vírus. A doença tem uma distribuição etária bimodal, afetando crianças menores de 10 anos e adultos jovens entre 20 e 30 anos. Pode ser facilmente confundido com um panarício ou celulite bacteriana. Em pacientes com AIDS, ocorrem lesões ulceradas atípicas, crônicas e recorrentes. O teste de Tzanck permite o diagnóstico rápido e de baixo custo da infecção pelo Herpes simplex vírus. Relatamos um caso de uma criança com AIDS apresentando ulcerações dolorosas nos dedos, em que o diagnóstico foi confirmado pelo teste de Tzanck.

Palavras‐chave:
Citologia
Dedos
Diagnóstico
Herpes simples
HIV
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Introdução

O panarício herpético (PH) é uma infecção viral aguda dos dígitos causada pelo herpes simplex vírus (HSV) tipo 1 ou 2.1 A doença tem distribuição etária bimodal, afetando crianças menores de 10 anos e adultos jovens entre 20 e 30 anos. O PH é causado quase exclusivamente pelo HSV‐1 em crianças.2 Pode ser facilmente confundido com um panarício ou celulite bacteriana por causa da semelhança dos sinais e sintomas.1–4 Nas crianças infectadas pelo HIV, a infecção pelo HSV pode causar lesões ulceradas atípicas, crônicas e recorrentes, que podem causar erros de diagnóstico.5 Além disso, o PH pode ser o primeiro indicador de uma infecção assintomática pelo HIV.1,5

Os exames para o diagnóstico incluem a cultura viral, a dosagem dos anticorpos séricos, o teste de Tzanck (exame citológico) e a pesquisa de antígeno específico do HSV na lesão. O teste de Tzanck ou a detecção de antígeno são indicados para o diagnóstico rápido.2,3,6 A detecção do DNA do HSV por PCR em tempo real (RT‐PCR) é considerada o método diagnóstico preferido.6,7 Entretanto, o teste de Tzanck possibilita um diagnóstico rápido e de baixo custo.8

Relato do caso

Um menino de 6 anos de idade foi internado na enfermaria da pediatria com diarreia, anorexia, desnutrição grave, anemia e ulcerações dolorosas nos dedos e na face. O pai relatou início das lesões nos dedos havia seis meses, relacionando com o hábito da criança de roer as pontas dos dedos. A criança era portadora de infecção congênita pelo HIV e fazia uso irregular de antirretrovirais. A contagem de CD4 foi de 5 células/mm3 (2,07%), a de CD8 foi de 170 células/mm3 (72,24%), e a proporção de CD4/CD8 foi de 0,03. A carga viral foi de 34,578 cópias/mL (log=4,539).

Ao exame, o paciente apresentava ulceração extensa no terceiro quirodáctilo direito, com bordas contornadas por um retalho epitelial esbranquiçado e comprometimento periungueal. No quarto quirodáctilo direito notava‐se uma vesícula umbilicada (fig. 1). No polegar direito observava‐se uma bolha, e no polegar esquerdo havia uma ulceração (fig. 2 A‐B). No nariz e nos lábios, o paciente apresentava erosões com crostas e áreas hipocrômicas (fig. 2C). Demonstrava dor intensa nas lesões dos dedos (escala de classificação da dor de faces de Wong‐Baker=5). Foi iniciada a amoxicilina/clavulanato e foi solicitado o parecer da dermatologia, que levantou a hipótese diagnóstica de PH e herpes labial.

Figura 1.

(A‐C), Extensa ulceração com borda contornada por retalho epidérmico esbranquiçado no terceiro quirodáctilo direito, com acometimento periungueal. Ao lado, no quarto quirodáctilo direito, observa‐se vesícula umbilicada.

(0.14MB).
Figura 2.

(A), Bolha na falange distal do polegar direito. (B), Ulceração contornada por retalho epidérmico na falange distal do polegar esquerdo. (C), Erosões com crostas e áreas hipocrômicas no nariz e lábios.

(0.25MB).

Foi planejado colher material para um esfregaço de Tzanck e realizar uma biópsia para exame histopatológico. Realizou‐se o raspado da base de uma vesícula; no entanto, não foi possível realizar a biópsia por causa da intolerância da criança à dor. O exame citológico do esfregaço corado pelo Giemsa mostrou várias células escamosas multinucleadas com amoldamento nuclear e aspecto de vidro fosco, compatíveis com infecção viral pelo HSV (fig. 3) Foi introduzido o tratamento com o aciclovir (500 mg/m2 de 8/8hs IV) por 21 dias com rápida cicatrização das lesões (fig. 4).

Figura 3.

(A e B), Células escamosas multinucleadas com amoldamento nuclear e aparência de vidro fosco compatível com infecção viral por HSV (Giemsa, 400×).

(0.33MB).
Figura 4.

Lesões residuais hipocrômicas após terapia com aciclovir.

(0.13MB).
Discussão

A evolução natural do PH é a resolução completa em três semanas. No entanto, pacientes imunossuprimidos correm risco de recorrências mais frequentes e lesões crônicas e graves do HSV, conforme ocorreu com nosso paciente.1,2,5 O acometimento de mais de um dedo é incomum, mas a coexistência de lesões do HSV na boca e nos dedos, como em nosso caso, é um achado frequente.9,10 Um aspecto peculiar em nosso paciente era o hábito de roer as pontas dos dedos, conforme descrito em outros casos de PH em crianças com manifestações orais do vírus.2

A dificuldade no diagnóstico é frequentemente mencionada na literatura.1–4 Em nosso caso, o aspecto clínico com ulcerações dolorosas, vesícula e bolha nos dedos, concomitantemente com lesões labiais, em uma criança com AIDS, levou à hipótese diagnóstica de infecção pelo HSV.3

Com a finalidade de confirmar rapidamente o diagnóstico, foi colhido o raspado da base de uma vesícula e foi realizado o teste de Tzanck, porque a RT‐PCR não estava disponível em nosso hospital.6,8 A biópsia foi adiada por causa da dor; no entanto, após algumas horas, o exame citológico revelou as alterações citopáticas características do HSV, que foram suficientes para confirmar o diagnóstico clínico e iniciar o aciclovir IV.8

O esfregaço de Tzanck é um teste de resultado rápido, fácil de executar e de baixo custo que se mostrou muito útil nesse caso, especialmente numa criança, porque não requer anestesia.2,8 A presença de células epiteliais gigantes multinucleadas em microscopia óptica confirma o diagnóstico.6–8

Destacamos que diante de ulcerações dolorosas crônicas nos dedos de crianças com AIDS deve‐se lembrar do PH e, do teste de Tzanck, como um método útil para confirmar o diagnóstico.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Ricardo Barbosa Lima: Idealização e redação global do manuscrito, com realização das fotografias e montagem das figuras; médico que orientou o diagnóstico e tratamento do paciente.

Mariana de Almeida Pinto Borges: Participou da elaboração do manuscrito por meio da coleta e organização de dados e revisão do texto final; médica pediatra que fez o acompanhamento clínico do paciente.

Luciana Ferreira de Araújo: Participou da elaboração do manuscrito por meio da análise, descrição e fotografia do exame citológico e revisão do texto final; médica patologista que fez o exame citológico do paciente.

Carlos José Martins: elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do texto; médico que orientou a colheita e preparação do exame citológico do paciente.

Conflito de interesses

Nenhum.

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Como citar este artigo: Lima RB, Borges MAP, Araújo LF, Martins CJ. Herpetic whitlow in a child with AIDS: the importance of Tzanck test in the diagnosis. An Bras Dermatol. 2021;96:477–81.

Trabalho realizado no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.

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