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Vol. 99. Issue 2.
Pages 259-268 (1 March 2024)
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Efeitos adversos da corticoterapia sistêmica crônica: o que o dermatologista deve saber
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Lucas Campos Prudente Tavares
Corresponding author
lucasptavares@gmail.com

Autor para correspondência.
, Lívia de Vasconcelos Nasser Caetano, Mayra Ianhez
Serviço de Dermatologia, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil
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Tabela 1. Principais fatores de risco, profilaxia e monitoramento do diabetes mellitus induzido por glicocorticoides
Tabela 2. Recomendações para o desmane de glicocorticoides de acordo com a dose diária de prednisona
Tabela 3. Principais fatores de risco, profilaxia e monitoramento da osteoporose induzida por glicocorticoides
Tabela 4. Recomendações para o rastreio infeccioso, profilaxia e vacinação na corticoterapia sistêmica crônica
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Resumo

Na prática clínica cotidiana dos dermatologistas, o uso de glicocorticoides sistêmicos é recorrente para o manejo de diferentes comorbidades que exigem imunossupressão crônica. A prescrição dessa medicação demanda cautela e conhecimento clínico básico em virtude dos vários efeitos adversos inerentes ao tratamento. No entanto, diferentes dúvidas podem surgir ou condutas inadequadas podem ser adotadas em decorrência da escassez de orientações objetivas e específicas para o rastreio, profilaxia e manejo das complicações advindas da corticoterapia crônica. Diante desse problema, os autores realizaram revisão narrativa da literatura a fim de reunir dados atuais sobre os efeitos adversos secundários ao uso crônico de glicocorticoides sistêmicos. A abordagem ampla desse tema possibilitou revisar a fisiopatologia e fatores de risco dessas complicações, bem como elaborar orientações atualizadas que sirvam como ferramenta de aprendizado e consulta rápida para o dermatologista durante sua prática clínica com glicocorticoides.

Palavras‐chave:
Efeitos colaterais e reações adversas relacionados a medicamentos
Fatores de risco
Glicocorticoides
Monitoramento de medicamentos
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Introdução

Os glicocorticoides (GC) são substâncias indicadas para o tratamento de inúmeras doenças em virtude de suas propriedades anti‐inflamatórias e imunossupressores. Podem ser prescritos por médicos generalistas em centros de saúde primária para o tratamento de doenças comuns, e por médicos especialistas para o manejo ambulatorial de doenças mais complexas, para pacientes hospitalizados ou críticos em unidades de saúde intensiva. GC são frequente e amplamente utilizados na Medicina desde a década de 1950, com os primeiros relatos que demonstraram sua eficácia no tratamento da artrite reumatoide. A descoberta dessa classe de medicação foi tão revolucionária para a ciência que Edward Kendall, Tadeusz Reichstein e Philip Hench receberam o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia após isolarem a cortisona, o que possibilitou seu uso medicinal.1,2

Apesar do reconhecido benefício dos GC, seu uso pode acarretar efeitos adversos graves em diferentes órgãos, e tal risco pode chegar a 90% em pacientes que fazem uso da substância por mais de 60 dias. Efeitos adversos são bastante variáveis e dependem da duração do tratamento, da via de administração e podem ocorrer até mesmo com baixas doses de GC.1 Ganho ponderal, hiperglicemia, diabetes mellitus (DM), supressão adrenal, osteoporose, alterações dermatológicas, complicações cardiovasculares, catarata, glaucoma, úlcera péptica, miopatia, propensão a infecções e alterações neuropsiquiátricas são os principais efeitos adversos possíveis em paciente sob corticoterapia crônica sistêmica relatados em literatura. Os possíveis eventos adversos devem ser prontamente conhecidos pelo médico desde o início do tratamento, a fim de minimizar o impacto desses medicamentos na saúde do paciente.1,3,4

Objetivo

Na prática cotidiana da Dermatologia, muitas condições clínicas demandam o uso crônico de GC, especialmente as dermatoses bolhosas e as doenças autoimunes. No momento que é definido o uso crônico dessa medicação, é imperativo que o prescritor tenha conhecimento dos diferentes efeitos adversos, seus fatores de risco, bem como medidas profiláticas, tratamento e necessidade de monitoramento em conjunto com outros especialistas. O objetivo deste estudo é trazer revisão narrativa de literatura que exponha os principais efeitos adversos desses fármacos e auxilie a responder três rincipais dúvidas que um dermatologista pode ter ao manejar um paciente em corticoterapia crônica sistêmica: quais os principais fatores de risco para determinada complicação? Há medidas profiláticas? Com qual frequência deve‐se rastrear tais complicações?

Metodologia

Para esta revisão narrativa de literatura, foi utilizado o banco de dados científico MEDLINE por meio da ferramenta de pesquisa PubMed. Foram pesquisados artigos publicados entre os anos de 2015 a 2021 e indexados com os termos Mesh “Glucocorticoids [Mesh] AND Glucocorticoids/adverse effects [Majr]”. Isso resultou num total de 1.244 trabalhos. Em seguida, os autores leram os resumos, um por um, e 89 artigos foram pré‐selecionados para leitura completa. Excluímos artigos que abordavam o uso de GC por outras vias que não a sistêmica, artigos focados em doenças específicas ou pouco relacionados ao uso de GC. Em seguida, dos 89 artigos pré‐selecionados, excluímos aqueles em línguas que não fossem inglesa ou portuguesa, artigos indisponíveis para leitura na íntegra e ensaios e revisões focados em tratamentos muito específicos. O processo de seleção foi feito de maneira conjunta e não houve discordância entre os autores. Por fim, 38 trabalhos foram incluídos nesta revisão.

Definições

Quanto à duração do tratamento, pode‐se considerar curto tempo se menor que três meses, longo tempo ou crônico maior que seis meses, e tempo intermediário se entre três e seis meses. A potência de um GC sistêmico pode ser definida de acordo com a afinidade com seu receptor intracelular e o tempo de ação. Dentre os principais fármacos usados na prática, hidrocortisona é de curta ação (8–12 horas); prednisona, prednisolona, metilprednisolona e triancinolona são de ação intermediária (12–36 horas); e betametasona e dexametasona são de longa ação (36–72 horas).3 O grupo de experts da European League Against Rheumatism (EULAR) reforça que o nível de malefício propiciado pelo uso crônico de GC está diretamente associado à dose e às características individuais de cada paciente. Foi estabelecido como baixo risco de efeitos adversos pacientes que fazem uso crônico de GC na dose diária equivalente a ≤ 5mg de prednisona, e risco elevado se a dose diária for ≥ 10mg. Nas doses diárias intermediárias entre 5 e 10mg, o risco depende de caraterísticas específicas do paciente.4

Hiperglicemia e DM

GC exercem ação importante sobre o metabolismo de carboidratos. Eles agem diretamente nas células β pancreáticas, reduzindo sua viabilidade e inibindo a secreção de insulina. Nos tecidos periféricos, os GC aumentam a resistência à insulina e, no fígado, estimulam a gliconeogênese. Desse modo, favorecem o ganho ponderal, causam estado hiperglicêmico importante e induzem ou agravam a DM.1,5,6

A hiperglicemia induzida por GC pode surgir precocemente, por volta da segunda semana.6 É marcada pelo aumento dos níveis séricos de glicose, especialmente a glicemia pós‐prandial; esse é um dos principais indicadores de DM induzida por GC.7 Os principais fatores de risco associados à hiperglicemia/DM induzida por GC são: obesidade, idade avançada, predisposição genética e inflamação crônica.2,4,7 Tabagismo, hipertensão arterial e níveis altos de hemoglobina glicada também já foram citados como fatores de risco.8

É fundamental que o paciente em uso de GC seja orientado por seu médico sobre o risco de hiperglicemia e os sinais/sintomas de suspeita de DM (poliúria, polidipsia, polifagia). Mudança de hábitos de vida que incluam dietas saudáveis, perda de peso e atividade física deve ser enfatizada.4,7 O monitoramento da glicemia do paciente é mandatório e deve ser feito em conjunto com o médico da família ou endocrinologista. Embora na literatura não haja recomendações específicas sobre a frequência desse monitoramento, deve‐se considerar analisar a hemoglobina glicada antes do tratamento e, se alterada, avançar na investigação de DM e reforçar o monitoramento durante todo o tratamento.7 Recomenda‐se também que o paciente tenha rotina de testar sua glicemia capilar, sobretudo no período pós‐prandial.6 Caplan et al. orientam que esses pacientes verifiquem a glicemia capilar no período da tarde, duas a três vezes por semana. Valores acima de 200mg/dL são um alerta para novas medidas terapêuticas.7 Nesta revisão, não foram encontrados dados específicos ou guidelines que determinem com que frequência deve ser feito rastreio laboratorial para DM durante o tratamento com GC. Na prática clínica dos autores, o rastreio é feito no primeiro mês e, em seguida, pelo menos a cada seis meses, em virtude do caráter insidioso de desenvolvimento da resistência insulínica. A tabela 1 resume as principais considerações sobre DM induzido por GC.

Tabela 1.

Principais fatores de risco, profilaxia e monitoramento do diabetes mellitus induzido por glicocorticoides

Principais fatores de risco  Obesidade, idade avançada, predisposição genética, inflamação crônica, tabagismo, hipertensão arterial, níveis altos de hemoglobina glicada 
Medidas profiláticas• Dieta saudável e atividade física 
• Metformina pode ser útil 
Monitoramento• Hemoglobina glicada no início do tratamento 
• Rastreio laboratorial pelo menos a cada seis meses 
• Avaliação de sinais e sintomas de DM 
• Glicemia capilar no período da tarde pelo menos duas a três vezes por semana 
• Acompanhamento conjunto com endocrinologista, se necessário 

DM, diabetes mellitus.

Diferentes medicações estão disponíveis para o tratamento da hiperglicemia induzida por GC, porém há poucas recomendações que determinem a melhor escolha e, por isso, o paciente deve ser tratado em conjunto com o médico clínico geral ou endocrinologista.7 Muitos autores consideram a insulina o tratamento de eleição.6,8 Outros antidiabéticos, como metformina, sulfoniureias, tiazolidinedionas, inibidores de DPP‐4 e agonistas do GLP‐1, têm demonstrado certa eficácia em alguns estudos, embora para alguns autores esses fármacos não sejam tão eficazes em decorrência da importante resistência insulínica imposta pelos GC.6,9 Em um ensaio clínico randomizado, os autores demonstraram que o uso de metformina pode otimizar o controle glicêmico durante o tratamento com GC. Foram avaliados pacientes não diabéticos e que se submeteriam ao uso de GC em doses >7,5mg/dia por no mínimo quatro semanas. O uso de metformina na dose de 850mg/dia por uma semana, seguido de 850mg, 2×/dia por três semanas, demonstrou superioridade no controle glicêmico desses pacientes quando comparados ao grupo placebo, comprovado por exames laboratoriais após quatro semanas de tratamento (glicemia de jejum, teste oral de tolerância à glicose, índice HOMA e insulina de jejum). Apesar da pequena amostra de pacientes empregada, esses resultados representam um dado importante para medidas futuras quanto à prevenção de DM durante a corticoterapia.10

Alterações do tecido adiposo, ganho ponderal e síndrome de Cushing

No tecido adiposo, GC exercem tanto um efeito lipolítico quanto lipogênico, e é responsável por aumentar ácidos graxos livres, reduzir a gordura subcutânea e estimular a gordura visceral. Essas mudanças geram redistribuição da gordura corporal, induzem dislipidemia e aumentam o risco cardiovascular.1,5,6

Há poucos dados a respeito da dislipidemia induzida por GC e faltam guidelines específicos quanto a seu tratamento. Portanto, as medidas preventivas e de tratamento são a mesmas da prática clínica geral.6

O ganho ponderal no uso crônico de GC, apesar de pouco estudado, parece estar associado principalmente à dose e à duração do tratamento. Outros fatores de risco são sexo feminino, idade jovem e tabagismo.11 Apesar de pouco valorizado pelo médico, o ganho ponderal foi considerado um dos efeitos adversos de maior relevância por parte do paciente, como demostrado por Costello et al., podendo contribuir para a má adesão ao tratamento se não for levado em consideração.12

A síndrome de Cushing é caracterizada por achados clínicos clássicos que envolvem diferentes distúrbios metabólicos causados pelos GC: obesidade central, redistribuição da gordura corporal, giba de búfalo, fácies de lua cheia, acne, estrias, fraqueza muscular, fadiga, hipertensão arterial e resistência à insulina.1,7 Sua ocorrência está diretamente associada ao tempo de uso e dose de GC, sobretudo doses de prednisona acima de 7,5mg/dia. Seu manejo baseia‐se na redução da dose e duração do tratamento.7

Insuficiência suprarrenal

GC são mediadores finais do eixo hipotálamo‐hipófise‐suprarrenal. Quando em excesso, exercem efeito de feedback negativo no núcleo paraventricular do hipotálamo e na hipófise anterior, causando redução na secreção do hormônio liberador de corticotrofina e do hormônio adrenocorticotrófico. Como consequência, ocorre atrofia da zona reticulada e zona fasciculada da glândula suprarrenal, com redução da liberação de cortisol e androgênios.13

O risco de supressão da suprarrenal deve ser considerado em pacientes que utilizam doses diárias equivalentes de prednisona ≥ 20mg por três semanas ou mais, embora a resposta suprarrenal ao uso de GC possa ser variada entre os pacientes.7 Corticoterapia com uso noturno e doses diárias fracionadas também parecem ser fatores de risco para insuficiência suprarrenal.7,13 A suspenção abrupta ou o desmame muito rápido do GC em uso pode causar sintomas de insuficiência suprarrenal (síndrome de abstinência por GC): astenia, fadiga, náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, febre, artralgia, mialgia e emagrecimento. Em casos mais graves, pode ocorrer hipotensão, letargia, diminuição do nível de consciência, convulsões, hipoglicemia e coma (crise suprarrenal).7

Para se evitar insuficiência suprarrenal, o tratamento com GC para a doença de base do paciente deve ser na menor dose diária efetiva e ter a menor duração possível. Contudo, o desmame pode ser um desafio em virtude das características particulares do paciente e, principalmente, pela falta de dados da literatura que orientem desmame padronizado.7,13 O desmame deve ser individualizado, conforme julgamento clínico e evolução de cada paciente. Em casos de doença em atividade, o desmame deve ser mais lento.7 Em pacientes em uso de dexametasona, o GC deve ser convertido para dose equivalente de prednisona antes de iniciar o desmame. O desmame pode ser manejado com ou sem o auxílio da dosagem do cortisol sérico matinal. Prete recomenda que, em pacientes em uso de GC com doses acima de 40mg/dia, pode ser feito desmame rápido com redução semanal de 5–10mg da dose diária até atingir a dose de 20mg/dia; com doses entre 20 e 40mg/dia, a redução semanal deve ser de 5mg da dose diária até atingir a dose de 20mg/dia; quando a dose está entre 10 e 20mg/dia, o desmame deve ser mais lento, com redução semanal recomendada de 1–2,5mg da dose diária até atingir a dose de 10mg/dia; na dose entre 5 e 10mg/dia, recomenda‐se a redução semanal de 1mg da dose diária até atingir a dose de 5mg/dia; ao atingir essa dose diária, a suspensão só deve ser feita após documentação da recuperação da função suprarrenal com um teste laboratorial pela manhã em 24 horas sem uso de GC.13 Se não for possível documentar a recuperação suprarrenal com teste laboratorial, recomenda‐se que, ao atingir a dose de 5mg/dia, seja feita redução semanal de 1mg da dose diária até a suspensão.7 Todas essas recomendações estão resumidas na tabela 2.

Tabela 2.

Recomendações para o desmane de glicocorticoides de acordo com a dose diária de prednisona

≥ 40 mg/dia:  Redução semanal de 5–10 mg da dose diária até atingir 20 mg/dia 
20–40 mg/dia:  Redução semanal de 5 mg da dose diária até atingir 20 mg/dia 
10–20 mg/dia:  Redução semanal de 1–2,5 mg da dose diária até atingir 10 mg/dia 
5–10 mg/dia:  Redução semanal de 1mg da dose diária até atingir 5 mg/dia 
≤ 5 mg/dia:  Suspender apenas com a recuperação da função suprarrenal documentada com teste laboratorial pela manhã, 24 horas sem uso de corticoide.a Na ausência do teste, fazer redução semanal de 1 mg da dose diária até a suspensãob 
Recomendações• Individualizar o desmame conforme características do paciente e sua doença 
• Orientar o paciente sobre sintomas de insuficiência suprarrenal 
• Se sintomas de insuficiência adrenérgica, interromper desmame por duas a quatro semanas. Considerar apoio de endocrinologista 
a

Prete et al.13

b

Caplan et al.7

O paciente deve ser educado sobre os sinais de insuficiência suprarrenal quando iniciado o desmame. Caso ocorra, o desmame deve ser interrompido imediatamente e a dose do GC pode ser aumentada ou o paciente pode receber hidrocortisona temporariamente para melhora dos sintomas. O desmame pode ser retomado após 2–4 semanas e com o apoio de um endocrinologista.7 Novos GC de liberação modificada que mimetizam o metabolismo circadiano do cortisol têm sido testados e podem representar alternativa futura para se evitar a insuficiência suprarrenal iatrogênica.13

Osteoporose

Os GC interferem na saúde do tecido ósseo, tanto de maneira direta quanto indireta. Em excesso, inibem a osteoblastogênese e estimulam a apoptose de osteoblastos e osteócitos. Além disso, aumentam a reabsorção óssea por meio do estímulo da atividade de osteoclastos. Os efeitos indiretos sobre o metabolismo ósseo incluem: inibição do hormônio IGF1 (estimulante da formação óssea) e desequilíbrio na homeostasia do cálcio, por meio da redução na absorção intestinal e aumento na excreção renal do cálcio, o que com consequente hiperparatireoidismo secundário, estimula a reabsorção óssea.14,15 Assim, o uso crônico de GC reduz drasticamente a massa óssea em ossos trabeculares, principalmente corpos vertebrais, favorecendo a ocorrência de osteoporose e fraturas ósseas.1,16 Atualmente, é considerada a principal causa iatrogênica de osteoporose. Pode ocorrer em até 50% dos pacientes em corticoterapia crônica, e o risco de fraturas pode aumentar até 75% após os três primeiros meses de uso de GC.3

Tanto a dose cumulativa quanto a duração estão associadas ao risco de fraturas ósseas. Porém, doses tão baixas quanto 5mg/dia de prednisolona por tempo prolongado também já foram associadas a risco elevado de fraturas de vértebras e quadril.1 Outros importantes fatores de risco para osteoporose induzida por GC encontrados na literatura são: idade avançada, sexo feminino, baixo índice de massa corporal (IMC), baixa densidade mineral óssea (DMO), fraturas prévias, quedas, tabagismo, consumo abusivo de álcool, história familiar de osteoporose e hipovitaminose D.3,4

Todo paciente que inicia tratamento com GC previsto para ≥ 3 meses deve ser orientado sobre o risco de osteoporose e submetido ao rastreio clínico ao iniciar o tratamento.3 Recomenda‐se investigar os fatores de risco mencionados previamente, avaliar anualmente a DMO via exame de densitometria, dosagem sérica anual de 25‐hidróxi‐vitamina D, cálcio e creatinina e avaliação do risco de fratura.3,14 Após os 40 anos, o risco de fratura pode ser avaliado por meio do Fracture Risk Assessment Tool (FRAX), ferramenta disponível on‐line que estima a probabilidade em 10 anos de o paciente sofrer fratura com base em diferentes variáveis de risco.3

Como medida preventiva, é fundamental que o paciente tenha ingesta diária adequada de cálcio e vitamina D. O American College of Rheumatology orienta ingesta de 1.000–1.200mg/dia de cálcio e 600–800 UI/dia de vitamina D.17 Esse mesmo grupo recomenda que o nível sérico de 25‐hidróxi‐vitamina D seja mantido acima de 20 ng/mL, embora outras sociedades recomendem acima de 30 ng/mL.17,18 O paciente também deve ser estimulado a ter dieta balanceada, cessar tabagismo, diminuir o consumo de bebidas alcoólicas e praticar atividades físicas com carga.17

Bisfosfonados orais (alendronato, risedronato) são as principais substâncias de escolha para o tratamento da osteoporose induzida por GC junto à suplementação de cálcio e vitamina D.17–19 No caso de uso crônico de GC, o American College of Rheumatology recomenda seu uso preventivo em populações específicas e de acordo com o risco de fratura determinado pelo FRAX: em adultos com ≥ 40 anos (mulheres sem potencial de gravidez e homens) com moderado a alto risco de fratura, deve‐se fazer uso de bisfosfonados; em adultos com <40 anos (mulheres sem potencial de gravidez e homens) com fratura prévia por osteoporose ou em uso de GC na dose de ≥ 7,5mg/dia de prednisona por ≥ 6 meses e que apresentam Z score <3 ou perda óssea ≥ 10%/ano, também deve‐se fazer uso de bisfosfonados.17 Devem ser tomados em jejum e, se não forem tolerados em virtude dos efeitos gastrintestinais, podem ser substituídos por ácido zoledrônico IV. Quando indicado, o bisfosfonado deve ser tomado continuamente enquanto o GC estiver em uso, e não se recomenda realizar “drug holiday” (pausa programada no uso contínuo da medicação).3 Devem ser evitados em mulheres com potencial de gravidez, pelo risco de malformações fetais, e quando o clearance de creatinina é <30mL/min. Osteonecrose da mandíbula e fratura do fêmur atípica são duas complicações raras dessas medicações, mas que devem ser sempre lembradas pelo médico que os prescreve.3,14

Quando há contraindicações para uso de bisfosfonados, outras medicações têm se mostrado efetivas para o tratamento preventivo da osteoporose, como teriparatida, inibidores de RANK‐L (denosumabe) e calcitonina.3,14,20,21 Recomenda‐se que a prescrição dessas medicações seja em conjunto com profissional especializado no tratamento de doenças ósseas.3

O uso crônico de GC também é considerado uma das principais causas de osteonecrose não traumática. Ocorre principalmente no fêmur distal e na tíbia proximal.3 O mecanismo para sua ocorrência não está totalmente esclarecido, mas parece ocorrer por colapso ósseo estrutural secundário à apoptose de osteócitos, trombose vascular, embolismo gorduroso e fraturas de estresse. Em geral, manifesta‐se com dor articular e seu principal fator de risco é o uso prolongado de GC em alta dose cumulativa. Por isso, o paciente sempre deve ser questionado sobre esse sintoma. Essa complicação pode ocorrer em até 40% desses pacientes, e seu tratamento é essencialmente cirúrgico associado ao uso de bisfosfonados, a fim de aumentar a DMO.1,3 A tabela 3 reúne as principais considerações sobre osteoporose induzida por GC.

Tabela 3.

Principais fatores de risco, profilaxia e monitoramento da osteoporose induzida por glicocorticoides

Principais fatores de risco  Dose/duração do tratamento, idade avançada, sexo feminino, baixo IMC, baixa DMO, fraturas prévias, quedas, tabagismo, consumo abusivo de álcool, história familiar de osteoporose e hipovitaminose D 
Medidas profiláticas• Dieta saudável, atividade física com carga, reduzir consumo bebidas alcoólicas 
• Oferta diária de cálcio (1.000–1.200 mg/dia) e vitamina D (600–800 UI/dia) para todos os pacientes 
• Associar bisfosfonados em casos específicosa 
• Avaliar risco de fraturas (FRAX) 
Monitoramento• Dosar anualmente 25‐OH‐vitamina D, creatinina e cálcio 
• Densitometria óssea anual 
• Sempre questionar sobre dor articular 
• Considerar apoio de especialista em osteoporose 
a

Indicação de uso profilático de bisfosfonados:

• Adultos ≥ 40 anos (homens e mulheres sem potencial de gravidez): risco de fratura moderado a alto.

• Adultos <40 anos (homes e mulheres sem potencial de gravidez): fratura prévia por osteoporose; em uso de glicocorticoides na dose de ≥ 7,5mg/dia de prednisona por ≥ 6 meses e que apresentam Z score <3 ou perda óssea ≥ 10%/ano.

IMC, índice de massa corporal; DMO, densidade mineral óssea; FRAX, Fracture Risk Assessment Tool.

Alterações cardiovasculares

Os GC podem aumentar o risco de doenças cardiovasculares por diferentes processos fisiopatológicos. São fármacos com propriedades pró‐trombóticas e que aumentam a circulação de lipídeos livres (hiperlipidemia), favorecendo eventos isquêmicos.5,22,23 Causam ainda alteração do tônus vascular por desequilíbrio entre substâncias vasoconstritoras e vasodilatadoras e aumento da retenção de água e sódio por ativação de receptores mineralocorticoides. Por isso, levam à hipertensão arterial por meio de diferentes mecanismos.1,24 GC podem causar alterações nos cardiomiócitos com remodelamento cardíaco por ativação da via renina‐angiotensina‐aldosterona. A longo prazo, induzem o espessamento assimétrico da parede do ventrículo esquerdo e o diagnóstico de insuficiência cardíaca.25

Na literatura, os principais fatores de risco para doença cardiovascular associados ao uso de GC são: idade avançada, sexo masculino, obesidade, hipertensão/DM/dislipidemia preexistentes e doença inflamatória ativa.2,4

O risco de hipertensão pode ser duas vezes maior em paciente em uso de GC, independente da duração do tratamento. Sua incidência pode chegar a 37% em paciente com mais de 65 anos em uso de altas doses de GC por mais de três meses. Um grande estudo retrospectivo com uma coorte de pacientes com artrite reumatoide identificou aumento de 17% no risco de hipertensão após início de uma dose de ≥ 7,5mg/dia de prednisolona.26 Dados da literatura não são tão claros quanto ao melhor fármaco para o tratamento da hipertensão induzida por GC. Recomenda‐se o uso de medicações que ajam sobre a resistência vascular, como diuréticos tiazídicos.22,24

Doença coronariana, cardiopatia isquêmica, insuficiência cardíaca e morte súbita já foram associados a um risco duas a quatro vezes maior com doses de prednisolona ≥ 7,5mg/dia.1 Tais riscos parecem também estar associado à síndrome de Cushing iatrogênica.22 Arritmias já foram detectadas logo após a pulsoterapia com GC em pacientes com pênfigo vulgar, o que demonstra a grande variabilidade de alterações cardiovasculares atribuídas a essas substâncias.27

Todos os pacientes em uso de GC devem ser devidamente educados sobre o risco cardiovascular aumentado e estimulados a hábitos de vida saudáveis. Hipertensão e hiperlipidemia devem ser manejadas de acordo com guidelines principais. Não há consenso quanto ao monitoramento do perfil lipídico em paciente sob corticoterapia crônica. Caplan et al. recomendam avaliação bianual.22

Alterações dermatológicas

A pele também é um importante órgão afetado pelo uso crônico de GC. O afinamento cutâneo ocorre pela inibição da proliferação de queratinócitos e da produção de colágeno e ácido hialurônico por fibroblastos dérmicos. Lacerações, estrias largas e arroxeadas, telangiectasias e equimoses/hematomas são complicações esperadas. Chama‐se de dermatoporose quando ocorre insuficiência na barreira cutânea associada a atrofia e fragilidade, também comprometendo a cicatrização de feridas. Sua incidência chega a 5% em pacientes que fazem uso por mais de um ano de GC, até mesmo em baixas doses (< 5mg/dia de prednisona). Sob altas doses, acne, hirsutismo e perda capilar também podem ser observados.1 Logo, acreditamos que seu manejo é diretamente influenciado pela dose e pelo tempo de duração da corticoterapia.

Nesta revisão, não foram encontrados estudos ou guidelines que orientassem a prevenção de tais complicações. Por se tratar de efeitos adversos diretamente relacionados à dose e à duração, o tratamento com GC deve ser o mais curto possível e com a menor dose efetiva. Na rotina dos autores, a dermatoporose é manejada de acordo com orientações básicas sobre proteção da barreira cutânea; a acne/erupção acneiforme, quando presente, é tratada conforme guidelines específicos.

Alterações musculares

Na musculatura esquelética, GC são responsáveis por diminuir a ação da insulina em virtude do aumento da resistência molecular ao hormônio. Também interferem na síntese proteica e estimulam o catabolismo muscular, o que induz um estado de atrofia tecidual.1,5 GC são a principal causa de miopatia induzida por medicações, que se caracteriza por fraqueza muscular indolor seguida de atrofia, inicialmente na musculatura proximal dos membros inferiores.1,22

O risco de miopatia por GC aumenta com a dose e o tempo de duração do tratamento, embora na literatura tais variáveis não sejam bem determinadas.22 GC fluorados (dexametasona, betametasona) impõem risco maior para ocorrência dessa complicação e, por isso, devem ser evitados ou substituídos.1,22

A eletroneuromiografia é inespecífica e os níveis de creatininoquinase são normais. Para seu manejo clínico, pacientes sob uso crônico de GC devem ser sempre questionados sobre fraqueza muscular e, se possível, proceder ao seu desmame.1,22 Além da eletroneuromiografia, diferentes exames têm sido estudados para investigação da miopatia induzida por GC. No entanto, ainda não há guidelines específicos que orientem seu uso e, por isso, os pacientes devem ser investigados de maneira multidisciplinar.28 A recuperação da força muscular costuma ocorrer três a quatro semanas após a descontinuação do GC.1 O tratamento fisioterápico também é recomendado.22

Alterações do trato gastrintestinal

O uso de GC é considerado fator de risco para eventos adversos gastrintestinais, como gastrite, úlcera péptica e sangramento gastrintestinal, embora haja dados conflitantes na literatura que estabeleçam seu risco quando em monoterapia.1,7 No entanto, quando associados a anti‐inflamatórios não esteroides (AINE), o risco de úlcera e sangramento gastrintestinais aumenta consideravelmente.7,29 Já foi postulado que GC podem estar associados a maior risco para pancreatite, porém os dados da literatura são inconclusivos.7

Recomenda‐se a profilaxia de complicações gastrintestinais em todo paciente em terapia combinada de GC com AINE, com preferência para os inibidores de bomba de próton como primeira escolha.7,30 Quando em monoterapia com GC, a profilaxia deve ser empregada se o paciente apresentar fatores de risco (úlcera péptica prévia, tabagismo, etilismo, idade >65 anos, uso de bisfosfonados). O paciente sempre deve ser orientado quanto aos sintomas para suspeita clínica de evento adverso e deve sempre ser encaminhado a um gastroenterologista se manifestar sinais de sangramento gastrintestinal.7

Alterações oftalmológicas

O uso crônico de GC é sabidamente associado à ocorrência de alterações oftalmológicas importantes; glaucoma e catarata são as mais frequentes.1 Também há relatos que acusam GC de causadores de coriorretinopatia serosa central, ptose, midríase e exoftalmia.1,22,31

O risco de hipertensão ocular e glaucoma é consideravelmente maior em pacientes que fazem uso crônico de GC por via tópica, intraocular ou periocular, quando comparados ao uso de GC sistêmico.32 Porém, pacientes em uso sistêmico de GC devem receber a devida atenção, pois o risco de aumento da pressão ocular é estimado em 18–36% dessa população, pode surgir de forma assintomática em questão de meses a anos e, se não tratado, pode causar perda da visão por dano irreversível ao nervo óptico.1,22,32 Acredita‐se em predisposição genética para o desenvolvimento de glaucoma.1

A catarata, geralmente posterior subcapsular, é associada ao uso crônico de GC sistêmicos, e sua incidência pode chegar a 58%.22,31 Não existe correlação bem estabelecida entre o risco de catarata e a dose/tempo de tratamento com GC, mas parece haver suscetibilidade aumentada para alguns indivíduos.31

Antes de iniciar a corticoterapia, deve‐se questionar o paciente sobre história pessoal e familiar de glaucoma e catarata. Recomenda‐se também avaliação oftalmológica inicial. É importante reforçar a necessidade de rastreio e tratamento de DM, a fim de minimizar as complicações oftalmológicas do uso de GC.22

Alterações neuropsiquiátricas

É bem reconhecido que GC podem causar importantes alterações neurológicas e psiquiátricas. Alterações de humor, depressão, euforia, labilidade emocional, mania/hipomania, acatisia, déficit de atenção, confusão, psicose e transtorno de pânico são possíveis complicações associadas ao uso de GC e são mais frequentes nos primeiros três meses de tratamento.1,22 Tais complicações parecem estar associadas a doses diárias moderadas a altas, tratamento prolongado e condições psiquiátricas preexistentes.22 Um grande estudo populacional dinamarquês demonstrou possível correlação entre o uso de GC e o diagnóstico de esquizofrenia de início precoce na população jovem.33 O hipocampo é uma área cerebral rica em receptores esteroides e, por isso, pode ser vulnerável à ação da corticoterapia crônica. Insônia, déficit de memória e comprometimento cognitivo são eventos adversos possíveis e não devem ser ignorados pelo médico.1

A psicose induzida por GC é uma complicação mais grave manifestada por psicose, demência, delirium e ideação suicida. Pode iniciar precocemente, de dias a semanas após o início do GC, está associada com doses altas e também pode ocorrer durante o desmame.1,22 Já foi relatado que mulheres estão mais propensas a desenvolver depressão, enquanto homens estão mais propensos a desenvolver mania.22

Todos os pacientes, sobretudo os mais jovens, devem ser questionados sobre antecedentes neuropsiquiátricos antes do início do tratamento com GC. É importante que também seja questionado sobre comportamento de autoflagelação ou ideação suicida.22 Em mais de 90% dos casos, os sintomas se resolvem dentro de seis semanas após a suspensão do GC.1 Os pacientes devem ser sempre encaminhados a um especialista na ocorrência de efeitos adversos importantes. O encaminhamento também deve ser preconizado em pacientes com condições neuropsiquiátricas prévias e que serão submetidos à corticoterapia crônica.22

Infecções e vacinas

Uma das principais propriedades dos GC é a imunossupressão, amplamente aproveitada para o controle das principais doenças de comportamento autoinflamatório sistêmico. Entretanto, essa propriedade impõe um risco de vulnerabilidade a todo paciente, pois um estado de imunossupressão sistêmica favorece o surgimento e a reativação de infecções diversas.1,34 Os GC podem interferir com praticamente todas as células do sistema imunológico. Eles antagonizam macrófagos e suprimem a produção das principais citocinas pró‐inflamatórias; suprimem a adesão endotelial de neutrófilos; inibem a ativação das subpopulações de células T, causando importante linfopenia; também interferem na maturação e na ativação de células dendríticas.34 Como consequência, os GC também reduzem a resposta vacinal do paciente e os tornam propensos a infecções secundárias à vacinação com agentes vivos.35 Fardet et al. conduziram um grande estudo populacional de coorte que demonstrou um risco duas a quatro vezes maior para infecções bacterianas, virais e fúngicas quando em uso de GC. Esse risco aumentou com a idade e foi maior em pacientes com DM, baixos níveis séricos de albumina e em uso de altas doses de GC.36 Há relatos que também associam GC com infecções oftalmológicas oportunistas, como ceratite herpética e retinite por citomegalovírus.1

Nesta revisão, as principais doenças infecciosas encontradas na literatura, enfatizando seu rastreio e profilaxia, foram: pneumonia por pneumocistose (PCP), tuberculose (TB), HIV/AIDS, hepatites B e C, estrongiloidíase e herpes‐zóster. As considerações relacionadas às medidas preventivas para essas infecções foram didaticamente resumidas na tabela 4.

Tabela 4.

Recomendações para o rastreio infeccioso, profilaxia e vacinação na corticoterapia sistêmica crônica

Rastreio pré‐tratamento• Testes sorológicos: anti‐HIV, HBsAg, anti‐HBc, anti‐HCV 
• Considerar teste de TB (reação de Mantoux ou IGRA) se população de riscoa 
Medidas profiláticas• PCP: considerar profilaxia se houver outros fatores de risco (malignidade hematológica, doença pulmonar intersticial, uso de outro imunossupressor). Opções de fármacos: sulfametoxazol‐trimetoprima 800/160 mg/dia (todos dias ou três vezes/semana) ou dapsona 100 mg/dia ou atovaquona (1.500 mg/dia) 
• Estrongiloidíase: considerar profilaxia se o paciente for de zona endêmica. Opções de fármacos: ivermectina 200 mcg/kg/dia por dois dias ou albendazol 400 mg/dia por três dias 
Vacinação• Confirmar se paciente está em dia com as seguintes vacinas: H. influenza B, hepatite A e B, influenza, HPV, N. meningitides, sarampo, caxumba, rubéola, tétano e S. pneumoniae. Se não estiver, vacinar duas a quatro semanas antes do tratamento 
• Varicela‐zóster: vacinar pacientes >50 anos, duas a quatro semanas antes do tratamento 
• Vacinar para influenza anualmente 
• Evitar vacinas com agentes vivos 
a

População de risco para TB: contato íntimo prévio com indivíduos portadores de TB, exposição prolongada a prisões ou unidades de saúde, abuso de substâncias e habitantes de áreas endêmicas.

TB, tuberculose; IGRA, ensaio de liberação de interferon gama; PCP, pneumonia por pneumocistose; HPV, papilomavírus humano.

Pneumonia por pneumocistose

É uma infecção oportunista mais comumente diagnosticada em pacientes com HIV/AIDS. Embora possa ocorrer em pacientes imunossuprimidos por outras causas, não há dados na literatura que orientem o rastreio ou a profilaxia em indivíduos com altas doses de GC. Em pacientes sob dose equivalente de prednisona ≥ 20mg/dia durante ≥ 4 semanas, recomenda‐se a profilaxia de PCP se houver outro fator de risco associado (malignidade hematológica, doença pulmonar intersticial, uso de outro imunossupressor). O fármaco de escolha para a profilaxia é a combinação sulfametoxazol‐trimetoprima, na dose diária 800/160mg (duas tomadas), todos os dias ou três vezes por semana. Como alternativa ao sulfametoxazol‐trimetoprima, também se pode utilizar dapsona (100mg/dia) ou atovaquona (1.500mg/dia).34,35

Tuberculose

O uso crônico de GC pode favorecer a reativação da tuberculose (TB) em pacientes previamente expostos. A dose e o tempo relacionados a esse risco infeccioso ainda não estão bem esclarecidos, mas já foi feita essa correlação em doses de prednisona ≥ 15mg/dia por mais de um mês.34,35 Na literatura, também não há recomendações especificas para o rastreio de TB ao iniciar o tratamento com GC.34 No geral, recomenda‐se o rastreio de TB por meio de testes tuberculínicos em populações consideradas de risco para que recebem tratamento adequado e não reativem o bacilo durante o tratamento. Como população de risco, considera‐se: contato íntimo prévio com indivíduos portadores de TB, exposição prolongada a prisões ou unidades de saúde, abuso de substâncias e habitantes de áreas endêmicas. Porém, há autores que recomendam sempre realizar o rastreio antes do início da corticoterapia.35 O teste cutâneo tuberculínico (reação de Mantoux) em pacientes imunossuprimidos deve ser considerado positivo se ≥ 5mm. Porém, o teste pode ser falsamente negativo quando se usam doses de GC ≥ 15mg/dia por duas a quatro semanas. Uma alternativa de rastreio é por meio do ensaio de liberação de interferona gama (IGRA), a qual parece sofrer menos interferência com uso de GC.34 Todo paciente com rastreio positivo deve ser investigado com radiografia de tórax e análise de escarro, para confirmar se a infecção é ativa ou latente, e também deve ser encaminhado ao infectologista.35 Na prática clínica dos autores, não realizamos rastreio para TB em todos os pacientes antes da corticoterapia. Por isso, o julgamento clínico é fundamental para determinar o rastreio, principalmente em populações de risco.

HIV/AIDS

Todo paciente que se submeter ao tratamento crônico com GC deve ser testado para HIV. Se não diagnosticado ou não tratado, o uso de GC aumenta consideravelmente o risco de infecções nesse paciente.35

Hepatites B e C

Em virtude do risco de aumento da viremia, recomenda‐se que seja feito rastreio de hepatite B (HBsAg, anti‐HBs e anti‐HBc) e hepatite C (anti‐HCV) em todo paciente que irá fazer uso de GC por longo período, sobretudo com dose de prednisona ≥ 20mg/dia por ≥ 4 semanas.35

Estrongiloidíase

É uma doença parasitária crônica causada por Strongyloides stercoralis e que costuma ser endêmica em países tropicais e subtropicais. É um parasita capaz de provocar autoinfecção e, por isso, pode permanecer no hospedeiro por tempo indeterminado.34,35 Em indivíduos imunossuprimidos, pode causar quadro grave denominado hiperinfecção, cuja mortalidade varia de 15% a 87%. Manifesta‐se com uma variedade de sinais/sintomas: dor abdominal, náusea, vômitos, diarreia, obstrução intestinal, sangramento gastrintestinal, tosse, hemoptise, edema, ascite e bacteremia por GRAM negativo. Quando disseminada, pode causar até manifestações dermatológicas (sinal da impressão digital).35,37 Sua suspeita clínica pode ser ignorada em virtude da heterogeneidade dos sintomas, e análises de fezes podem muitas vezes vir negativas. Anemia, hipereosinofilia e hipoalbuminemia são achados laboratoriais sugestivos. Dentre as opções terapêuticas, a ivermectina é o anti‐helmíntico de eleição.37 Em áreas endêmicas, muitos clínicos recomendam o tratamento empírico com ivermectina antes de iniciar a terapia crônica com GC.35 Na prática clínica dos autores, que estão situados em zona endêmica, realizamos profilaxia com ivermectina 200 mcg/kg/dia por dois dias consecutivos, ou albendazol 400mg/dia por três dias consecutivos, sempre antes de iniciar doses imunossupressoras de GC, e a repetimos a cada seis meses.

Herpes‐zóster

A vacinação para varicela‐zóster é indicada para toda a população com idade acima de 60 anos, independente da ocorrência prévia de herpes‐zóster e de corticoterapia crônica. Em pacientes imunossuprimidos por GC, o vírus varicela‐zóster pode se reativar com maior frequência e manifestar‐se de maneira mais grave ou disseminada, necessitando de hospitalização.35 Por isso, é recomendado fortemente que esses pacientes recebam a vacina duas a quatro semanas antes do início do tratamento. Alguns autores advogam que pacientes com mais de 50 anos já devem receber a vacina se submetidos a tratamento imunossupressor.34,35

Vacinação

Caplan et al. resumem as principais recomendações para vacinação de indivíduos em uso de GC, com base nos guidelines de grandes sociedades de experts. Pacientes que receberão doses de prednisona ≥ 20mg/dia por >2 semanas devem ter seus antecedentes vacinais avaliados para garantir que estejam em dia com as seguintes vacinas: Haemophilus influenza B, hepatite A e B, influenza, papilomavírus humano (HPV), Neisseria menigitides, sarampo, caxumba, rubéola, tétano e Streptococcus pneumoniae. Deve‐se esperar um mínimo de duas a quatro semanas para iniciar o GC após a vacinação com agentes vivos. Quando vacinados com agentes inativos, esse período não é preconizado. Porém, ainda é considerável o risco de a resposta vacinal ser subótima se o indivíduo iniciar seu tratamento com doses de GC moderadas a altas. A vacina para influenza deve ser administrada anualmente para todos os pacientes em corticoterapia crônica.35

Outras considerações importantes

Já foi demonstrado que GC comprometem a resposta natural do organismo ao estresse fisiológico após procedimento cirúrgico. Além disso, interferem na cicatrização e aumentam a suscetibilidade a infecções. Chouairi et al. fizeram um estudo observacional que analisou os efeitos adversos pós‐cirúrgicos em mais de 180.000 usuários de GC. Nesse estudo, concluiu‐se que pacientes em uso de GC que passam por procedimento cirúrgico têm maior risco de deiscência da ferida operatória, infecção de sítio cirúrgico e necessidade de reintervenção. Os autores reforçam que não há consenso quanto à dose ou à duração do tratamento que interfere no pós‐operatório, nem o tempo necessário após suspensão do GC para que se evite tais complicações. Desse modo, o cirurgião deve ser sempre cauteloso quando indicar um procedimento eletivo para esse paciente específico.23

GC têm propriedades anti‐inflamatórias importantes, muitas vezes úteis no tratamento de pacientes oncológicos. Entretanto, questiona‐se se sua ação imunossupressora não seria um risco para o surgimento de neoplasias. Cairat et al. conduziram um grande estudo de coorte com mulheres pós‐menopausa que fizeram uso crônico de GC para avaliar seu impacto sobre o câncer de mama. Foi observado que o uso de GC diminuiu o risco para neoplasias de estágios 1/2 e invasivas que eram positivas para receptores de estrogênio. No entanto, mostrou‐se fator de risco para tumores in situ e de estágios 3/4. É possível inferir, portanto, que no contexto de câncer, os subtipos moleculares e o estadiamento clínico podem exercer diferentes correlações com o uso crônico de GC.38

Conclusão

O uso de GC foi, de fato, um dos maiores marcos na Medicina que possibilitou o tratamento de inúmeras doenças e garantiu o aumento da sobrevida e qualidade de vida do paciente. Até os dias atuais, seu uso é preconizado em diferentes guidelines de condições diversas, tais como doenças autoimunes, infecções e neoplasias. Entretanto, desde a descoberta de seus benefícios terapêuticos, seus efeitos adversos também são bastante conhecidos e estudados, especialmente quando usados cronicamente. No Brasil, o acesso a outros imunossupressores ou aos imunobiológicos que poupam o uso de GC é limitado. Isso configura um problema de saúde pública importante, também presente em outros países, e que pode comprometer a escolha do tratamento ideal a um paciente, colocando o médico em situação em que os GC são sua única alternativa terapêutica.

É mandatório que todo prescritor de GC tenha conhecimento dos efeitos adversos para que, no mínimo, possa identificá‐los o mais precocemente possível. Seu manejo muitas vezes demanda abordagem multidisciplinar e, por isso, o dermatologista deve saber encaminhar seu paciente ao melhor especialista sempre que possível. Antes disso, é importante também educar o paciente e adotar as melhores medidas profiláticas para cada complicação relacionada ao GC. Esta revisão narrativa buscou reunir os principais efeitos adversos da corticoterapia sistêmica crônica, seus principais fatores de risco e medidas para rastreio, profilaxia e monitoramento clínico. Portanto, os autores consideram que esta revisão sirva como ferramenta de consulta rápida para dermatologistas, e que também instigue o desenvolvimento de outros estudos e guidelines focados no uso crônico de GC.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Lucas Campos Prudente Tavares: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; levantamento, análise e interpretação dos dados.

Lívia de Vasconcelos Nasser Caetano: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; levantamento, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final.

Mayra Ianhez: Revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final.

Conflito de interesses

Nenhum.

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Como citar este artigo: Tavares LCP, Caetano LVN, Ianhez M. Side effects of chronic systemic glucocorticoid therapy: what dermatologists should know. An Bras Dermatol. 2024;99:259–68.

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil.

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