A cromoblastomicose é micose subcutânea causada por implantação traumática de fungos demáceos, acometendo principalmente membros inferiores de homens trabalhadores rurais nas regiões tropicais e subtropicais.1 É raramente relatada em hospedeiros imunossuprimidos, em particular nos receptores de transplante de órgãos sólidos ou em associação com doenças neoplásicas.2,3 Nosso caso trata de paciente do sexo masculino, 63 anos, morador da zona urbana, trabalhador da construção civil, que referia lesão no antebraço direito após trauma local com galho de árvore havia três anos. O crescimento foi lento e progressivo, com discreto prurido local. O paciente era hipertenso e transplantado renal havia cinco anos em virtude de doença renal crônica, provavelmente secundária ao uso de anti‐inflamatórios não hormonais, e estava em uso de tacrolimus 2mg/dia, sirolimus 2mg/dia e prednisona 5mg/dia.
Ao exame, observava‐se placa infiltrada eritemato‐descamativa de 2,5×3,0cm incluindo área cicatricial (fig. 1A). A dermatoscopia, utilizando‐se de luz polarizada, marca Heine, modelo Delta 30, evidenciou fundo rosa avermelhado, escamas, estruturas ovoides laranja‐avermelhadas intercaladas com pontos marrons e lagos vermelhos extravasculares em área não recoberta por escamo‐crostas (fig. 1B).
(A) Lesão em placa infiltrada, com superfície recoberta por escamo‐crostas localizada no antebraço direito. (B) Dermatoscopia sob luz polarizada evidenciou fundo rosa avermelhado (asterisco), escamas (seta preta), estruturas ovoides laranja‐avermelhadas intercaladas com pontos marrons (seta amarela) e lagos vermelhos extravasculares em área não recoberta por escamo‐crostas (ponta de seta)
A histopatologia mostrou infiltrado inflamatório granulomatoso dérmico associado a microabscesso neutrofílico e frequentes estruturas fúngicas redondas, acastanhadas, características de células escleróticas ou muriformes, algumas delas no citoplasma de células gigantes multinucleadas (fig. 2) e apresentando septação equatorial. O cultivo em ágar Mycosel evidenciou colônia de coloração negro‐esverdeada, de aspecto aveludado e elevação central (fig. 3A) e microcultivo com presença de esporulação tipo Cladosporium com conidióforos, eretos, de cadeias curtas com dois a três conídios no ápice ou próximo do ápice, compatíveis com Fonsecaea spp. (fig. 3B). Em decorrência da pandemia de COVID‐19, o paciente foi reavaliado nove meses após a consulta inicial, referindo lesão estável. Informava a substituição do sirolimus por micofenolato mofetil no período. Foi submetido a exérese cirúrgica, com margem de 5mm. O paciente retornou para reavaliação após dois meses da cirurgia com boa cicatrização e sem sinais de recidiva (fig. 4), mantendo aspecto cicatricial quando da última reavaliação, correspondendo ao nono mês após procedimento.
Os países de maior prevalência da cromoblastomicose são Brasil, México, Venezuela, Índia, Austrália e China.2 No Brasil, a micose ocorre na maioria dos estados, destacando‐se o estado do Pará com a maior incidência.1 Os membros inferiores são as áreas mais acometidas, seguidos pelos membros superiores; sexo masculino, idade entre 20‐60 anos e atividade rural são o denominador comum em 90% dos casos.1–5 O agente etiológico mais prevalente é o Fonsecaeapedrosoi (66%–96% dos casos), seguido por Cladophialophora carrionii e Phialophora verrucosa.2–5 A manifestação clínica da cromoblastomicose é polimórfica e pode se apresentar como lesão verrucosa, nodular, tumoral, cicatricial ou em placa infiltrada.2 A evolução das lesões associadas à imunossupressão pós‐transplante não difere, na maioria dos casos, do observado no paciente imunocompetente, ou seja, crescimento lento, indolente.3–5 Pode‐se especular que o tacrolimus, por sua ação também antifúngica, retarde a evolução da lesão.6
Presença de doenças ou uso de medicações imunossupressoras associadas foi descrita em apenas 0,2% dos casos relatados, e o transplante de órgãos sólidos é o mais comum, seguido de infecção pelo HIV, artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico (LES), neoplasia da bexiga, doença celíaca, anemia perniciosa e linfoma não Hodgkin.3–5
À dermatoscopia, observa‐se usualmente a presença de pontos preto‐avermelhados que representam a eliminação transepidérmica de células inflamatórias, elementos fúngicos ou hemorragia. Estruturas ovoides amarelo alaranjadas sobre fundo branco‐róseo, vasos polimórficos, escamas e crostas também podem ser visualizadas.7 O tratamento de escolha da cromoblastomicose, sempre que possível, é a remoção cirúrgica, associada ou não ao tratamento clínico ou a tratamentos físicos adjuvantes que possam reduzir o diâmetro da lesão e permitir a exérese cirúrgica. Recomenda‐se o seguimento pós‐cirúrgico a longo prazo, pois recidivas são possíveis. Itraconazol entre 200–400mg/dia por tempo variável, ou em combinação com terbinafina 500mg/dia, são os antifúngicos mais utilizados. Posaconazol é alternativa após falha ou intolerância ao tratamento clínico clássico.8 Métodos terapêuticos físicos como termoterapia, crioterapia, terapia a laser e terapia fotodinâmica, podem ser eficazes ou úteis como adjuvantes.2
A cromoblastomicose constitui‐se desafio diagnóstico em pacientes imunossuprimidos, pois é raramente observada ou relatada na literatura. Importante estar atento às interações medicamentosas entre antifúngicos sistêmicos e a terapia imunossupressora em uso, o que pode se constituir em limitante importante ao tratamento.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresIngrid Rocha Meireles Holanda: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Priscila Neri Lacerda: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Carolina Nunhez da Silva: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Rosangela Maria Pires de Camargo: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Anna Carolina Miola: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Silvio Alencar Marques: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.