Hanseníase é uma doença infecciosa crônica causada por Mycobacterium leprae e, dependendo do estado imunológico do hospedeiro, apresenta diferentes formas clínicas. É relatado o caso de um homem de 46 anos de idade que apresentava lesões hipoestésicas na região infra‐hioidea havia 30 dias. A baciloscopia foi negativa. O exame anatomopatológico evidenciou alterações correspondentes ao polo tuberculoide (histiócitos epitelioides) e ao virchowiano (histiócitos espumosos), compatível com hanseníase borderline virchowiana (Ridley e Jopling). Testes rápidos para HIV I, II e sífilis foram positivos, com contagem de CD4 de 223. Iniciou tratamento com poliquimioterapia multibacilar, terapia antirretroviral e penicilina benzatina com melhora clínica pronunciada em dois meses.
Homem, 46 anos de idade, apresentava duas placas eritematosas e infiltradas havia 30 dias, com alteração da sensibilidade térmica, tátil e dolorosa na região infra‐hioidea (fig. 1). Relatou também diarreia e perda de 8kg em quatro meses. A baciloscopia foi negativa. A histopatologia evidenciou infiltrado inflamatório dérmico difuso constituído por histiócitos epitelioides e células espumosas focais, linfócitos e células gigantes tipo Langhans, distribuído em torno de vasos, anexos e nervos (fig. 2). Observou‐se na derme papilar vários bacilos isolados e fragmentados por método de Fite (fig. 3). A reação em cadeia da polimerase (PCR) foi positiva para Mycobacterium leprae; cultura para outras microbactérias foi negativa. Sorologias para sífilis e HIV foram positivas, com CD4 de 223 e carga viral de 221.601 cópias. Com o diagnóstico de hanseníase borderline virchowiana, iniciou tratamento com poliquimioterapia multibacilar (PQT‐MB), penicilina benzatina e terapia antirretroviral, com regressão parcial das lesões após dois meses (fig. 4).
- a)
Micobacteriose atípica
- b)
Sarcoidose
- c)
Hanseníase
- d)
Tuberculose cutânea
Devido às interações entre M. leprae e a resposta imune do hospedeiro, a hanseníase se manifesta com grande polimorfismo clínico, justificando a existência de diversas classificações da doença propostas ao longo da história.1
Havia uma suposição de que nos pacientes coinfectados pela hanseníase e HIV, o sistema imunológico comprometido poderia interferir em diversos aspectos clínico‐patológicos da hanseníase.2 No entanto, estudos mostraram que não há impacto direto na taxa de detecção da doença nos pacientes HIV positivos, e que as formas clínicas clássicas prevalecem. As reações hansênicas também não parecem ser mais frequentes, e o tratamento se mostrou efetivo nas doses e tempo usuais.3
No caso relatado, o paciente apresentava quadro clínico incomum, mimetizando várias doenças, o que dificultou o diagnóstico e sua alocação no esquema terapêutico apropriado. A conclusão foi estabelecida por exames não disponíveis em unidades de atenção básica à saúde. A baciloscopia, realizada por raspado intradérmico de quatro sítios, dos quais um deles é a lesão infra‐hioidea, foi negativa mesmo após repetida – de modo inusitado, a histopatologia mostrou que os bacilos estavam localizados no limite entre a derme papilar e reticular e estavam restritos a um determinado campo, e não distribuídos difusamente. A categorização clínico‐patológica do paciente tornou‐se um desafio.
Optou‐se por classificá‐lo como borderline virchowiano (classificação de Ridley e Jopling), fundamentado nos achados histopatológicos que mostraram características do polo tuberculoide (granulomas epiteloides) e do polo virchowiano (histiócitos vacuolizados) em uma mesma biópsia, possivelmente registrando a forma borderline‐borderline em transição para borderline virchowiano.4,5
A realização de exames de rotina no serviço de atendimento de referência possibilitou o diagnóstico de comorbidades (AIDS e sífilis) no paciente. Também foi possível efetuar exames como a histopatologia e a PCR, que propiciaram a conclusão diagnóstica de hanseníase em uma lesão clínica atípica.
Considera‐se importante ressaltar que a rede de atenção básica à saúde deve dispor de serviços de referência providos de condições técnicas para confirmar ou descartar o diagnóstico de hanseníase em pacientes nos quais a apresentação clínica difere da habitual.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresNatália Tenório Cavalcante Bezerra: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Antonio Pedro Mendes Schettini: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
André Luiz Leturiondo: participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Liana Hortência Miranda Tubilla Mathias: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Conflito de interessesNenhum.