Paciente do sexo masculino, 52 anos, fototipo V de Fitzpatrick, em uso de hidroquinona 4% na face havia dois anos em virtude do diagnóstico de melasma. Foi encaminhado ao Departamento de Dermatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo queixando‐se de que, apesar do tratamento, evoluía com piora das lesões. Ao exame dermatológico, apresentava máculas acinzentadas confluentes nas proeminências malares e máculas acastanhadas nas regiões frontal, malar e nasal (fig. 1).
Como hipóteses diagnósticas, aventou‐se a possibilidade de ocronose exógena (OE) secundária à hidroquinona versus hiperpigmentação pós‐inflamatória. Realizou‐se então biópsia incisional, que evidenciou pigmento acastanhado‐ocre na derme superficial (fig. 2), corroborando com a preposição de OE.
O paciente foi orientado a suspender o uso da hidroquinona e a utilizar protetor solar. Como terapêutica, empregou‐se o laser QS Nd:YAG 1.064 nm (Etherea; Vydence Medical), primeiramente em oito sessões mensais (modo toning, fluência entre 1,0–1,3J/cm2, spot size de 8mm, frequência de 10Hz), seguido por quatro sessões mensais com fluência entre 4–5J e spot size de 5mm, com melhora discreta (fig. 3). Na sequência, realizou sete sessões mensais de luz intensa pulsada (LIP – Etherea; Vydence Medical; filtro 580nm, fluência 15J/cm2, pulso de 15ms), com resposta parcial (fig. 4). Por fim, empregou‐se o laser de CO2 10.600nm fracionado (Sculptor, Vydence Medical) com ponteira de 120nm, energia entre 80–100mJ e densidade de 50 MTZ/cm2 (total de cinco sessões bimensais), com clareamento importante das lesões (fig. 5). Após cada procedimento, foi prescrito betametasona 1mg/g creme diariamente por uma semana, além da orientação de evitar exposição solar.
O termo ocronose foi utilizado pela primeira vez em 1866 por Virchow em referência ao acúmulo de pigmento amarelo‐amarronzado tipo ocre ao exame histológico de pacientes com ocronose endógena, uma doença autossômica recessiva rara determinada por mutação que resulta na produção defeituosa da enzima ácido homogentísico oxidase (HGO), com acúmulo de ácido homogentísico (HG) em vários tecidos1–3.
Posteriormente, os mesmos padrões de pigmentação cutânea e de achados histológicos foram observados em pacientes que faziam uso de fenol, hidroquinona, resorcinol, mercúrio e ácido pícrico1,2,4. Nesses, porém, as lesões eram restritas aos locais de exposição ao fármaco e não havia alterações sistêmicas, recebendo então a denominação de OE2,4. Dos agentes implicados, a hidroquinona é responsável pela maioria dos casos e possivelmente decorra da inibição local da atividade da HGO, com subsequente acúmulo de HG, que se polimeriza para formar o pigmento ocronótico2,5.
Clinicamente, a OE se apresenta como máculas ou pápulas azul‐acinzentadas em áreas fotoexpostas (principalmente sobre proeminências ósseas) da face e pescoço2. Histologicamente, identificam‐se fibras de coloração ocre, curtas e curvelíneas (descritas como em “corpos de banana”) nas dermes papilar e reticular superficial. Nos casos mais avançados, por degeneração das fibras ocronóticas, exibem depósitos amorfos e eosinofílicos2,3,5.
Quanto ao tratamento, recomenda‐se a suspensão do agente implicado, porém pode‐se levar anos para se observar alguma melhora3. Tratamentos tópicos são inefetivos (ácido tricloroacético, crioterapia) ou pouco efetivos (ácido retinóico, hidrocortisona)2,3. Como terapêutica mais promissora, tem‐se o emprego dos lasers, nem sempre com resultados satisfatórios2,3. A primeira modalidade relatada foi o laser de CO26. Posteriormente, lasers Quality-Switched (QS) passaram a ser empregados com resultados satisfatórios, incluíndo lasers de rubi (694 nm), Alexandrita (755 nm) e Nd:YAG (1.064 nm)1,4,7. Mais recentemente, foi descrita melhora com o uso de LIP (filtro de 570 nm) e do laser de picosegundo Nd:YAG (1.064nm) bem como combinações de lasers (QS Nd:YAG seguido por CO2)8–10.
Para o presente paciente, a modalidade empregada inicialmente foi o laser QS Nd:YAG, cuja ação na ocronose possivelmente é análoga à remoção do pigmento de tatuagem na derme: fragmentação do pigmento e subsequentes fagocitose e eliminação por drenagem linfática ou via transepidérmica7. Na ausência de resposta satisfatória, utilizamos a LIP. Embora o mecanismo de clareamento seja mais bem compreendido no tratamento das lesões epidérmicas, o uso de altas energias e filtros com ponto de corte maiores possibilita maior penetração da luz e tratamento de lesões dérmicas8. Ressalta‐se, porém, que seu uso em pacientes com fototipos maiores que IV, muitas vezes, deve ser evitado, ou sugere‐se uma área teste, com a intenção de se observar alterações de pigmentação. No presente caso, a aplicação foi segura e promoveu melhora mais importante em relação ao QS descrito. Por fim, utilizou‐se o laser CO2 fracionado, que possivelmente promove extrusão do pigmento pelas microzonas ablativas na epiderme e derme, ajudando no clareamento da lesão10.
Assim, por meio da combinação de diferentes tecnologias, comprimentos de ondas e tempos de disparo, obtivemos excelente resposta no tratamento desse paciente, acometido por uma doença que sempre confere desafio terapêutico.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresWilliam Wiegandt Cegilio: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Mariana Figueiroa Careta: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Regia Patriota: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Luís Antônio Torezan: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Ceglio WW, Careta MF, Patriota R, Torezan LA. Exogenous ochronosis successfully treated with the combination of intense pulsed light and fractional CO2 laser. An Bras Dermatol. 2023;98:138–140.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.