O melanoma amelanótico/hipomelanótico (MAH) é subtipo de melanoma cutâneo com pouco ou nenhum pigmento na inspeção macroscópica e avaliação dermatoscópica, ou ausência da melanina na histopatologia. É entidade rara, de variável frequência, entre 0,4% e 27,9%, mas possivelmente subestimada.1
A ausência de pigmentação e de critérios clínicos para a suspeita do melanoma e a variabilidade morfológica do MAH possivelmente influenciam no diagnóstico errôneo e tardio.1,2 MAH pode mimetizar variadas condições benignas e malignas de etiologias diversas, inflamatórias ou infecciosas, além das neoplásicas.1,2
Paciente do sexo feminino, de 81 anos, foi encaminhada com suspeita de hanseníase por perda de força e queda da mão esquerda há dois meses e lesões assintomáticas no cotovelo esquerdo há três anos. O exame evidenciou agrupamento de pápulas e nódulos róseos, levemente brilhantes, não aderentes aos planos profundos, com vasos polimórficos na dermatoscopia, na lateral do cotovelo (fig. 1A); déficit de abdução do braço e da extensão do cotovelo, punho e dedos esquerdos; e massa palpável de 5cm na axila à esquerda. A ressonância magnética mostrou lesão expansiva envolvendo o feixe vásculo‐nervoso axilar à esquerda (fig. 1B); a eletroneuromiografia mostrou lesão grave do nervo radial. Análises histopatológicas evidenciaram proliferação lentiginosa de melanócitos atípicos, ninhos confluentes no epitélio, migração pagetoide e derme infiltrada por neoplasia de células pleomórficas com núcleos vesiculosos e citoplasma basofílico com nucléolos evidentes, dispostas em ninhos e blocos, compatível com melanoma nodular da pele (fig. 2), satelitoses e metástases em trânsito. A metástase foi confirmada por biopsia do nódulo e do plexo braquial esquerdo, que resultou no estadiamento inicial TxN3cM1. A imuno‐histoquímica foi positiva para S100, CEA e Melan‐A (fig. 3) e negativa para HMB‐45 e tirosinase. Foi iniciada interferona (3.000.000 UI, três vezes por semana); a radioterapia axilar foi abdicada por familiares. A sobrevida foi de 10 meses.
(A) Neoplasia constituída por células basofílicas formando ninhos e blocos bem desenvolvidos que infiltram a derme sem afetar a epiderme (Hematoxilina & eosina, 40×). (B) Células com citoplasma eosinofílico e núcleos pleomórficos, com cromatina vesiculosa (seta vermelha), nucléolos evidentes (setas azuis) e frequentes mitoses atípicas (setas pretas) (Hematoxilina & eosina, 100×).
Clinicamente, lesões vermelhas, rosadas ou eritematosas representam quase 70% dos MAH, que podem ser normocrômicos.1 A forma papulonodular predominou em 58% dos casos,1 dentre outras formas clínicas do MAH: mácula eritematosa com alterações epidérmicas na pele exposta ao sol e placa dérmica normocrômica sem alterações epidérmicas.3 Todos os subtipos histológicos podem ser encontrados entre os MAH: nodular, acral lentiginoso e subungueal, extensivo superficial e lentigo maligno.1–4A despeito da ausência das estruturas com melanina, em alguns casos é possível visualizar na dermatoscopia a pigmentação residual não perceptível a olho nu e o padrão vascular.1,5 Distintas morfologias vasculares foram reconhecidas nos MAH: vasos lineares irregulares, serpentinos (polimórficos), pontilhados e em grampo, além de áreas vermelho‐leitosas, estruturas e linhas brancas.5 No entanto, o padrão vascular em associação com a história e os achados clínicos e, particularmente, a análise histopatológica e imuno‐histoquímica, são necessários para o diagnóstico.1
Sexo feminino, subtipos histológicos nodular e não classificados, aumento da espessura de Breslow, presença de mitoses, elastose solar grave e ausência de nevo coexistente foram associados ao MAH.2 A presença de mitoses independente da espessura de Breslow sugere que MAH possam crescer mais rapidamente e estabelecer estágios tumorais mais avançados e menor sobrevida quando comparado ao melanoma pigmentado.2 Notadamente, pacientes com MAH foram mais propensos a ser diagnosticados erroneamente comparados àqueles com melanomas pigmentados.4 Esses aspectos exigem elevado índice de suspeição para potencialmente minimizar o diagnóstico tardio e estágios avançados da malignidade.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresAndrezza Telles Westin: Concepção e o desenho do estudo de caso; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; aprovação final da versão final do manuscrito.
Sebastião Antônio de Barros Junior: Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação final da versão final do manuscrito.
Cacilda da Silva Souza: Concepção e o desenho do estudo de caso; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Westin AT, Barros Junior SA, Souza CS. Amelanotic melanoma with neural lesion simulating leprosy. An Bras Dermatol. 2024;99:608–10.
Trabalho realizado na Divisão de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.