A cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) é comumente utilizada para tratar o carcinoma basocelular (CBC) de alto risco.
ObjetivosCorrelacionar as características clinicopatológicas pré‐operatórias com o número de estágios da CMM (desfecho primário) e margens cirúrgicas (desfecho secundário) necessários para a exérese completa do CBC.
MétodosForam analisados retrospectivamente os CBCs tratados com CMM no período de dois anos. As variáveis estudadas incluíram sexo, idade e estado imunológico, tamanho da lesão, localização, se era tumor primário, recorrente ou persistente, características histopatológicas, número de estágios cirúrgicos e quantidade de tecido excisado.
ResultadosUm total de 116 CBCs foram incluídos. A maioria (61,2%, n=71) necessitou de cirurgia em estágio único para exérese completa, exigindo margem final de 3,11±2,35mm. Foram encontradas diferenças estatisticamente significantes entre a localização em diferentes áreas de alto risco (periocular, perioral, nariz, orelha) e o número de estágios da CMM necessários para a exérese completa (p=0,025), com tumores perioculares exigindo a maior média de estágios (2,29±0,95). A presença de características histopatológicas indicativas de comportamento agressivo influenciou significantemente o número de estágios da CMM (p=0,012). Não foi encontrada relação significante entre as características clinicopatológicas e variação nas margens cirúrgicas finais, apenas algumas tendências (pacientes do sexo masculino, tumores persistentes, perioculares e histopatologia de alto risco exigiram margens maiores). Nem a idade do paciente, nem a dimensão do tumor apresentaram correlação significante com o número de estágios da CMM e margens cirúrgicas finais.
Limitações do estudoAs limitações deste estudo incluem sua natureza de centro único com pequeno tamanho de amostra, o que limita o valor das conclusões.
ConclusãoOs principais fatores relacionados ao maior número de estágios da CMM foram a localização periocular e o subtipo histopatológico de alto risco do tumor.
A cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) é uma técnica que possibilita o controle microscópico intraoperatório das margens cirúrgicas, e é uma boa opção de tratamento quando a conservação do tecido é necessária por motivos estéticos ou funcionais.1 Além disso, os carcinomas basocelulares (CBCs) localizados em áreas de alto risco são preferencialmente tratados por CMM.2 Um estudo italiano recente avaliou a taxa de recorrência de CBCs de alto risco de cabeça e pescoço comparando a CMM com a exérese cirúrgica convencional e confirmou a tendência já relatada na literatura de que a CMM é a melhor opção de tratamento para CBCs de alto risco que surgem na região da cabeça e pescoço ou são recorrentes, com uma taxa de recorrência de 3,1% com CMM versus 14% com a cirurgia tradicional (p <0,00001).3
Estudos anteriores mostraram que as características do tumor e do paciente podem prever um número maior de estágios necessários para obter margens livres.4,5 Subtipos histopatológicos agressivos, como micronodular, infiltrativo e esclerodermiforme, são fatores bem conhecidos para um maior número de estágios e maiores margens livres de neoplasia.6 Em um estudo muito recente, Cerci et al. concluíram que não apenas os subtipos histopatológicos micronodular, infiltrativo e esclerodermiforme estavam associados a margens maiores, mas também o subtipo superficial (em virtude da maior extensão subclínica); enquanto tumores clinicamente bem definidos e pequenos necessitavam de margens menores, com tumores medindo <6mm, mostrando uma taxa de margem livre de neoplasia 96% com margens de 3mm; o tamanho pré‐operatório do tumor foi um preditor significativo de margens maiores e maior número de estágios da CMM.7 Outro estudo retrospectivo recente avaliou as características do carcinoma basocelular com grande extensão subclínica (BCC‐LSE; do inglês, basal cell carcinoma with large subclinical extension), um tumor cuja extensa disseminação torna‐se aparente durante a revisão histopatológica da cirurgia de Mohs. De um total de 2.044 casos que preencheram os critérios de BCC‐LSE (definidos como uma lesão que requer pelo menos três estágios de Mohs e uma margem cirúrgica final ≥ 10mm), sexo masculino (p=0,05), tipo de pele Fitzpatrick I (p=0,002), história de CBC prévio (p=0,003) e subtipos basoescamoso, metatípico, micronodular, infiltrativo, esclerodermiforme e esclerosante (p=0,005) permaneceram preditores significativos de BCC‐LSE.5
Embora a CMM tenha demonstrado ser poupadora de tecido, poucos estudos correlacionaram as margens necessárias para obter uma margem livre de neoplasia às características do tumor.7 Recentemente, Ariza et al. demonstraram que uma margem de ressecção de 4mm foi suficiente para erradicar completamente o tumor em 99% dos casos de CBCs faciais primários pequenos (≤ 6mm), mesmo com padrões histopatológicos agressivos (micronodular, infiltrativo ou esclerodermiforme). Margens menores que 2 e 3mm obtiveram a exérese completa da lesão em 73,9% e 94,4% dos casos, respectivamente.8
ObjetivosO objetivo principal deste estudo é correlacionar as variáveis clinicopatológicas dos pacientes e dos tumores com o número de estágios da CMM necessários para a eliminação total do tumor. Como desfecho secundário, pretende‐se correlacionar as mesmas variáveis com as margens cirúrgicas finais necessárias.
MétodosForam estudados retrospectivamente os CBCs tratados por CMM no departamento onde o estudo foi realizado, em um período de dois anos, de julho de 2018 a julho de 2020. Os dados foram coletados prospectivamente em cada procedimento e incluíram características do paciente (sexo, idade e estado imunológico), características do tumor (localização, tumor primário/recorrente/persistente ou previamente submetido a exérese incompleta, tamanho, subtipo histopatológico, presença de invasão perineural) e características cirúrgicas (número de estágios cirúrgicos e margens cirúrgicas globais necessárias para alcançar exérese completa). As margens cirúrgicas globais são definidas como a quantidade de tecido excisado além dos limites clínicos do tumor, e são expressas em milímetros.
A localização do tumor foi estratificada pelo risco de recorrência de acordo com a classificação da National Comprehensive Cancer Network (NCCN) como de alto, moderado e baixo risco.2 Em seguida, quatro grandes áreas de alto risco foram analisadas e comparadas (isto é, periocular, nariz, perioral, orelha).
Os CBCs foram classificados, de acordo com os subtipos histopatológicos, em baixo risco (superficial, nodular, trabecular e “misto de baixo risco”) e alto risco (micronodular, infiltrativo, esclerodermiforme, metatípico e “misto de alto risco”). Quando mais de um subtipo estava presente, o CBC foi classificado com base no subtipo mais agressivo, em um dos dois grupos: “misto de alto risco” (quando pelo menos um subtipo agressivo estava presente) ou “misto de baixo risco” (quando todos os subtipos eram de baixo risco).
Quando um tumor apresentou invasão perineural ou um subtipo histopatológico de alto risco, foi classificado como tendo uma histopatologia agressiva ou critérios de alto risco.
Tanto a lesão quanto o defeito cirúrgico final após a CMM foram medidos, com comprimento e largura relatados em milímetros. Em seguida, os diâmetros foram calculados como a média de comprimento e largura para defeito (D) e lesão (d). A margem cirúrgica final necessária (m) foi calculada como a diferença entre o diâmetro final do defeito (D) e o diâmetro da lesão (d) –figura 1. As medidas foram realizadas por uma equipe fixa de cirurgiões com especialização na cirurgia de Mohs e com experiência nessa área, utilizando o mesmo método.
Estimativa das margens cirúrgicas finais com base nas medidas da lesão e do defeito. Tanto as lesões quanto os defeitos foram medidos em seu comprimento e largura. As médias foram obtidas. A margem cirúrgica (m) é então calculada como metade da diferença entre os diâmetros da lesão e do defeito (d, D). Adaptada de Schell AE et al. 11 Suggested excisional margins for cutaneous malignant lesions based on Mohs micrographic surgery.
Os dados foram analisados pelo software SPSS versão 25 (Armonk, NY: IBM Corp.) Após verificar a distribuição não normal das variáveis, foram realizados os testes de Mann‐Whitney e Kruskal‐Wallis para comparar o número de estágios da CMM e as margens finais com outras variáveis clinicopatológicas, seguido de análise post‐hoc para comparações múltiplas. A correlação de Spearman foi utilizada para correlacionar as variáveis quantitativas. Um modelo de regressão linear foi utilizado para listar os preditores mais associados ao número de tempos de cirurgia. Na estatística descritiva, os dados qualitativos são apresentados como porcentagem (%) e número (n), e os dados quantitativos com média e desvio padrão, quando desejável. O nível de significância foi estabelecido em p ≤ 0,05.
Todos os pacientes assinaram um termo de consentimento livre e informado dando permissão para o uso desses dados, e a pesquisa foi conduzida de acordo com o Comitê de Ética local.
Resultados- 1)
Caracterização da população e dos tumores
Foram incluídos 116 CBCs, em 113 pacientes (60 mulheres e 53 homens) com média de idade de 70 anos (variação de 31 a 92), em uma população majoritariamente não imunossuprimida (87,9%). Em média, os CBCs mediam 14,66mm (intervalo 4‐58mm) e quase todos estavam localizados em áreas de alto risco (94,8%, n=110), principalmente no nariz (n=77; tabela 1). A maioria dos CBCs era de tumores primários (63,8%, n=74), 24,1% (n=28) eram recorrentes e 12,1% (n=14) eram CBCs persistentes (anteriormente submetidos a exérese incompleta). A maioria deles apresentava pelo menos um critério histopatológico de alto risco (74,1%, n=86) relacionado a um subtipo histopatológico agressivo em 73,3% (n=85) ou invasão perineural em 3,4% (n=4).
Distribuição dos CBCs tratados por CMM por área anatômica e subtipo histopatológico
Variável | Frequência (n) | Porcentagem (%) |
---|---|---|
Localização | ||
Nariz | 77 | 66,4 |
Perioral | 11 | 9,5 |
Orelha | 8 | 6,9 |
Perioculara | 7 | 6 |
Região frontal | 4 | 3,4 |
Região temporal | 3 | 2,6 |
Queixo | 2 | 1,7 |
Região malar | 2 | 1,7 |
Extra‐facial | 2 | 1,7 |
Subtipo histopatológico | ||
Misto de alto riscob | 32 | 27,6 |
Infiltrativo | 26 | 22,4 |
Micronodular | 16 | 13,8 |
Nodular | 13 | 11,2 |
Misto de baixo riscob | 12 | 10,3 |
Metatípico | 6 | 5,2 |
Esclerodermiforme | 5 | 4,3 |
Trabecular | 4 | 3,4 |
Superficial | 2 | 1,7 |
Total | 116 | 100 |
Em relação aos subtipos histopatológicos de alto risco, o mais comum foi o infiltrativo (22,4%, n=26), seguido pelo micronodular (13,8%, n=16), metatípico (5,2%, n=6) e esclerodermiforme (4,3%, n=5); 32 casos (27,6%) eram mistos de alto risco (tabela 1).
- 2)
Relação entre variáveis clinicopatológicas e número de estágios da CMM
A maioria dos CBCs (61,2%, n=71) necessitou de um único estágio da cirurgia para remoção completa do tumor; 31,9% (n=37) precisaram de dois estágios, 5,2% (n=6) precisaram de três e apenas 0,9% (n=1) dos casos necessitou de quatro estágios, com média de 1,45 estágios (± 0,64). A tabela 2 resume a relação das variáveis clinicopatológicas com o número de estágios da CMM.
Relação das variáveis clinicopatológicas com o número de estágios da cirurgia micrográfica de Mohs (CMM) e margens cirúrgicas necessárias para a exérese total do tumor
Variável | Média dos estágios da CMM (± DP) | p‐valor | Margens cirúrgicas em mm (média ± DP) | p‐valor |
---|---|---|---|---|
Sexo | 0,063 | 0,985 | ||
Masculino | 1,56 (± 0,69) | 3,25 (± 2,79) | ||
Feminino | 1,35 (± 0,58) | 2,99 (± 1,95) | ||
Imunossupressão | 0,838 | 0,969 | ||
Sim | 1,50 (± 0,85) | 3,00 (± 2,09) | ||
Não | 1,46 (± 0,63) | 3,14 (± 2,41) | ||
Tumor primário | 1,38 (± 0,51) | 0,279 | 2,68 (± 1,56) | 0,234 |
Tumor recorrente | 1,43 (± 0,63) | 3,71 (± 3,29) | ||
Tumor persistente | 1,86 (± 1,03) | 4,27 (± 3,29) | ||
Localização/subunidade | 0,025a | 0,811 | ||
Periocular | 2,29 (± 0,95) | 4,55 (± 3,79) | ||
Nariz | 1,42 (± 0,59) | 2,80 (± 1,72) | ||
Perioral | 1,36 (± 0,67) | 2,93 (± 2,09) | ||
Orelha | 1,25 (± 0,46) | 2,36 (± 1,07) | ||
Histopatologia agressivaa | 0,012a | 0,837 | ||
Sim | 1,54 (± 0,68) | 3,23 (± 2,60) | ||
Não | 1,20 (± 0,41) | 2,72 (± 1,31) | ||
Subtipo histopatológico | 0,008a | 0,933 | ||
Alto risco | 1,55 (± 0,68) | 3,23 (± 2,62) | ||
MN | 1,44 (± 0,63) | 2,87 (± 1,88) | ||
I | 1,60 (± 0,71) | 3,75 (± 2,36) | ||
ESC | 1,40 (± 0,55) | 4,50 (± 3,25) | ||
MT | 1,17 (± 0,41) | 1,80 (± 1,28) | ||
MAR | 1,66 (± 0,75) | 3,05 (± 3,09) | ||
Baixo risco | 1,19 (± 0,40) | 2,74 (± 1,29) | ||
S | 1,50 (± 0,71) | 2,88 (± 0,88) | ||
N | 1,31 (± 0,48) | 2,84 (± 1,74) | ||
T | 1,25 (± 0,50) | 2,50 (± 0,87) | ||
MBR | 1,00 (± 0,00) |
mm, milímetros; DP, desvio padrão; MN, micronodular; I, infiltrativo; ESC, esclerodermiforme; MT, metatípico; MAR, misto de alto risco; S, superficial; N, nodular; T, trabecular; MBR, misto de baixo risco.
Embora os homens tenham exigido mais estágios do que as mulheres (média de 1,56 versus 1,35), isso não foi estatisticamente significativo (p=0,063). A idade e o tamanho do tumor não pareceram se correlacionar com o número de estágios necessários (r=‐0,035, p=0,707; r=0,104, p=0,271). Mesmo quando foram comparados tumores> 20mm com aqueles ≤ 20mm, não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas (p=0,263), embora aqueles com d> 20mm necessitassem de maior média de estágios cirúrgicos (1,55 versus 1,42). Os imunossuprimidos apresentaram maior média de estágios da CMM (1,50±0,85) do que os imunocompetentes (1,46±0,63), embora isso não fosse estatisticamente significativo (p=0,838). Tumores persistentes tiveram a maior média de estágios cirúrgicos necessários (1,86), seguidos de tumores recorrentes (1,43) e primários (1,38), embora essas diferenças não tenham significância estatística (p=0,279).
Ao comparar as subunidades de alto risco, ou seja, área periocular, nariz, área perioral e orelha, foi observada uma diferença estatisticamente significativa no número de estágios da CMM necessários para a exérese completa (p=0,025). A tabela 3 mostra quais grupos específicos evidenciaram uma diferença estatisticamente significativa.
Influência da localização dos CBCs no número de estágios necessários da CMM, comparando diferentes subunidades de alto risco (área periocular, nariz, área perioral e orelha)
Localização | Média dos estágios da CMM (± DP) | p‐valor |
---|---|---|
Periocular | 2,29 (± 0,95) | |
Periocular * orelha | 2,29 * 1,25 | 0,048a |
Periocular * nariz | 2,29 * 1,42 | 0,027a |
Periocular * perioral | 2,29 * 1,36 | 0,054a |
Nariz | 1,42 (± 0,59) | |
Nariz * orelha | 1,42 * 1,25 | 1,000 |
Nariz * perioral | 1,42 * 1,36 | 1,000 |
Perioral | 1,36 (± 0,67) | |
Perioral * orelha | 1,36 * 1,25 | 1,000 |
Orelha | 1,25 (± 0,46) |
O nível de significância é 0,05 (valor em negritoa). Os valores de significância foram ajustados pela correção de Bonferroni para múltiplos testes.
Considerando os aspectos histopatológicos, ter uma histopatologia agressiva (subtipo de alto risco ou invasão perineural) influenciou de maneira significativa o número de estágios da CMM (p=0,012). Além disso, ao comparar os subtipos histopatológicos de alto risco e baixo risco, também foi encontrada diferença estatisticamente significativa (p=0,008), com subtipos de alto risco exigindo mais estágios cirúrgicos (média de 1,55) do que os subtipos de baixo risco (média de 1,19).
Ao realizar uma análise multivariada com modelo de regressão linear, concluiu‐se que o número de estágios da CMM foi influenciado principalmente pela localização periocular do tumor (p <0,001) e pelo subtipo histopatológico de alto risco (p=0,004). Ou seja, em tumores perioculares, o número de estágios da CMM aumenta em média 0,89 vez. Nos subtipos histopatológicos de alto risco, o número de estágios da CMM aumenta em média 0,36 vez.
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Correlação das variáveis clinicopatológicas com as margens cirúrgicas
O diâmetro médio do defeito cirúrgico final (D) foi de 20,75mm (variação 6,5–60), com média de 3,11mm para as margens cirúrgicas finais necessárias (m).
Não foi encontrada uma relação significante entre as características clínicas ou histopatológicas estudadas e a variação das margens cirúrgicas finais (tabela 2).
Embora os homens necessitassem de margens maiores para a remoção completa do tumor do que as mulheres (média de 3,25 versus 2,99mm), isso não foi estatisticamente significativo (p=0,985). Nem a idade do paciente, nem a dimensão do tumor se correlacionaram de maneira significativa com as margens cirúrgicas finais (r=−0,118, p=0,227; r=0,029, p=0,766). Tumores> 20mm exigiram margens cirúrgicas maiores (média 4,22mm) do que aqueles medindo ≤ 20mm (média 2,88mm), mas novamente sem significância estatística (p=0,166).
Tumores persistentes apresentaram a maior média de margens cirúrgicas necessárias para exérese completa (4,27mm), seguidos de tumores recorrentes (3,71mm) e primários (2,68mm), embora essas diferenças não tenham demonstrado significância estatística (p=0,234).
Tumores na região periocular necessitaram das maiores margens (média de 4,55mm), seguidos de tumores na região perioral (média de 2,93mm), nariz (média de 2,80mm) e orelha (média de 2,36mm), embora as diferenças não tenham sido estatisticamente significativas (p=0,811).
Margens cirúrgicas maiores foram necessárias quando havia critérios histopatológicos de alto risco (média 3,23 versus 2,72mm), mas isso não foi estatisticamente significativo (p=0,837). Além disso, apesar de não haver significância estatística (p=0,936), as margens aumentam com o aumento do número de critérios histopatológicos de alto risco, com média de 2,74mm se não houver fatores de risco histopatológicos, 3,23mm se houver e 3,33mm quando há dois fatores. Comparando os subtipos histopatológicos de alto e baixo risco, houve diferenças (subtipos de alto risco levaram a um aumento médio de margem de 3,23mm, enquanto os de baixo risco, de 2,74mm), mas não foram estatisticamente significativas (p=0,933).
4) Aspectos cirúrgicos
A redução do volume tumoral (debulking) foi realizada em quase todos os casos (87,1%, n=101). A maioria dos defeitos cirúrgicos necessitou de retalho para reconstrução (79,3%, n=92), principalmente de avanço (40,5%, n=47), seguido de transposição (30,2%, n=35) e rotação (8,6%, n=10). Em 12 pacientes (10,3%) foi possível o fechamento direto; em sete (6%) foi utilizado enxerto de pele de espessura total; em um (0,9%) utilizou‐se enxerto composto; e quatro defeitos cirúrgicos (3,4%) foram submetidos à cicatrização por segunda intenção. Foi encontrada uma taxa de recorrência de 1,7% (n=2), com tempo médio de seguimento de 13,37 meses (variação 2‐27).
DiscussãoO presente estudo teve como objetivo correlacionar as características clinicopatológicas pré‐operatórias dos CBCs com o número de estágios da CMM (desfecho primário) e a extensão das margens cirúrgicas pós‐operatórias (desfecho secundário) necessários para a eliminação total do tumor. Idealmente, isso poderia ajudar a identificar quais tumores devem ser submetidos a um procedimento cirúrgico mais cuidadoso e, eventualmente, maiores margens iniciais na CMM. Em relação ao número de estágios da CMM, foi encontrada uma associação significativa com subtipo histopatológico de alto risco, histopatologia agressiva e localização. Entretanto, em relação à margem lateral final, foi encontrada apenas uma tendência para seu aumento com algumas variáveis.
A maioria dos CBCs submetidos à CMM no presente estudo mediam> 1mm, estavam localizados principalmente em áreas de alto risco ou apresentavam pelo menos um critério histopatológico de alto risco, o que está de acordo com as principais indicações para esse tipo de cirurgia.9
Na maioria dos casos, foi necessário apenas um estágio da CMM. Os homens necessitaram de mais estágios do que as mulheres, aproximando‐se da significância estatística (p=0,063), embora sem alcançá‐la. Imunossupressão, idade do paciente e tamanho do tumor não influenciaram de maneira significativa o número de estágios da CMM na presente amostra. Isso está em desacordo com outros estudos, nos quais o tamanho pré‐operatório do tumor foi um preditor significativo de margens maiores e número de estágios, especialmente quando> 20mm.7,10,11
Embora sem significância estatística, os tumores persistentes tiveram a maior média de estágios cirúrgicos necessários, seguidos por tumores recorrentes e primários. Outros estudos também mostraram que tumores recorrentes precisam de mais estágios cirúrgicos do que os primários, mas não avaliaram tumores persistentes.10,11
Em relação à localização de alto risco, há uma diferença estatisticamente significativa em relação ao número de estágios entre os tumores localizados na região periocular e aqueles localizados na orelha, nariz ou área perioral – os CBCs perioculares requerem mais estágios de cirurgia. Embora a localização em áreas de alto risco tenha se mostrado associada a maior número de estágios em estudos anteriores,4,5,7 a especificação e a comparação entre várias áreas de alto risco são mais raramente mencionadas na literatura.
Ter uma histopatologia agressiva (seja subtipo de alto risco ou invasão perineural) influenciou de maneira significativa o número de estágios da CMM, e os subtipos de alto risco (micronodular, infiltrativo, esclerodermiforme, metatípico e “misto de alto risco”) exigiram mais estágios cirúrgicos do que os de baixo risco (superficial, nodular, trabecular e “misto de baixo risco”), o que está de acordo com outros estudos.6 Ao avaliar os subtipos histopatológicos de baixo risco, os CBCs superficiais apresentaram a maior média de estágios da CMM. Isso está de acordo com um estudo recente de Cerci et al., que mostrou que não apenas os subtipos micronodular, infiltrativo e esclerodermiforme, mas também o superficial, estavam associados a margens maiores, concluindo que os CBCs superficiais tinham maior extensão subclínica, levando a margens maiores e mais estágios cirúrgicos.7 Além disso, em 2013, um grupo de dermatologistas e cirurgiões de cabeça e pescoço categorizou os CBCs superficiais como grupo histopatológico de alto risco em virtude de seu padrão de crescimento irregular, acarretando um maior risco de exérese incompleta.11
Também foi avaliada a influência dos mesmos fatores clinicopatológicos nas margens cirúrgicas necessárias para a remoção tumoral, mas não foi encontrada uma relação estatisticamente significativa entre eles, apenas algumas tendências.
Pode‐se imaginar os tumores e defeitos cirúrgicos como perfeitamente redondos, mas na prática isso raramente acontece. A configuração do defeito final costuma ser diferente da do tumor primário, e os incrementos em comprimento e largura nem sempre são harmoniosos ou simétricos, o que torna essa avaliação particularmente difícil. Além disso, deve‐se levar em consideração que a técnica utilizada para medir as margens de exérese varia muito entre os autores, e é especialmente difícil avaliá‐la com precisão.
Apesar disso, na literatura, Cerci et al. recentemente descobriram que CBCs medindo <6mm tinham uma taxa de eliminação de 96% com margens ≤ 3mm. Eles também descobriram que os subtipos histopatológicos superficial, micronodular, infiltrativo e esclerodermiforme estavam associados a margens maiores (média de 3,1, 3,9, 2,7 e 4mm, respectivamente), enquanto tumores clinicamente bem definidos foram associados a margens menores (média de 1,9mm versus 2,9mm para tumores mal definidos). Curiosamente, entretanto, a localização em áreas de alto risco não foi associada de maneira significante a margens maiores.7
Em outro estudo recente com 306 CBCs pequenos e agressivos na face (definidos como tumores com <6mm na área H e <10mm na área M), as margens necessárias para a eliminação do tumor também foram avaliadas. Eles também descobriram que 94,9% dos tumores medindo <6mm foram eliminados com margens de 3mm e que uma margem de ressecção de 4mm foi suficiente para realizar a exérese completa da lesão em 99% dos casos de pequenos CBCs faciais primários com subtipos histopatológicos agressivos.8
Em um estudo anterior de Schell et al. incluindo 385 CBCs, margens médias de 2,4mm e 3,7mm foram encontradas para tumores de baixo e alto risco, respectivamente, com margens de 4,75mm e 8mm atingindo 95% de eliminação do tumor.11
Observou‐se uma taxa de recidiva menor do que aquela relatada na literatura (3,1%‐4,9%),3,12,13 o que não deve ser valorizado em razão do curto tempo de seguimento dos pacientes do presente estudo no momento em que o artigo estava sendo escrito.
Importância do estudo e novidadesA importância do presente estudo reside em sua relevância clínica, uma vez que correlacionar as características clinicopatológicas pré‐operatórias com ambos os estágios da CMM e as margens cirúrgicas pós‐operatórias pode ajudar a prever quais tumores irão necessitar de um procedimento cirúrgico mais cuidadoso e, de maneira ideal, orientar as margens cirúrgicas iniciais na CMM. Isso poderia ajudar a evitar tempos cirúrgicos prolongados, reduzindo não apenas a morbidade cirúrgica, mas também o tempo e os custos. A CMM é uma técnica cirúrgica altamente especializada e muito útil, mas demorada14 e que requer treinamento, pessoal e equipamentos especializados, o que acarreta custos aumentados quando são necessários tempos cirúrgicos extras.
No presente estudo, os principais fatores relacionados ao maior número de estágios da CMM foram a localização periocular do tumor, ter uma histopatologia agressiva e subtipos histopatológicos de alto risco. Além disso, na literatura há poucos estudos abordando as margens necessárias para a remoção completa do CBC utilizando a CMM. Em relação a esse aspecto, entretanto, não foi encontrada nenhuma variável capaz de predizer esse aumento, o que pode decorrer das limitações do estudo. No presente estudo, a localização em áreas de alto risco foi associada a maior número de estágios, o que confirma o que havia sido relatado anteriormente na literatura. O que é novo é a diferença estatisticamente significativa no número de estágios entre tumores localizados na região periocular e tumores localizados na orelha, nariz ou área perioral (todos considerados áreas de alto risco), com CBCs perioculares exigindo mais estágios de cirurgia.
Além disso, até onde foi possível investigar na literatura, a maioria dos estudos compara tumores primários e recorrentes, mas não avalia os persistentes (tumores anteriormente submetidos a exérese incompleta). Na presente amostra, os tumores persistentes apresentaram a maior média de estágios cirúrgicos necessários, seguidos pelos tumores recorrentes e primários, mas sem significância estatística.
Limitações do estudoAs limitações do presente estudo incluem sua natureza de centro único com um pequeno tamanho amostral, o que limita o valor das conclusões.
Além disso, como explicado anteriormente, o método utilizado para medir os tumores e defeitos cirúrgicos não é preciso e difere de outros métodos utilizados na literatura (p. ex., muitos autores utilizam o eixo principal da lesão em vez da média de comprimento e largura). Isso pode explicar, pelo menos em parte, as dificuldades encontradas em estabelecer relações estatisticamente significativas em relação às margens cirúrgicas finais. No futuro será útil encontrar um método mais preciso e universal para se obter essas medidas, que devem, de maneira ideal, incluir a profundidade da lesão, dando‐lhe uma visão tridimensional (3D), mais próxima da realidade.
ConclusãoNo presente estudo, os principais fatores relacionados ao maior número de estágios da CMM foram a localização periocular do tumor e os subtipos histopatológicos de alto risco (micronodular, infiltrativo, esclerodermiforme, metatípico e “misto de alto risco”). Nenhum dos outros fatores estudados mostrou influenciar estatisticamente o número de estágios da CMM. Não foi encontrada nenhuma variável capaz de predizer o aumento da margem final necessária para a exérese completa, o que pode ser decorrente do tamanho relativamente pequeno da amostra do estudo ou da limitação técnica da medida do incremento de margem. Estudos prospectivos maiores seriam benéficos para corroborar esses resultados.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJoana Calvão: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica da literatura; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; análise estatística; concepção e planejamento do estudo.
André Pinho: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; análise estatística; concepção e planejamento do estudo.
Ana Brinca: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Ricardo Vieira: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; concepção e planejamento do estudo.
Conflito de interessesNenhum.
AgradecimentosOs autores agradecem à Dra. Margarida Marques por sua ajuda com a análise estatística.
Como citar este artigo: Calvão J, Pinho A, Brinca A, Vieira R. Clinicopathological factors influencing the number of stages of Mohs surgery for basal cell carcinoma. An Bras Dermatol. 2022; https://doi.org/10.1016/j.abd.2021.08.007
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Coimbra University Hospital, Coimbra, Portugal.