O câncer de pele é o tipo mais frequente em todo o mundo e o mais frequente tumor periocular. Os carcinomas queratinocíticos (CQ) localizados em áreas perioculares são considerados tumores de alto risco. A cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) é considerada a primeira linha para o tratamento do CQ de alto risco, com menor taxa de recorrência do que a excisão ampla convencional.
ObjetivoDescrever as características clinicopatológicas do CQ periocular tratado com CMM em um centro universitário terciário no Chile.
MétodosEstudo retrospectivo unicêntrico de pacientes com CQ localizado na região periocular, submetidos à CMM entre 2017 e 2022. Detalhes da CMM foram registrados.
ResultadosForam incluídos 113 pacientes com carcinomas perioculares. A média de idade foi de 59±13 anos; 52% eram mulheres. A localização mais frequente foi o canto medial do olho (53%), seguido da pálpebra inferior (30,1%). O tipo histológico mais frequente de carcinoma basocelular (CBC) foi o nodular (59,3%). Em relação à CMM, o número médio de estágios foi de 1,5±0,7, e 54% dos casos necessitaram de apenas um estágio para atingir margens livres. Até o momento, nenhuma recorrência foi relatada. Tumores maiores que 8,5mm em seu maior diâmetro ou 43,5 mm2 foram mais propensos a necessitar de reconstrução complexa.
Limitações do estudoDesenho retrospectivo e número relativamente baixo de pacientes no grupo com carcinoma espinocelular (CEC). Possível viés de seleção, pois casos maiores ou mais complexos podem ter sido encaminhados diretamente aos cirurgiões oculoplásticos.
ConclusãoO presente estudo confirma o papel da CMM no tratamento dos CQ perioculares. CQs perioculares maiores que 8,5mm podem exigir reconstrução complexa. Esses resultados podem ser utilizados para aconselhar os pacientes durante as consultas pré‐cirúrgicas.
O câncer de pele é o tipo mais frequente em todo o mundo e o mais frequente tumor periocular.1,2 Cerca de 5%–10% de todos os carcinomas queratinocíticos (CQ) ocorrem na região periocular, e acredita‐se que muitos estejam associados à radiação ultravioleta (UV) cumulativa crônica.3–5 O CQ compreende o carcinoma basocelular (CBC) e o carcinoma espinocelular (CEC); o CBC é o mais frequente.4,6 Sabe‐se que a prevalência do CQ varia entre localizações geográficas e grupos raciais. Por exemplo: cabelos ruivos, pele clara ou pele que queima e nunca bronzeia conferem risco duas vezes maior de desenvolver CQ.7 Além disso, 75% dos CBCs ocorrem na região da cabeça e pescoço, e cerca de 20% dos CBCs se desenvolvem na região periocular.6
O CQ nas pálpebras apresenta alto risco de extensão subclínica e recorrência local, especialmente quando de tipos histopatológicos agressivos estão presentes.6 Portanto, são consideradas lesões de alto risco pela classificação da United States National Comprehensive Cancer Network (NCCN).8 O câncer de pele periorbital é especialmente preocupante em virtude da anatomia única do olho, das pálpebras e da órbita, bem como por sua funcionalidade complexa (p. ex., função palpebral) e relevância cosmética, visto que tumores avançados das pálpebras e da região periorbital podem afetar a função ocular e a visão.9
A cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) é uma técnica que tem sido utilizada com sucesso no tratamento de tumores cutâneos malignos em virtude da avaliação microscópica completa das margens laterais e profundas.4,10 Isso difere do exame histopatológico tradicional em que apenas uma parte da margem é examinada por meio de cortes paralelos realizados verticalmente na peça, como se fosse um pão de forma.5 Estudos demonstraram que a CMM tem 98%–100% de taxa de cura em cinco anos de seguimento; na técnica histopatológica tradicional, as taxas de recorrência tendem a ser mais altas.5 O objetivo do presente estudo é descrever as características clinicopatológicas do CQ periocular tratado com CMM em um grande centro terciário da América Latina. Os objetivos secundários foram avaliar as variáveis preditoras de reconstruções complexas.
MétodosEste estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética local (ID 210818013) e compreendeu uma pesquisa retrospectiva de pacientes com CQ periocular submetidos à CMM entre janeiro de 2017 e novembro de 2022 em um único centro terciário. Todos os pacientes submetidos à CMM durante esse período foram identificados por meio de registros eletrônicos de banco de dados.
Foram incluídos pacientes submetidos à CMM com diagnóstico de CQ periocular (definido como casos afetando o canto medial, canto lateral, pálpebra superior, pálpebra inferior e sobrancelhas). Foram incluídos tumores com confirmação histopatológica ou com alto índice de suspeita (com base em critérios clínicos e dermatoscópicos) para CQ (seja CBC ou CEC). Foram excluídos pacientes com outros diagnósticos (p. ex., melanoma) e lesões em outros locais faciais ou corporais. Dados demográficos e tumorais foram registrados, como idade, sexo, localização do tumor, estado de recorrência, tratamento anterior, tipo histopatológico, tamanho pré‐operatório (comprimento e largura, em mm), número de estágios da CMM, tamanho pós‐operatório ferida cirúrgica (comprimento e largura, em mm), tipo de reconstrução e histopatologia final. O tamanho da lesão e da ferida cirúrgica foram utilizados para calcular a área de superfície usando a fórmula: (comprimento/2×largura/2)×π, como descrito anteriormente.11 A recorrência tumoral foi definida como o desenvolvimento de nova lesão na mesma área tratada em paciente submetido a algum tratamento anterior com intenção de remoção completa e biopsia demonstrando presença de CQ.
Todas as CMM foram realizadas por um de cinco cirurgiões com mais de cinco anos de experiência em CMM,. Foi realizada técnica padrão de CMM em tecido congelado fresco, com excisão inicial do tumor e subsequente mapeamento tecidual com marcações coloridas para orientação. O tumor excisado foi então analisado microscopicamente por um patologista ocular especialista. Mapas de CMM foram desenhados para cada tumor. As excisões subsequentes (se necessárias) foram guiadas pela observação dos cortes de congelação. Esse processo foi repetido até que margens cirúrgicas livres fossem alcançadas. As técnicas de reconstrução foram classificadas em fechamento primário, retalho, enxerto ou cicatrização por segunda intenção, realizadas por dermatologistas ou cirurgiões oculoplásticos. Todos os pacientes foram posteriormente acompanhados por um dos cinco cirurgiões de Mohs. A recorrência após a CMM foi definida como o aparecimento de qualquer tumor dentro ou ao redor da cicatriz da CMM.
Análise estatísticaOs dados foram analisados no software SPSS versão 25 (Armonk, NY: IBMCorp.). Após verificação da distribuição não normal das variáveis, foram realizados o teste Qui‐quadrado de Yates e o teste t (bicaudal com variância desigual). A significância estatística foi considerada como valor de p<0,05. O número de estágios foi categorizado em 1 ou 2 ou mais (≥ 2) para análises estatísticas. “Reconstrução complexa” foi definida como aquela realizada com retalho ou enxerto. A análise foi realizada por intenção de tratar. Diferentes pontos de corte na variável numérica foram testados para a determinação de um ponto de corte em que o tamanho inicial do tumor (mm) e a área inicial do tumor (mm2) predizem o tipo de reparo; o ponto de corte que resultou no maior valor do teste de Qui‐quadrado (menor valor de p) foi selecionado.
ResultadosForam realizadas 113 CMM perioculares no período do estudo. Havia 58 mulheres e 55 homens, com média de idade de 59±13 anos (variação de 27–83). Os CQs estavam localizados no canto medial em 60 pacientes (53,1%), 34 nas pálpebras inferiores (30,1%) e quatro nas pálpebras superiores (3,5%). A figura 1 mostra a distribuição das localizações dos CQs na pele periocular. Em relação à lateralidade do tumor, 59 (52%) lesões localizavam‐se na região periocular direita, 48 (43%) na esquerda e seis (5%) não tinham lateralidade descrita.
Ao todo, 109 lesões eram CBCs (105 primárias e quatro recorrentes); havia 67 do tipo nodular (59%), 20 micronodulares (18%), 12 esclerosantes (10,6%), seis superficiais (5,3%), dois infiltrativos (1,8%) e em dois o tipo histopatológico não foi descrito (tabela 1). Houve quatro casos de CBCs recorrentes, dos quais dois eram nodulares, um era esclerosante e um micronodular. Esses quatro casos recorrentes de CBC tiveram excisão anterior do tumor (não CMM) realizada em outro local.
Características dos pacientes e tumores
Sexo, n (%) | |
Masculino | 55 (49) |
Feminino | 58 (51) |
Idade (média+DP) anos | 58,5+13 |
Tipo de tumor, n (%) | |
CBC | 109(96) |
Superficial | 6 (5,3) |
Nodular | 67 (59,3) |
Micronodular | 20 (17,7) |
Esclerosante | 12 (10,6) |
Infiltrativo | 2 (1,8) |
Tipo histopatológico desconhecido | 2 (1,8) |
CEC | 4 (3,5) |
Lateralidade do tumor, n (%) | |
Direita | 59 (52,2) |
Esquerda | 48 (42,5) |
Sem lateralidade informada | 6 (5,3) |
Tratamento anterior (tumores recorrentes), n (%) | 5 (4) |
–4 CBC | |
–1 CEC | |
Complicações após CMM (p. ex., epífora, ectrópio etc.), n (%) | 1 (0,8) |
CBC, carcinoma basocelular; CEC, carcinoma espinocelular; DP, desvio padrão; CMM, cirurgia micrográfica de Mohs.
Apenas quatro lesões correspondiam a CEC (3,5%); todas eram bem diferenciadas, e apenas uma era CEC recorrente.
Detalhes da cirurgia micrográfica de MohsO tamanho inicial médio do tumor foi 9,21±5,4mm no eixo maior e 6,76±3,7mm no eixo menor. A média do número de estágios da CMM foi de 1,5±0,7. Cinquenta e sete por cento das lesões foram eliminadas no primeiro estágio, 39% foram eliminadas no segundo estágio e 4% necessitaram de três ou mais estágios (tabela 2). O tamanho inicial do tumor (maior diâmetro), os tipos histológicos do tumor (i.e., esclerosante, infiltrativo, micronodular), idade e sexo não foram associados ao número de estágios (p=0,83, 0,8, 0,25 e 0,9, respectivamente). A área tumoral inicial média foi de 55±79 mm2. A área inicial não foi associada ao número de estágios da CMM (p=0,952). As figuras 2 a 4 mostram exemplos de pacientes submetidos à CMM.
Mohs Características da cirurgia micrográfica de Mohs
Tamanho inicial do tumor (média+DP) | |
Eixo maior | 9,21±5,4 mm |
Eixo menor | 6,76±3,7 mm |
Área (mm2) | 55+79 mm2 |
Tamanho final da ferida cirúrgica (média+DP) | |
Eixo maior | 14,6±8 mm |
Eixo menor | 11±6 mm |
Área (mm2) | 80±104 mm2 |
Detalhes da cirurgia micrográfica de Mohs | |
Número de estágios (n=113) | |
Média+DP | 1,5±0,7 |
1 estágio, n (%) | 64 (57) |
2 estágios, n (%) | 44 (39) |
3 estágios, n (%) | 2 (1,5) |
4 estágios, n (%) | 2 (1,5) |
5 ou mais estágios, n (%) | 1 (1) |
Tipo de reconstrução, n (%) | |
Primária | 60 (53,1) |
Retalho | 49 (43,3) |
Enxerto | 2 (1,8) |
Cicatrização por segunda intenção | 1 (0,9) |
Desconhecida | 1 (0,9) |
Reclassificação histopatológica, n (%) | 4 (3,5) |
Carcinoma basocelular (CBC) nodular. Reconstrução com fechamento primário. (A) Tumor localizado no canto medial depaciente do sexo masculino, adulto. (B) A dermatoscopia mostrou telangiectasias arboriformes focais características de CBC. (C) A cirurgia micrográfica de Mohs foi realizada alcançando margens livres de tumor em um estágio. (D) O fechamento primário foiutilizado para reparo, sem tensão.
Carcinoma basocelular (CBC) micronodular. Reconstrução com retalho. (A) O tumor estava localizado no canto medial de paciente do sexo feminino, adulta. (B) A dermatoscopia mostrou telangiectasias arboriformes curtas‐finas focais e múltiplos glóbulos amarelo‐esbranquiçados agregados, característicos de CBC. (C) A cirurgia micrográfica de Mohs foi realizada obtendo margens livres de tumor em dois estágios, com ferida cirúrgica profunda no canto do olho. (D) Foi utilizado retalho romboidal para fechamento do defeito, sem tensão.
Carcinoma basocelular (CBC) nodular. Reconstrução com enxerto. (A) Tumor localizado na pálpebra inferior em paciente jovem do sexo feminino. (B) A dermatoscopia mostrou telangiectasias arboriformes focais e ulceração central, características de CBC. (C) A cirurgia micrográfica de Mohs foi realizada obtendo margens livres de tumor em dois estágios. Observar a ferida cirúrgica no tarso na margem profunda central. (D) A reconstrução com enxerto de pele de espessura total obtido da pálpebra superior foi realizada com excelente resultado cosmético.
O tamanho final da ferida cirúrgica foi de 14,6±8mm no eixo maior e 11±6mm no eixo menor. A reconstrução foi realizada com fechamento primário (53,1%), retalho (43,3%), enxerto (1,8%) e cicatrização por segunda intenção (0,9%). Em um paciente (0,9%) não havia informação sobre o tipo de reconstrução. O maior diâmetro do tumor (maior tamanho médio 12,1 vs. 6,91mm; p<0,001) foi associado a reparo complexo (i.e., retalho ou enxerto). Além disso, o maior tamanho da ferida cirúrgica (19 vs. 11,2mm, p=0,002) e área inicial (90±110 mm2vs. 28±24 mm2) também foram associados a reparo complexo (p<0,001). Ao avaliar pontos de corte aproximados para reparo complexo, tamanho tumoral inicial ≥ 8,5mm no eixo maior e área tumoral inicial ≥43,5 mm2 foram associados a reparo complexo (p<0,001 para ambos).
Quatro casos necessitaram de reclassificação histopatológica durante a CMM (ou seja, foi encontrado tipo histopatológico mais agressivo de CBC do que na biopsia inicial). Todos tiveram biopsia inicial de CBC nodular ou superficial, mas CBC esclerosante foi encontrado nas margens laterais/profundas dos quatro casos. Não houve diferenças entre o tipo de biopsia (por shaving ou punch) e reclassificação histopatológica (p=0,38). Houve uma (0,8%) complicação pós‐operatória (epífora e ectrópio após CMM na pálpebra inferior) e nenhuma recorrência local até o momento (seguimento médio de 23±17 meses; variação de 2 a 71 meses).
DiscussãoEste estudo retrospectivo, que incluiu 113 pacientes com CQ periocular, descreve as características clinicopatológicas de tumores tratados com CMM durante um período de cinco anos em um grande centro acadêmico da América Latina. Nenhuma variável clínica ou histopatológica (idade, sexo, tamanho inicial do tumor e tipos agressivos de tumor) foi associada ao número de estágios. Maior diâmetro tumoral (12 vs. 6,98mm; p<0,001), bem como maior área tumoral, foram associados a reparo complexo (isto é, retalho ou enxerto) com pontos de corte específicos (> 8,5mm e>43,5 mm2) predizendo a necessidade de reparo complexo. Os resultados do presente estudo confirmam a eficácia (sem recorrências) e segurança (< 1% de complicações) da CMM no cenário de tumores CQ perioculares, uma localização anatômica cosmética e funcional complexa. Como cerca de 90% dos casos teriam sido eliminados com margens de 4mm (dois estágios), os achados do presente estudo também confirmam que pode haver extensão subclínica considerável além das margens recomendadas pelas diretrizes em 10% dos casos perioculares, justificando a necessidade de cirurgia com margens controladas, como a CMM.
Apenas alguns estudos descritivos semelhantes foram relatados em todo o mundo, e os resultados do presente estudo são consistentes com relatos anteriores; entretanto, poucos estudos são da América Latina.10–18 No presente estudo, o CQ periocular mais frequente foi o CBC nodular, e a localização mais frequente foi o canto medial do olho. Essa localização anatômica é de suma importância, uma vez que os tumores localizados no canto medial têm maior capacidade de invadir localmente e destruir estruturas funcionais complexas dentro ou ao redor do olho.19,20 Monheit et al. relataram um estudo retrospectivo de 10 anos de 289 tumores perioculares. Os CBCs representavam 83% das lesões, e a maioria era nodular (76%), semelhante aos achados do presente estudo.9 Scofield et al. relataram 42 pacientes com câncer de pele periocular, dos quais 34 eram CBCs e oito eram CECs.12 A série de Halloran et al. incluiu 690 pacientes com tumores perioculares, em que o CBC era o tumor mais comumente excisado (85,4%).11
Em contraste com a presente série, em todos esses estudos, o CBC foi mais comumente localizado na pálpebra inferior, seguido pelo canto medial.17,18,21 Isso pode ser explicado por variações locais nos padrões de exposição solar (p. ex., variações inverno/verão, latitude), tumorigênese, bem como diferenças intrínsecas e étnicas na América Latina. Além disso, a prevalência de CECs na presente série foi muito menor em comparação com a literatura, o que também poderia ser explicado por alguns desses fatores.3,12,20,22 O número médio de estágios da CMM no presente estudo foi semelhante ao da série de O’Halloran et al. (o número médio de estágios foi de 1,5 para casos na Austrália); mas foi menor em comparação com a série de Scofield et al., na qual o número médio de estágios necessários durante a CMM para excisar o câncer foi de 2,2±1,4, com variação de 1 a 7 estágios (Estados Unidos).11,12 Além disso, foi menor em comparação com a série de Sanchez et al., na qual o número médio de estágios foi de 2,3±0,9.16 Além disso, na série de Scofield et al., a prevalência de CEC foi superior à da presente série (19% vs. 3,5%); na série de Sanchez et al., a proporção de tipos histopatológicos agressivos foi maior do que na presente série (50% vs. 30%).12,16 Essas variáveis podem explicar a diferença no número de estágios em comparação com o presente estudo e também podem refletir variações locais versus encaminhamento local/ viés de seleção.
Que seja de conhecimento dos autores, o presente estudo é o primeiro a estabelecer associação entre o tamanho inicial do tumor e o tipo de reconstrução. Além disso, a área e o comprimento do eixo principal inicial foram associados à reconstrução complexa o que não foi relatado anteriormente. Mais especificamente, tumores maiores que 8,5mm foram associados a reparos complexos. Essas informações podem ser usadas no ambiente pré‐operatório para esclarecer as expectativas dos pacientes e realizar o aconselhamento apropriado. Na série de O’Halloran et al., o tamanho médio da lesão pré‐operatória para casos reparados tanto por cirurgiões de Mohs quanto por cirurgiões oculoplásticos foi de 0,5 cm2, semelhante ao do presente estudo; entretanto, eles não estabeleceram associação entre o tamanho do eixo principal inicial e o tipo de reconstrução ou o número de estágios da CMM.11 Parece razoável que tumores maiores possam necessitar de reconstruções mais complexas, já que mais tecido é removido. Com base na literatura oculoplástica, sabe‐se que feridas cirúrgicas de espessura total afetando a borda da pálpebra superior ou inferior que têm 35% a 50% do comprimento da pálpebra normalmente não podem ser fechados apenas com reconstrução primária em virtude da tensão significante. Nessas situações, diferentes tipos de retalhos ou enxertos são excelentes alternativas para a reconstrução periocular.23 A medida simples de tamanho usada no presente estudo é uma regra mais abrangente e fácil de aplicar para prever fechamentos complexos.
Determinar tamanho aproximado do defeito de Mohs com base no tamanho da lesão pré‐operatória é relevante em casos cirúrgicos de reconstrução de CMM, especialmente no que diz respeito ao planejamento/discussão cirúrgica pré‐operatórios e ao manejo das expectativas do paciente. Modelos preditivos de avaliação computacional foram desenvolvidos tentando estimar o número de estágios, bem como a complexidade da reconstrução.18,24 Tan et al. apresentaram modelo preditivo sobre a complexidade da cirurgia reconstrutiva após excisão de CBC periocular usando três variáveis que predizem fortemente maior complexidade: grande tamanho do tumor, atraso na cirurgia e estratificação de risco na primeira consulta com o especialista.25 Essas variáveis poderiam fornecer um sistema de triagem útil e simples para prever a complexidade do caso e a priorização do tratamento do CQ.25 No entanto, quando testadas por nosso grupo com dados locais, as previsões não foram tão boas quanto o esperado.24 São necessárias coortes maiores e diversas e CMM realizadas em diferentes ambientes para avaliar e validar adequadamente esses modelos de avaliação computacional. Com base nos resultados do presente estudo, pode‐se informar ao paciente que tumores maiores que 8,5mm podem necessitar de reconstrução complexa.
Muitas medidas de desfechos relatados pelo paciente (PROMs, do inglês patient‐reported outcome measures) têm sido usadas para estudar a qualidade de vida (QV) na população com câncer de pele, mas nenhuma foi projetada e validada especificamente para CQ periocular. A coleta de informações em tumores nessa localização anatômica específica é relevante para a criação e validação de PROMs.26 As PROMS poderiam ajudar na identificação de pacientes em risco de resultados ruins e baixa satisfação, servindo como guia na seleção do tratamento mais apropriado.27,28 Dado o envelhecimento da população e o aumento da prevalência de CQ, as PROMs surgem como ferramenta importante para que os médicos avaliem os resultados em futuros estudos intervencionistas destinados a minimizar a morbidade e maximizar a QV desses pacientes com câncer de pele. O advento de métodos de imagem não invasivos, como a microscopia confocal de refletância, pode lançar luz sobre a remoção do “fator desconhecido” antes da CMM, sendo também ferramentas promissoras para o diagnóstico e decisões de tratamento do CQ periocular.29–33
Por fim, os CQs perioculares são complexos e requerem a participação de múltiplas especialidades médicas, como dermatologia, cirurgia oculoplástica, cirurgia plástica e patologia, entre outras. As reuniões da equipe multidisciplinar, também conhecidas como tumor board conferences (TBCs), oferecem oportunidade para discutir todo o espectro de questões diagnósticas, terapêuticas e sociais relacionadas a pacientes individuais e para desenvolver um plano coordenado para pacientes com câncer de pele complexo. Essas reuniões multidisciplinares são, muitas vezes, a base do tratamento nos principais centros oncológicos, tendo impacto significante no atendimento ao paciente. Entretanto, mesmo que uma TBC seja o cenário ideal para discutir casos clínicos complexos, atualmente não há diretrizes disponíveis sobre quais especialistas devem ser incluídos em TBCs de oncologia ocular.34,35 Os autores encorajam a discussão de casos selecionados de CQ periocular em TBCs sempre que for viável.
LimitaçõesO desenho retrospectivo e o número relativamente baixo de pacientes incluídos, especialmente no grupo de CEC, que era relativamente pequeno e sub‐representado, limitam algumas das conclusões para o CEC. Há possível viés de seleção, pois casos maiores ou mais complexos podem ter sido encaminhados diretamente aos cirurgiões oculoplásticos; no entanto, o tamanho médio da ferida cirúrgica e o envolvimento das estruturas laminares posteriores foram semelhantes aos de estudos publicados anteriormente por cirurgiões oculoplásticos. A generalização deste estudo também é limitada porque todos os cirurgiões CMM participantes eram cirurgiões de Mohs acadêmicos e treinados, com bolsa de pesquisa, e o tecido foi avaliado por um patologista ocular. Por fim, apesar de não haver recorrências até o momento, os presentes resultados devem ser interpretados com cautela, já que 60% dos CQs podem recorrer entre cinco e 10 anos após a cirurgia.36 Portanto, é necessário seguimento mais longo.
ConclusãoA CMM é particularmente adequada para CQ da área periocular porque possibilita maior taxa de cura e menor recorrência, poupando ao mesmo tempo o máximo de pele e tecido circundantes normais. O presente estudo estabelece associação entre o comprimento do eixo principal inicial e o número de estágios. Tamanho inicial do tumor ≥ 8,5mm no eixo maior e área tumoral inicial ≥ 43,5 mm2 foram associados a reparo complexo. O diagnóstico e o manejo apropriados de neoplasias malignas perioculares são essenciais em virtude de sua proximidade e potencial para invadir estruturas oculares funcionais, como órbita, pálpebra, ducto lacrimal, seios da face e cérebro. Os resultados do presente estudo confirmam que as taxas de sucesso da CMM para CQ periocular primário são excelentes em pacientes latino‐americanos.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresDominga Peirano: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Sebastián Vargas: Obtenção, análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Leonel Hidalgo: Obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Francisca Donoso: Obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Eugenia Albuseme: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Felipe Sanhueza: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Consuelo Cárdenas: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Katherine Droppelmann: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Juan Camilo Castro: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Pablo Uribe: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Pablo Zoroquiain: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Cristian Navarrete‐Dechent: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Gostaríamos de agradecer a todos os médicos assistentes Dermatologistas e técnicos de Mohs pela inestimável contribuição no atendimento desses casos. Agradecemos também aos pacientes incluídos neste estudo, que deram consentimento informado por escrito para a publicação de suas fotos.
Como citar este artigo: Peirano D, Vargas S, Hidalgo L, Donoso F, Abusleme E, Sanhueza F, et al. Management of periocular keratinocyte carcinomas with Mohs micrographic surgery and predictors of complex reconstruction: a retrospective study. An Bras Dermatol. 2024;99:202–9.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Escola de Medicina, Pontificia Universidad Católica de Chile, Santiago, Chile.