A dermatite atópica (DA) é uma doença inflamatória cutânea crônica, recorrente, que afeta entre 15 e 20% das crianças e 2 e 3% dos adultos.1 Os casos com início na infância e persistência da doença até a idade adulta (10 a 30%) tendem a ter história de atopia. No entanto, quando a DA se apresenta pela primeira vez na idade adulta, pode não haver tal associação e o diagnóstico geralmente é mais complexo.1,2
Em adultos, a doença tem impacto significativo na qualidade de vida, que é agravado pelos subdiagnósticos e está relacionado a um aumento significativo nos custos de cuidados de saúde.3 Poucas informações estão disponíveis em nosso país sobre a epidemiologia de DA em adultos.
O objetivo deste estudo foi descrever a prevalência de DA e suas características clínicas nesta coorte de pacientes.
Um estudo observacional transversal foi conduzido entre 1° de janeiro de 2015 e 1° de janeiro de 2018 em pacientes adultos membros de um programa de convênio médico de um Hospital Universitário da Comunidade, no Hospital Italiano, Buenos Aires (IPHI). Esse programa de convênio de saúde engloba cerca de 160.000 membros que são principalmente de classe média e habitantes da cidade de Buenos Aires, Argentina. Os dados do paciente são registrados centralmente em um prontuário pessoal de saúde.
Foram incluídos no estudo pacientes com mais de 17 anos, que eram membros ativos do IPHI entre 1° de janeiro de 2015 e 1° de janeiro de 2018 e estavam em acompanhamento há pelo menos seis meses. Um diagnóstico de DA foi definido como apresentando três ou mais dos principais critérios de Hanifin e Rajka.2 A DA foi considerada grave na presença de pelo menos um dos seguintes: tratamento sistêmico, fototerapia, hospitalizações relacionadas a complicações (infecções e/ou inflamação cutânea ou sistêmica na qual a DA ativa foi a porta de entrada) e/ou eritrodermia.
Especialistas em alergia e dermatologia revisaram os prontuários médicos dos pacientes selecionados aleatoriamente. Para a robustez dos dados sobre as características e prevalência de DA durante o período do estudo com uma frequência esperada de 3%,3 uma amplitude de 0 a 3% e um intervalo de confiança de 95%, foi necessário avaliar 350 registros clínicos. O tamanho da amostra foi calculado utilizando o software Power and Precision. Os pacientes que atenderam aos critérios de inclusão foram selecionados por amostragem aleatória, e a prevalência de DA no período do estudo foi calculada a partir do número total de prontuários avaliados, expresso como uma proporção com seus intervalos de confiança como denominador.
O Comitê de Ética Institucional aprovou o estudo.
No total, 350 pacientes com média de idade de 60 anos (DP 20) foram incluídos aleatoriamente no estudo (fig. 1); 59% (207) eram do sexo feminino.
Dos 350 pacientes que eram membros ativos do IPHI entre 1° de janeiro de 2015 e 1° de janeiro de 2018, 11 tinham DA. A prevalência geral de DA foi de 3% (IC95% 1,5‐5,5) e a prevalência de DA grave foi de 0,3%. Da coorte total de pacientes com DA, 9% apresentavam doença grave. A tabela 1 descreve as características dos pacientes com DA.
Características clínicas dos pacientes com dermatite atópica
Características relacionadas ao paciente (%) (n=11) | |
---|---|
Sexo feminino | 73% (8) |
Idade (anos) | 54 (24)a |
Comorbidades (n=11) | |
Asma | 18% (2) |
Rinite | 36% (4) |
Hipertensão | 9% (1) |
Obesidade | 55% (6) |
Diabetes | 9% (1) |
Ictiose vulgar | Nenhum |
Alopecia areata | 18% (2) |
Síndrome de Down | Nenhum |
Dermatite de contato | 27% (3) |
Eczema da mão | 27% (3) |
Envolvimento ocular (conjuntivite alérgica, ceratocone, ceratoconjuntivite) | 9% (1) |
Características relacionadas à DA (n=11) | |
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Idade ao diagnóstico, em anos | |
Nascimento – 12 anos (infância) | 27% (3) |
13–18 anos (adolescência) | 9% (1) |
≥19 anos (idade adulta) | 55% (6) |
Idade ao diagnóstico desconhecida | 9% (1) |
História de ansiedade decorrente da falta de resposta ao tratamento e/ou estigma social relacionado à DA e/ou abulia, isolamento, falta de motivação e/ou integração social no contexto da DA. | 18% (2) |
Nenhum paciente necessitou de hospitalização em decorrência de eritrodermia ou infecção de pele ou tecidos moles. A tabela 2 mostra os tratamentos utilizados nesse grupo de pacientes.
Características do tratamento recebido pelos pacientes com DA
Tratamento para DA recebido por pelo menos dois meses (%) (n=11) | |
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Ciclosporina | 9% (1) |
Metotrexato | 0% |
UVB, e/ou UVA, e/ou PUVA | 9% (1) |
Metilprednisolona oral | 18% (2) |
Dupilumabe subcutâneo | 9% (1) |
Tratamento tópico: umectantes, emolientes, corticosteroides e/ou imunomoduladores | 82% (9) |
Número médio de consultas com um especialista em alergia | 0a |
Número médio de consultas com um dermatologista | 2 (2‐6)b |
UVB, ultravioleta de banda estreita; UVA, ultravioleta A; PUVA, psoraleno mais UVA.
A prevalência geral de DA em pacientes adultos nessa população foi de 3%. Que seja de nosso conhecimento, este é um dos primeiros estudos que avaliam a prevalência de DA na América Latina.4
No presente estudo, o início de DA foi observado após os 19 anos em mais de 50% dos pacientes. De maneira similar, uma metanálise recente publicada por Lee et al. relatou que o início de DA na idade adulta foi observado em 24% e 53% dos pacientes na Europa e na América, respectivamente.5
A prevalência de DA, bem como a preponderância feminina (73%) na presente população, estão de acordo com outros relatos.4 Diferentes estudos avaliaram a prevalência de DA principalmente com base em pesquisas autoadministradas e nos critérios do Working Party.6 Um estudo realizado7 em 11 países europeus e nos Estados Unidos encontrou uma prevalência de DA em adultos variando de 0,3% (Suíça) a 6,2% (Estônia), enquanto outros estudos realizados nos Estados Unidos e Japão observaram uma prevalência entre 2,9%4 e 10,7%,7 respectivamente. Esses dados estão de acordo com a prevalência geral de 3% encontrada no presente estudo.
O trabalho conduzido na Austrália8 é metodologicamente semelhante ao presente estudo; no entanto, difere em relação ao fato de que Chidwick et al. identificaram pacientes com base no diagnóstico de DA nos prontuários clínicos. Outra diferença é que no estudo australiano foram incluídos pacientes adultos e pediátricos. A prevalência geral encontrada pelos autores foi duas vezes maior do que na população de adultos do presente estudo com mais de 20 anos.8
Em relação à gravidade da doença, observamos que 10% dos pacientes apresentavam DA grave. Essa observação é semelhante à de Chidwick et al., que verificaram que 15,6% da população de seu estudo foram classificados como portadores de doença grave.8
Entre as comorbidades atópicas, a rinite alérgica (36%) foi a mais frequentemente observada, como em outros estudos,4 enquanto a obesidade foi a comorbidade não atópica mais comum (55%). No presente estudo, distúrbios psicológicos foram observados em 18% dos pacientes, uma taxa semelhante à encontrada no estudo australiano (18,9%).8
A principal limitação de nosso estudo é que ele foi realizado em uma população de classe média atendida em um Hospital Universitário da Comunidade com alto índice de pacientes idosos. Portanto, os resultados podem não ser aplicáveis a outras populações. Entretanto, acreditamos que um dos pontos fortes importantes é que os dados foram coletados de registros eletrônicos, que são uma fonte confiável e segura, ao contrário das pesquisas autoadministradas. Além disso, especialistas em DA revisaram os registros dos pacientes.
A prevalência geral de DA em pacientes adultos foi de 3%, enquanto para as formas graves da doença foi de 0,3%. As comorbidades mais frequentes foram rinite alérgica e obesidade. A disponibilidade de dados estatísticos confiáveis sobre a prevalência de DA em adultos torna possível a visualização da doença e seu impacto.
Uma verba não restritiva foi recebida da Sanofi Genzyme Argentina para o desenvolvimento deste trabalho.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresMaria Valeria Angles: Concebeu a ideia original, contribuiu com o desenho e implementação da pesquisa; contribuiu para a implementação da pesquisa e análise dos resultados; discutiu os resultados e contribuiu para o manuscrito final; aprovou o manuscrito final.
Carolina Andrea Antonietti: Concebeu a ideia original, contribuiu com o desenho e implementação da pesquisa; contribuiu para a implementação da pesquisa e análise dos resultados; discutiu os resultados e contribuiu com o manuscrito final; aprovou o manuscrito final.
Ana Clara Torre: Concebeu a ideia original, contribuiu com o desenho e implementação da pesquisa; contribuiu para a implementação da pesquisa e análise dos resultados; discutiu os resultados e contribuiu com o manuscrito final; aprovou o manuscrito final.
Estefanía Juszkiewicz Franzé: Contribuiu para a implementação da pesquisa e análise dos resultados; discutiu os resultados e contribuiu com o manuscrito final; aprovou o manuscrito final.
Luis Daniel Mazzuoccolo: Concebeu a ideia original, contribuiu com o desenho e implementação da pesquisa; supervisionou o projeto; discutiu os resultados e contribuiu com o manuscrito final; aprovou o manuscrito final.
Claudio Alberto Salvador Parisi: Concebeu a ideia original, contribuiu com o desenho e implementação da pesquisa; supervisionou o projeto; discutiu os resultados e contribuiu com o manuscrito final; aprovou o manuscrito final.
Conflito de interessesAngles MV, Parisi CAS, Mazzuocolo LD: Pesquisadora e palestrante da Sanofi e Abbvie.
Torre AC: Palestrante da Novartis e pesquisadora da Sanofi.
Antonietti C: Pesquisadora da Abbvie e Sanofi.
Juszkiewicz Franzé E: Pesquisadora da Sanofi..