Metástases cutâneas são raras e podem ocorrer no contexto de doença metastática conhecida ou ser o primeiro sinal clínico de tumor primário subjacente. Em se tratando de neoplasia carcinoide, determinar se o tumor cutâneo é primário ou secundário e identificar a origem do tumor nos casos metastáticos nem sempre é uma tarefa fácil. Relata‐se caso de metástase cutânea que se apresentou como primeira manifestação clínica de neoplasia carcinoide pulmonar até então desconhecida, com discussão dos achados histopatológicos e imuno‐histoquímicos que possibilitaram diagnóstico adequado da etiologia do tumor. Reforça‐se a importância da familiarização desses achados por dermatologistas e dermatopatologistas.
Metástases cutâneas (MC) são um achado clínico raro, com incidência entre 0,7% e 10% dos pacientes com câncer, e representam apenas 2% de todos os tumores cutâneos.1 Costumam ocorrer em um cenário clínico de doença metastática generalizada conhecida; no entanto, podem ser o primeiro sinal de neoplasia subjacente silenciosa, assim como representar sinal precoce de recorrência de tumor previamente tratado. Por isso, geralmente anunciam prognóstico reservado, e a sobrevida média dos pacientes com doença cutânea metastática é de 7,5 meses.2 Relata‐se um caso de paciente com lesão cutânea metastática que se apresentou como primeira manifestação de tumor carcinoide pulmonar.
Relato do casoHomem, 64 anos de idade, etilista e tabagista desde a adolescência, sem comorbidades prévias, procurou atendimento dermatológico em decorrência do surgimento de uma lesão eritematosa na face, de crescimento progressivo havia sete meses, associada à tosse, hemoptise, dispneia, tosse com hemoptoicos, dispneia, febre vespertina e perda ponderal nos últimos três meses. Ao exame, apresentava tumoração na ponta nasal de superfície lobulada, base infiltrada e intensamente dolorosa ao toque (fig. 1). Não foram evidenciados outros achados ao exame físico.
Realizou‐se biopsia da lesão cutânea, cujo estudo histopatológico mostrou derme infiltrada por neoplasia maligna de células epiteliais dispostas em padrão organoide (figs. 2 e 3) e imuno‐histoquímica apresentou reatividade para citoceratina 40, 48, 50 e 50,6 em padrão Golgi, cromogranina A e sinaptofisina (fig. 4) e negatividade para TTF‐1 e CK 20, caracterizando tratar‐se de tumor neuroendócrino. O paciente foi submetido a tomografias computadorizadas de crânio, tórax e abdome total, que evidenciaram extensa massa pulmonar infiltrativa envolvendo o brônquio fonte direito, além de múltiplas lesões sugestivas de metástase cerebral, óssea, hepática e suprarrenal. Realizado exame broncoscópico, porém a biópsia da massa pulmonar foi inviabilizada por causa de sangramento intenso durante o procedimento.
Concluímos tratar‐se de tumor carcinoide pulmonar com MC e metástases sistêmicas. O tumor foi classificado como estágio IV e referenciado ao oncologista, evoluindo a óbito em um mês.
DiscussãoAs MC resultam da infiltração da pele por células neoplásicas procedentes de tumores malignos à distância e podem se desenvolver por diferentes vias, incluindo disseminação hematológica e linfática, invasão por contiguidade, além de implantação iatrogênica.1,2 Em geral, as MC se desenvolvem meses a anos depois do diagnóstico do tumor primário; no entanto, em alguns casos (37% em homens e 6% em mulheres) a doença cutânea metastática é diagnosticada antes da neoplasia interna subjacente, especialmente quando a metástase se origina de câncer de pulmão, estômago, ovário e rim.2,3 O caso aqui relatado pertence a esse raro grupo de pacientes em que a MC foi reconhecida antes do tumor pulmonar primário.
As MC incidem normalmente em indivíduos mais idosos; os sítios cutâneos mais acometidos são a região torácica anterior e abdominal, com raro acometimento da face e do pescoço.1,3 A frequência das neoplasias que cursam com MC varia de acordo com o gênero e a faixa etária. Nas mulheres, os sítios mais comuns do tumor primário em ordem decrescente são mama, intestino grosso, pulmão e ovário; nos homens adultos, os sítios mais prevalentes seguem a seguinte sequência: pulmão, intestino grosso, cavidade oral e rim; em crianças, eles são neuroblastoma e rabdomiossarcoma.1,3
Determinar a origem do tumor primário, se desconhecido, pode ser uma tarefa difícil e nem sempre possível. Em se tratando de tumor carcinoide, subtipo histológico apresentado, diferenciar se o tumor cutâneo é primário ou secundário é outro grande desafio para os dermatologistas e dermatopatologistas.4 Os tumores carcinoides, também denominados neoplasias neuroendócrinas, são derivados das células enterocromafins e podem acometer vários órgãos, embora sejam mais comumente encontrados no trato gastrintestinal (65%) e trato broncopulmonar (25%).5 MC de tumores carcinoides são raras e, quando ocorrem, o brônquio é o sítio primário mais frequente.2 Clinicamente, apresentam‐se como nódulos, geralmente múltiplos, eritemato‐violáceos, assintomáticos em sua maioria; no entanto, há relatos de lesões dolorosas e que podem cursar com ulceração.5,6
A análise histopatológica e a imuno‐histoquímica auxiliam no diagnóstico definitivo da MC carcinoide. Os achados revelam infiltração da derme e às vezes subcutâneo por ninhos e folhetos de células tumorais uniformes, com núcleo ovoide hipercromático e citoplasma escasso, apresentando imunorreatividade para marcadores neuroendócrinos, incluindo cromogranina, sinaptofisina e citoceratinas de baixo peso molecular. As células metastáticas não expressam CK5/6, CK7, CK20 e p63.2 Imunoexpressão de TTF‐1 e CDX2 pode ser útil na localização do sítio primário, pois TTF‐1 tem apresentado alta sensibilidade e especificidade nos tumores carcinoides originados no pulmão, enquanto a expressão de CDX2 é altamente específica nos de origem gastrintestinal.2
A diferenciação entre MC carcinoides e tumores neuroendócrinos primários da pele, cujo principal representante é o carcinoma de células de Merkel (CCM), pode também ser feita pelo estudo histopatológico e imuno‐histoquímico. No CCM, o envolvimento do tecido subcutâneo é mais comumente encontrado, além de achados de neoplasia agressiva, como alto índice mitótico, necrose e ulceração, serem mais frequentes. Além disso, o CCM apresenta tipicamente positividade para CK‐20, ao contrário dos tumores carcinoides de origem interna.5,6
No caso descrito, apesar de o tumor não expressar TTF‐1, pelos demais achados imuno‐histoquímicos e imaginológicos foi possível concluir tratar‐se de carcinoma neuroendócrino cutâneo metastático com origem no pulmão.
Apesar de a MC carcinoide ser rara, ela pode representar a primeira manifestação de um tumor neuroendócrino ainda desconhecido originado em outro órgão. Logo, é valioso ressaltar que o alto índice de suspeição clínica pelo dermatologista e a familiarização dos achados histopatológicos e imuno‐histoquímicos possibilitam o diagnóstico acurado e o pronto encaminhamento do paciente para manejo adequado.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLara Martins Fiorio: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Lucia Martins Diniz: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Elton Almeida Lucas: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Fiorio LM, Diniz LM, Lucas EA. Cutaneous metastasis on the nasal tip: first clinical sign of pulmonary carcinoid tumor. An Bras Dermatol. 2021;96:578–80.
Trabalho realizado no Hospital Universitário Cassiano Antônio de Moraes, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES, Brasil.