Dermatoses ocupacionais (DOs) são alterações da pele, mucosas e anexos causadas, mantidas ou agravadas por agentes presentes no trabalho. As DOs de maior repercussão são as dermatites de contato ocupacionais (DCOs), com impacto no sistema de saúde, na remuneração e na produtividade dos trabalhadores. São as principais doenças ocupacionais no Brasil, embora subdiagnosticadas.1
A dermatite de contato irritativa (DCI) é a forma mais comum, restrita a áreas de contato com irritantes e relacionada à frequência e duração dessa exposição. A dermatite alérgica de contato (DAC), com menor incidência, apresenta lesões nas áreas de contato, que podem se disseminar.1
O diagnóstico envolve história ocupacional, sincronia entre o início do quadro e o período de exposição, correlação entre localização das lesões e contato, melhoria com o afastamento e piora com retorno ao trabalho e teste de contato.1–3
Neste estudo, foram analisados: a frequência de DCO em pacientes submetidos aos testes de contato em ambulatório não especializado em DOs, entre 2004 e 2017; a distribuição por idade, gênero, atividade profissional e localização da dermatose; os diagnósticos; e os sensibilizantes mais comuns. Os dados foram comparados com os dos não portadores de DCO (DCNO) e o estudo foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisas, 08077219.1.0000.5479.
Foram coletados, retrospectivamente, os dados de 1.405 pacientes testados com a bateria padrão brasileira (FDA‐Allergenic/Brasil), e fixados com contensores adequados.
Os dados foram analisados pelo programa SPSS versão 13.0, e os resultados dos dois grupos foram comparados utilizando‐se o Qui Quadrado (p < 0,005).
Entre os 1.405 testados, 349 (25,3%) foram DCO e 1.031 (74,4%), DCNO. A maior frequência de DCO quando comparada com publicação anterior (10,9%) pode refletir o aumento do número de substâncias testadas e o envolvimento da Medicina Ocupacional na conclusão diagnóstica. Entretanto, o número está abaixo da frequência nacional (34,2%) dos casos de DO, provavelmente por se tratar de serviço não especializado nesse tipo de dermatoses.4,5
Entre as DCOs, 152 (43,6%) eram DAC, 55 (15,8%) DCI, 8 (2,3%) dermatite atópica (DA) e 215 (61,6%) outras dermatoses. Entre as DCNO, 455 (44,1%) eram DAC, 70 (6,8%) DCI, 54 (5,2%) DA e 452 (43,8%) outras dermatoses. Dentre os diagnósticos, a DAC foi o mais comum em ambos os grupos. No entanto, a DCI é o subtipo mais comum em todo o mundo, especialmente em casos ocupacionais, com frequência estatisticamente maior neste grupo (p < 0,001). A proporção desses diagnósticos varia de acordo com a região, por diferenças em tipos de indústria, normas de regulamentação, sistemas de notificação e disponibilidade de centros capacitados para testes de contato. Já a DA pode ser considerada DO, uma vez que muitos trabalhadores pioram após contato com os alérgenos e irritantes do ambiente de trabalho.
Entre as DCOs, a média das idades foi de 42,1 anos, enquanto nas DCNOs foi de 47,5 anos (p < 0,005), gerando perdas aos sistemas produtivos e seguridade social.1
Entre as DCOs havia 182 (52,1%) mulheres e 167 (47,9%) homens, enquanto na DCNO eram 797 (77,3%) mulheres e 234 (22,7%) homens. A frequência de mulheres foi maior entre as DCNOs (p < 0,005), pois provavelmente representam a parcela da população que mais procura atendimento médico, mas significantemente menor no grupo ocupacional, talvez pelo fato de haver mais trabalhadores homens nas atividades com exposição a sensibilizantes e irritantes. Além disso, as mulheres tendem a ser mais adeptas ao uso de equipamentos de proteção individual e cuidados preventivos.6
As profissões mais prevalentes na DCO estão na tabela 1, e envolvem os profissionais com atividades úmidas (contato com água > 2 horas diárias, ou lavagens das mãos > 20 vezes no dia) ou exposição a conhecidos sensibilizantes e irritantes.7
O tempo de evolução da doença na DCO foi de 29,2 meses, enquanto na DCNO foi de 39,5 meses (p < 0,005). A dificuldade em manter as atividades laborais talvez tenha favorecido a busca por auxílio de maneira mais precoce nos casos de DCO.
Quanto à localização da dermatose, houve diferença estatística em relação a DCO para mãos (regiões palmar e dorso) e antebraços (p < 0,001), enquanto em portadores de DCNO a face foi a mais acometida (582/66,7%). Essa diferença é esperada, já que as DCOs acometem principalmente as mãos, que manipulam diretamente produtos irritantes ou sensibilizantes.
Os principais sensibilizantes relevantes observados nos dois grupos estão no tabela 2; o níquel é o mais importante, presente em atividades ocupacionais ou não. As mãos são acometidas em razão do contato com ferramentas de trabalho, como agulhas de costura, pinças, alicates de cutículas, chaves e tesouras.
Principais alérgenos entre os portadores de DCO comparados aos portadores de DCNO
Alérgenos | 152 com DCO | 455 com DCNO | |||
---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | ||
Sulfato de níquel | 98 | 28,1 | 360 | 35 | p = 0,018 |
Bicromato de potássio | 89 | 25,6 | 87 | 8,4 | p < 0,001 |
Carba mix | 54 | 15,5 | 51 | 5,0 | p < 0,001 |
Tiuram mix | 49 | 14,1 | 41 | 4,0 | p < 0,001 |
Resina epóxi | 17 | 4,9 | 13 | 1,3 | p < 0,001 |
Quaternium 15a | 17 | 4,9 | 25 | 2,4 | p = 0,021 |
MBT mixb | 14 | 4 | 20 | 1,9 | p = 0,031 |
a Hexamethylenetetramine chloroallyl chloridecloreto.
b Mercaptobenzotiazol.
O bicromato de potássio está relacionado aos pedreiros, por sua presença no cimento (como contaminante, resultante do processo de fabricação), e é um importante alérgeno ocupacional em estudos semelhantes.8
Os grupos tiuram, carba e MBT são agentes vulcanizadores da borracha, comuns nas luvas, utilizadas em diversos setores produtivos.
A resina epóxi é um material utilizado em diversos produtos como tintas, acabamento para pisos, fibras de vidro, adesivos para metais, madeiras e concreto. Desse modo, as lesões surgem em várias localizações, e medidas de proteção são difíceis.9
Quaternium 15 (conservante liberador de formaldeído), presente em produtos infantis, cosméticos, shampoos de uso veterinário, materiais para polimento e ceras, é um alérgeno onipresente.10
Alguns alérgenos apresentaram altas frequências nos dois grupos (sem diferença estatística), entre eles o Kathon CG: DCO (24/6,9%) e DCNO (84/8,2%), mistura de conservantes de produtos aquosos como cosméticos, artigos de limpeza (detergentes, sabões, óleos lubrificantes) e tintas, tendo os casos ocupacionais ocorrido em trabalhadores de limpeza, cabeleireiros e pintores; e parafenilenodiamina, corante das tinturas de cabelo: DCO (27/7,8%) e DCNO (110/10,7%), cujos casos ocupacionais ocorreram em cabeleireiros, acometendo as mãos pela não utilização adequada de EPIs.
No período estudado, a DCO representou 25,3% dos casos submetidos aos testes de contato; o grupo de jovens do sexo masculino é o mais afetado, com impacto para a saúde do trabalhador e a economia do país. O estudo das DCOs em nosso meio é fundamental para o planejamento de ações de prevenção e capacitação diagnóstica dos centros dermatológicos.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresRosana Lazzarini: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Mariana de Figueiredo Silva Hafner: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Nathalie Mie Suzuki: Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Isabela Marangon Pasotti: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.
Maria Regina de Paula Leite Kraft: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Lazzarini R, Hafner MFS, Suzuki NM, Pasotti IM, Kraft MRPL. Occupational contact dermatitis: analysis of cases observed in a service not specialized in occupational dermatosis between 2004 and 2017. An Bras Dermatol. 2022;97:105–7.
Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.