O panarício herpético é uma infecção viral dos dedos causada pelo herpes simplex vírus. A doença tem uma distribuição etária bimodal, afetando crianças menores de 10 anos e adultos jovens entre 20 e 30 anos. Pode ser facilmente confundido com um panarício ou celulite bacteriana. Em pacientes com AIDS, ocorrem lesões ulceradas atípicas, crônicas e recorrentes. O teste de Tzanck permite o diagnóstico rápido e de baixo custo da infecção pelo Herpes simplex vírus. Relatamos um caso de uma criança com AIDS apresentando ulcerações dolorosas nos dedos, em que o diagnóstico foi confirmado pelo teste de Tzanck.
O panarício herpético (PH) é uma infecção viral aguda dos dígitos causada pelo herpes simplex vírus (HSV) tipo 1 ou 2.1 A doença tem distribuição etária bimodal, afetando crianças menores de 10 anos e adultos jovens entre 20 e 30 anos. O PH é causado quase exclusivamente pelo HSV‐1 em crianças.2 Pode ser facilmente confundido com um panarício ou celulite bacteriana por causa da semelhança dos sinais e sintomas.1–4 Nas crianças infectadas pelo HIV, a infecção pelo HSV pode causar lesões ulceradas atípicas, crônicas e recorrentes, que podem causar erros de diagnóstico.5 Além disso, o PH pode ser o primeiro indicador de uma infecção assintomática pelo HIV.1,5
Os exames para o diagnóstico incluem a cultura viral, a dosagem dos anticorpos séricos, o teste de Tzanck (exame citológico) e a pesquisa de antígeno específico do HSV na lesão. O teste de Tzanck ou a detecção de antígeno são indicados para o diagnóstico rápido.2,3,6 A detecção do DNA do HSV por PCR em tempo real (RT‐PCR) é considerada o método diagnóstico preferido.6,7 Entretanto, o teste de Tzanck possibilita um diagnóstico rápido e de baixo custo.8
Relato do casoUm menino de 6 anos de idade foi internado na enfermaria da pediatria com diarreia, anorexia, desnutrição grave, anemia e ulcerações dolorosas nos dedos e na face. O pai relatou início das lesões nos dedos havia seis meses, relacionando com o hábito da criança de roer as pontas dos dedos. A criança era portadora de infecção congênita pelo HIV e fazia uso irregular de antirretrovirais. A contagem de CD4 foi de 5 células/mm3 (2,07%), a de CD8 foi de 170 células/mm3 (72,24%), e a proporção de CD4/CD8 foi de 0,03. A carga viral foi de 34,578 cópias/mL (log=4,539).
Ao exame, o paciente apresentava ulceração extensa no terceiro quirodáctilo direito, com bordas contornadas por um retalho epitelial esbranquiçado e comprometimento periungueal. No quarto quirodáctilo direito notava‐se uma vesícula umbilicada (fig. 1). No polegar direito observava‐se uma bolha, e no polegar esquerdo havia uma ulceração (fig. 2 A‐B). No nariz e nos lábios, o paciente apresentava erosões com crostas e áreas hipocrômicas (fig. 2C). Demonstrava dor intensa nas lesões dos dedos (escala de classificação da dor de faces de Wong‐Baker=5). Foi iniciada a amoxicilina/clavulanato e foi solicitado o parecer da dermatologia, que levantou a hipótese diagnóstica de PH e herpes labial.
Foi planejado colher material para um esfregaço de Tzanck e realizar uma biópsia para exame histopatológico. Realizou‐se o raspado da base de uma vesícula; no entanto, não foi possível realizar a biópsia por causa da intolerância da criança à dor. O exame citológico do esfregaço corado pelo Giemsa mostrou várias células escamosas multinucleadas com amoldamento nuclear e aspecto de vidro fosco, compatíveis com infecção viral pelo HSV (fig. 3) Foi introduzido o tratamento com o aciclovir (500 mg/m2 de 8/8hs IV) por 21 dias com rápida cicatrização das lesões (fig. 4).
A evolução natural do PH é a resolução completa em três semanas. No entanto, pacientes imunossuprimidos correm risco de recorrências mais frequentes e lesões crônicas e graves do HSV, conforme ocorreu com nosso paciente.1,2,5 O acometimento de mais de um dedo é incomum, mas a coexistência de lesões do HSV na boca e nos dedos, como em nosso caso, é um achado frequente.9,10 Um aspecto peculiar em nosso paciente era o hábito de roer as pontas dos dedos, conforme descrito em outros casos de PH em crianças com manifestações orais do vírus.2
A dificuldade no diagnóstico é frequentemente mencionada na literatura.1–4 Em nosso caso, o aspecto clínico com ulcerações dolorosas, vesícula e bolha nos dedos, concomitantemente com lesões labiais, em uma criança com AIDS, levou à hipótese diagnóstica de infecção pelo HSV.3
Com a finalidade de confirmar rapidamente o diagnóstico, foi colhido o raspado da base de uma vesícula e foi realizado o teste de Tzanck, porque a RT‐PCR não estava disponível em nosso hospital.6,8 A biópsia foi adiada por causa da dor; no entanto, após algumas horas, o exame citológico revelou as alterações citopáticas características do HSV, que foram suficientes para confirmar o diagnóstico clínico e iniciar o aciclovir IV.8
O esfregaço de Tzanck é um teste de resultado rápido, fácil de executar e de baixo custo que se mostrou muito útil nesse caso, especialmente numa criança, porque não requer anestesia.2,8 A presença de células epiteliais gigantes multinucleadas em microscopia óptica confirma o diagnóstico.6–8
Destacamos que diante de ulcerações dolorosas crônicas nos dedos de crianças com AIDS deve‐se lembrar do PH e, do teste de Tzanck, como um método útil para confirmar o diagnóstico.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresRicardo Barbosa Lima: Idealização e redação global do manuscrito, com realização das fotografias e montagem das figuras; médico que orientou o diagnóstico e tratamento do paciente.
Mariana de Almeida Pinto Borges: Participou da elaboração do manuscrito por meio da coleta e organização de dados e revisão do texto final; médica pediatra que fez o acompanhamento clínico do paciente.
Luciana Ferreira de Araújo: Participou da elaboração do manuscrito por meio da análise, descrição e fotografia do exame citológico e revisão do texto final; médica patologista que fez o exame citológico do paciente.
Carlos José Martins: elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do texto; médico que orientou a colheita e preparação do exame citológico do paciente.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Lima RB, Borges MAP, Araújo LF, Martins CJ. Herpetic whitlow in a child with AIDS: the importance of Tzanck test in the diagnosis. An Bras Dermatol. 2021;96:477–81.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Gaffrée e Guinle, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.