Embora a excisão com bisturi angulado a 45° (A45) seja a técnica padrão ouro na cirurgia micrográfica de Mohs (CMM),1 ela pode gerar dificuldades nos tumores localizados na margem palpebral (TUMP).2 A excisão com bisturi sem angulação (a 90°) é descrita para essa localização.3
O objetivo deste estudo foi avaliar se a ressecção com a 90° (A90) de TUMP teve a mesma eficácia da excisão clássica. Trata‐se de estudo retrospectivo transversal de análise de prontuários de pacientes com carcinomas dos queratinócitos tratados pelo mesmo cirurgião de Mohs e aprovado pelo Comitê de Ética da instituição sob o CAAE n° 17621419.3.0000.5134. Foram coletados os seguintes dados: idade, sexo, tumor primário ou recidivado, diâmetro, tipo histológico, número de fases na CMM, ângulo do bisturi a 45° ou 90° e taxa de recidiva. Os pacientes foram acompanhados para controle de cura.
Foram incluídos os pacientes atendidos entre 2008 e abril de 2019, com tumores localizados exclusivamente na margem palpebral, submetidos a CMM. Foram excluídos pacientes com tumores outros que os carcinomas queratinocíticos. As CMM utilizando a técnica A454 foram realizadas nos pacientes até o ano de 2013, e com a técnica A90 a partir de 2014, formando assim dois grupos que foram avaliados.
O primeiro grupo foi tratado com a técnica clássica, com debulking do tumor e excisão margem bisturi A45.1 No segundo grupo, foi realizada a excisão em bloco do tumor com 2mm de margem (fig. 1), com bisturi A90. Após a excisão, o debulking foi realizado ex vivo (fig. 2). A margem resultante foi incluída em fragmento único, geralmente (figs. 3 e 4).
A análise inferencial foi realizada com o teste exato de Fisher (software R) e foi considerado significante p<0,05.
Foram identificados 59 pacientes com tumores na margem palpebral, idade média de 68,3±16,45 anos; 57,6% mulheres e 79% com carcinomas basocelulares (CBC). A excisão foi A45 em 35 (57,9%) pacientes e A90 em 24 pacientes (42,1% dos casos). Dentre os fatores de risco; 52,6% apresentavam histologia de alto risco; 47,4% apresentavam diâmetro >10mm; 96,4% eram tumor primário. O número médio de estágios para a CMM foi de 2,33±1,16.
Em ambos os grupos (A45 e A90), os fatores de risco analisados foram semelhantes: tipo histológico de alto risco (p=0,11), diâmetro >10mm (p=0,593) (tabela 1). O número de estágios necessário durante a cirurgia foi semelhante (p=0,215) (tabela 2). Ocorreram duas recidivas no grupo A45 (3,57%) e nenhuma no grupo A90 (p=0,504). O tempo médio de seguimento foi de 64,8 meses.
O estudo de Clark sobre a reconstrução de pálpebra após CMM mostrou que 80% dos casos era CBC, com idade média de 65 anos e 68% de mulheres.5
Na técnica clássica de CMM (A45), após o debulking do TUMP, há dificuldade de visualização e excisão completa da margem lateral e profunda, já que a derme e o músculo orbicular expostos assemelham‐se com a conjuntiva. Também ocorre perda de tensão na ferida da margem da pálpebra, dificultando a excisão em um mesmo plano desses tecidos de consistências diferentes. Esses fatores podem comprometer o controle de margem da CMM.
Por outro lado, a excisão da margem e tumor em bloco A90 pode facilitar a exérese e o processamento de toda a espessura da pálpebra (lamela anterior e posterior). A rigidez do tarso (nesse fragmento excisado) permite que o debulking do tumor seja realizado ex vivo. A visualização do tumor (do debulking) na microscopia é importante pois serve de parâmetro para a checagem da margem. Na técnica descrita como open book, o debulking não é realizado.2
De acordo com Karen, a excisão perpendicular (A90) e a maneira especial de realizar o processamento da peça gerada para os TUMP é importante na CMM. Isso decorre da presença de múltiplos planos que apresentam uma consistência tecidual variável.6 Em seu artigo, três técnicas de processamento do fragmento na CMM retirado perpendicularmente são descritas. Porém, não há citação na literatura e nenhuma análise estatística sobre a eficácia dessas técnicas.
No estudo de Buffo, a variante da CMM A90 mostrou‐se eficiente para o tratamento de tumores raros da pele (não TUMP); os fragmentos laterais são separados da profundidade,7 o que não é necessário para os casos da pálpebra.
No presente estudo, a comparação da taxa de recidiva tumoral entre a excisão a A45 versus A90 não mostrou diferença estatística entre os dois grupos (p=0,504). A taxa de recidiva geral foi de 3,6%, corroborando os dados da literatura de 1,3% a 5,9%.8–10
Segundo Mori, para defeitos cirúrgicos em que foi realizada a ressecção de uma porção do tarso, é fundamental o alinhamento preciso de todas as suas estruturas (lamelas) para manter a sustentação e a função da pálpebra, evitando complicações.2 A A90 facilita essa reconstrução, o que não ocorre na A45, em que é necessária a complementação e excisão de tecido normal após a obtenção de margem livre.
Como os resultados de recidiva para excisão a 45° e 90° neste estudo foram comparáveis, a excisão A90 na CMM pode ser uma opção para os TUMP, facilitando a exérese, o processamento da peça e a reconstrução. Estudos com amostra maior serão relevantes para avaliar a técnica.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresGlaysson Tassara Tavares: Concepção e desenho do estudo; aquisição de dados; redação do artigo; revisão crítica de conteúdo intelectual; aprovação final da versão a ser submetida.
Isabela Boechat Morato: Redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual relevante; revisão crítica de conteúdo intelectual; aprovação final da versão a ser submetida.
Alberto Julius Alves Wainstein: Concepção e desenho do estudo; aquisição de dados; revisão crítica de conteúdo intelectual; aprovação final da versão a ser submetida.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Tavares GT, Morato IB, Wainstein AJ. 90‐degree incision in Mohs micrographic surgery for eyelid margin tumors – Is there a benefit? An Bras Dermatol. 2024;99:115–7.
Trabalho realizado na Escola de Medicina, Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.