Descreve‐se paciente do sexo feminino, 28 anos, branca, hígida, apresentava múltiplos nódulos eritemato‐violáceos, dolorosos e supurativos nos glúteos e nas coxas, que surgiram após duas semanas de mesoterapia com desoxicolato, cafeína, lipossomas de girassol e sinetrol, para gordura localizada. Fez uso de antibióticos para micobacteriose atípica, sem resposta satisfatória. Culturas para bactérias, micobactérias e fungos foram negativas. A histopatologia foi indicativa de paniculite supurativa não infecciosa. Houve remissão do quadro após uso de metrotrexato, prednisona e hidroxicloroquina. Atentamos para a raridade dessa complicação, a importância de seu reconhecimento precoce e a diferenciação com micobacterioses atípicas de crescimento rápido.
Paciente do sexo feminino, 28 anos de idade, branca, previamente hígida, apresentava múltiplos nódulos eritemato‐violáceos, dolorosos e supurativos nos glúteos e na face lateral das coxas (fig. 1). O quadro desenvolveu‐se após duas semanas de mesoterapia com desoxicolato sódico 6%, lipossomas de girassol 5%, sinetrol 5% e cafeína 50mg (oriundo de farmácia de manipulação) para gordura localizada, administrado por farmacêutico, no escritório da paciente.
Foram usados claritromicina, ciprofloxacina, doxiciclina e sulfametoxazol‐trimetoprim, sem resposta. Culturas para bactérias, micobactérias e fungos foram negativas. O estudo anatomopatológico evidenciou processo inflamatório linfo‐histiocitário difuso com micoabscessos de neutrófilos, acometia derme superficial, profunda e tecido celular subcutâneo (fig. 2).
No presente caso, iniciou‐se dapsona 100mg; entretanto, evoluiu com DRESS (drug reaction with eosinophilia and systemic symptoms) após 15 dias e foi substituído por metotrexato 17,5mg/semana, hidroxicloroquina 400mg/dia e prednisona 10mg/dia. Após dois meses de tratamento, houve importante melhoria do processo inflamatório e evolução para áreas cicatriciais residuais (fig. 3).
DiscussãoA mesoterapia foi descrita na década de 1950 e vem sendo reintroduzida como método de rejuvenescimento e dissolução de depósitos de gordura, com vistas à perda de peso, de medidas e à redução de lipodistrofia ginoide. Nesses casos, visa à lipólise a partir de múltiplas injeções no tecido subcutâneo de substâncias detergentes ou lipolíticas como desoxicolato, fosfatidilcolina e cafeína.1–3
Excluindo‐se os efeitos locais imediatos, infecção é a complicação mais relatada. Há mais de 200 relatos de infecções associadas à mesoterapia na literatura médica, todas causadas por micobactérias atípicas de rápido crescimento.4–6
Com o crescente aumento dessa técnica, conduzida por profissionais médicos e não médicos, é mister conhecer as complicações possíveis e suas opções de tratamento. Relatamos caso de paniculite supurativa não infecciosa após mesoterapia, evento raro ocasionado pela pressão de injeção, trauma local ou tipos de substâncias injetadas, especialmente altas doses de fosfatidilcolina ou desoxicolato.7,8
O desoxicolato é o fármaco mais usado, especialmente quando em concentrações maiores do que 5%, como neste caso. Porém, não se pode estimar o efeito dos demais compostos da formulação usada ou ainda a importância de sua associação.7–10
A grande similaridade clínica com infecção por microbactérias de crescimento rápido (M. fortuitum, M. abscessus, M. chelonae, M. frederiksbergense, M. cosmeticum, M. peregrinum, M. simiae, M. immunogenum, M. bolleti, M. massiliense), que também podem ser inoculadas por mesoterapia, exige a pesquisa de BAAR (bacilo álcool‐ácido resistente) na secreção ou no tecido, que usualmente mostra grande número de bacilos, e cujo tratamento difere da paniculite não infecciosa.4–6
Salienta‐se que são poucos os estudos sobre o tratamento dessa complicação. Até o momento, não foi estabelecido um medicamento de primeira escolha. Alguns autores relataram o uso de corticosteroides e especialmente de dapsona com bons resultados após 2–4 meses de tratamento.7–9
O presente relato de caso objetivou destacar a necessidade da suspeição do diagnóstico de paniculite supurativa não infecciosa após mesoterapia e a importância de conhecer os componentes e as concentrações das substâncias injetadas, assim como iniciar terapêutica adequada, precocemente.10
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLuana Moraes Campos: Concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Luciane Donida Bartoli Miot: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Mariângela Esther Alencar Marques: Obtenção, análise e interpretação dos dados.
Hélio Amante Miot: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Campos LM, Miot LDB, Marques MEA, Miot HA. Noninfectious suppurative panniculitis induced by mesotherapy with deoxycholate. An Bras Dermatol. 2019;94:754–6.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia e Radioterapia, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, SP, Brasil.