Paciente do sexo masculino, 62 anos, hipertenso, ex‐etilista, portador de gota havia aproximadamente 20 anos e em tratamento irregular com alopurinol e colchicina. Apresentava lesão nodular de consistência firme e indolor no dorso nasal com um ano de evolução, que progrediu com ulceração. Ao exame dermatológico, notavam‐se pápulas amareladas nas hélices (fig. 1) e aumento de volume nas articulações das mãos, cotovelos, joelhos e pés. A dermatoscopia da lesão nasal evidenciou área branca amorfa central, com áreas amareladas entremeadas por estruturas polimórficas brancas brilhantes na periferia da lesão, além de eritema difuso e vasos ramificados periféricos (fig. 2). O exame dermatoscópico das lesões das hélices mostrou, predominantemente, estruturas globulares branco‐amareladas agregadas (fig. 3), com vasos ramificados atravessando a lesão e na periferia da mesma (fig. 3A). Em outras lesões da hélice direita, diferentemente dos achados anteriores, observava‐se área branco‐amarelada amorfa (fig. 4A) ou fundo branco‐amarelado amorfo com vasos ramificados desfocados dispersos sobre a lesão (fig. 4B‐C). Também nesse mesmo local pode se observar lesão com área branca amorfa, centro amarelado e eritema difuso periférico, semelhante à lesão nasal (fig. 4D). Nos exames laboratoriais, o paciente apresentava anemia com marcadores inflamatórios elevados, redução da função renal e ácido úrico sérico elevado (7,8mg/dL, VR: 3,5‐7,2mg/dL). No entanto, o ácido úrico urinário estava dentro do valor da normalidade (378,4mg/24h ‐ VR: 250‐750mg/24h). O exame histopatológico da lesão do dorso nasal mostrou depósitos eosinofílicos amorfos ou de aspecto cristaloide na derme com aparência de agulhas, correspondendo a agregados de cristais de urato monossódico envoltos por infiltrado inflamatório granulomatoso, compatível com o diagnóstico de tofo gotoso (fig. 5).
Dermatoscopia com luz polarizada (A e B) da lesão nasal. Área branca amorfa central (asterisco), com áreas amareladas entremeadas por estruturas polimórfica brancas brilhantes (setas) na periferia da lesão, eritema difuso e vasos ramificados desfocados (ponta de seta) melhor visualizados em (A) pela ausência de contato do dermatoscópio com a pele (magnificação original, 10×).
Dermatoscopia com luz polarizada (A a D) de duas lesões na hélice. Estruturas globulares branco‐amareladas agregadas (círculos), com vasos ramificados (asteriscos) atravessando a lesão (A) e na periferia da mesma (A e B). Na lesão demonstrada em (C) e (D) não há vasos sobre a lesão. Estruturas brancas brilhantes podem ser visualizadas em ambas as lesões (setas; magnificação original, 10×).
Dermatoscopia com luz polarizada sem contato de lesões na hélice. (A) Área branco‐amarelada amorfa sem vasos (círculo). (B‐C) Fundo branco‐amarelado com vasos ramificados desfocados sobre a lesão (asteriscos). (D) Área branca amorfa (seta) com centro amarelado e eritema difuso periférico (ponta de seta; magnificação original, 10×).
A gota é a artrite inflamatória mais comum, causada pelo depósito de cristais de urato monossódico nas articulações.1 O tofo gotoso, acúmulo desses cristais nos tecidos moles, é a manifestação clínica característica de doença avançada, mas pode ser o primeiro sinal clínico em alguns casos.2 Na pele, caracteriza‐se por pápulas e nódulos firmes, de contorno liso ou multilobulado, normocrômicos, amarelados ou eritematosos, podendo ser ulcerados. As localizações mais frequentes incluem a primeira e a quinta articulações metatarso‐falangeanas e articulações das mãos e dos punhos. A apresentação de gota na região da cabeça e pescoço é incomum. A região nasal costuma ser raramente acometida.3–5
Yoshida et al. relataram os achados dermatoscópicos de um tofo gotoso ulcerado no pododáctilo direito, descrevendo a presença de estruturas esbranquiçadas semelhantes a “chifres”, com alguns pontos brilhantes.6 No presente caso, observamos áreas brancas e branco‐amareladas amorfas e globulares agrupadas, associadas a diversas estruturas brancas brilhantes de diferentes formatos, visualizadas tanto pela luz polarizada quanto não polarizada. É possível que essas estruturas brilhantes correspondam a acúmulos de cristais de urato monossódico localizados mais superficialmente na pele. Além disso, as lesões apresentaram diferentes achados dermatoscópicos entre si e quando comparadas às descrições prévias na literatura.
O diagnóstico do tofo gotoso, em geral, baseia‐se na correlação clinicopatológica e há poucos relatos que descrevem os achados dermatoscópicos dessa manifestação clínica. Ao longo dos últimos anos, diversos estudos têm mostrado que a dermatoscopia pode ser útil para auxiliar no diagnóstico não invasivo de várias doenças inflamatórias e infecciosas.7–9 Dessa maneira, o conhecimento das estruturas dermatoscópicas presentes nos tofos gotosos torna‐se relevante, uma vez que pode ajudar no diagnóstico diferencial de dermatoses com quadro clínico semelhante, como neoplasias malignas e outras doenças metabólicas e de depósito.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresBruno Simão dos Santos: Concepção e desenho do estudo; redação do artigo; revisão crítica do conteúdo intelectual; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Maria Augusta Pires Maciel: Redação do artigo; levantamento de dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Neusa Yuriko Sakai Valente: Revisão crítica do conteúdo intelectual; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; aprovação final da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.