O carcinoma de células de Merkel (CCM) é câncer cutâneo raro, mas agressivo, e ocorre principalmente em caucasianos idosos, especialmente em pacientes imunocomprometidos. É relatado que até 80% dos casos de CCM estão associados à infecção por poliomavírus de células de Merkel (MCPyV, do inglês Merkel cell polyomavirus) e 20% estão relacionados à radiação ultravioleta.1 A apresentação clínica do CCM é inespecífica e variada, porém mais comumente surge como nódulo violáceo solitário de crescimento rápido, com ou sem ulceração. Aproximadamente 26% a 36% dos pacientes com CCM têm envolvimento de linfonodo e 6% a 16% apresentam metástase à distância em sua consulta inicial.2 Cirurgia e radioterapia são tratamentos de primeira linha, contudo uma modalidade de tratamento eficaz emergente são os inibidores imunológicos de vias de sinalização (ICI, do inglês immune checkpoint inhibitor).3
O presente relato descreve um caso extremamente raro de CCM em paciente jovem com rápida deterioração para compartilhar experiência para o diagnóstico e tratamento.
Relato do casoPaciente do sexo masculino, de 38 anos, tinha história de cinco anos de lesão incaracterística no dedo indicador esquerdo, e procurou atendimento dermatológico em virtude de um nódulo assintomático no mesmo local. Inicialmente em 2015 apresentou lesão eczematosa no dedo indicador esquerdo e apenas aceitou tratamento com pomada. Surgiu então um nódulo eritematoso que foi removido cirurgicamente em 2016, sem exame anatomopatológico. Quatro anos depois, apareceu no mesmo local um nódulo eritêmato‐purpúrico indolor, com crescimento progressivo, medindo 52×51×39mm, que parecia estar coberto por pequenos vasos dilatados (fig. 1). Além disso, o exame físico mostrou nódulos eritematosos com crostas descamativas na região tenar direita e no tornozelo direito. O paciente não relatou trauma nessas áreas nem sintomas sistêmicos como febre ou perda ponderal. Era dentista, residia em área urbana sem epidemias e negava antecedentes familiares e uso prolongado de medicamentos. Além disso, infecção por HIV foi descartada.
Em julho de 2020 foram realizadas excisão ampla da neoplasia do dedo indicador esquerdo e dissecção de linfonodo axilar. Os resultados da histopatologia na coloração pelo método da hematoxilina‐eosina e da análise imuno‐histoquímica estavam de acordo com as características histopatológicas de CCM (fig. 2). Além disso, o diagnóstico anatomopatológico das outras duas lesões foi de carcinoma espinocelular (CEC). A lesão foi excisada cirurgicamente. O paciente então aceitou terapia adjuvante (etoposido, cisplatina, pembrolizumabe), e exames de sangue de rotina, testes de função renal e hepática foram cuidadosamente monitorados (fig. 3). A doença se manteve estável por quatro meses. Entretanto, o fígado foi invadido por CCM em dezembro de 2020 (fig. 4A), o que sugeriu que o tratamento adjuvante não era mais eficaz. Como o paciente ainda era jovem, foi oferecida radioterapia local (48Gy/16F) para metástases hepáticas, e o inibidor de tirosina quinase apatinibe foi administrado com o consentimento do paciente. Em fevereiro de 2021, ele apresentou piora clínica grave e foram observados múltiplos linfonodos cervicais aumentados (fig. 4B). Por fim, o paciente veio a óbito sete dias após a hospitalização.
Este relato apresenta um caso de CCM em paciente do sexo masculino com menos de 40 anos de idade, que respondeu mal à terapia instituída. Em virtude de sua raridade, quase todas as recomendações de tratamento do CCM são derivadas de estudos retrospectivos, e vários fatores são aqui considerados que potencialmente explicariam sua fraca resposta à imunoterapia.
O primeiro fator a considerar é a idade. Paulson & Nghiem (2019)4 relataram a maior fração de metástases e curso mais agressivo em pacientes mais jovens com CCM. O CCM foi muitas vezes diagnosticado erroneamente em virtude do seu aspecto clínico inespecífico; o caso do paciente deste relato foi tratado como eczema durante cinco anos, o que impediu um tratamento apropriado. Além disso, há estudo indicando que os carcinomas neuroendócrinos associados ao CEC apresentavam maior incidência de recorrência local.5 No presente relato, também chama a atenção o fato de o paciente apresentar repetidamente lesões no mesmo sítio cutâneo. É difícil identificar sua conexão porque não houve exame histopatológico antes dessa hospitalização.
Os resultados do sequenciamento de próxima geração de sangue periférico não mostraram variação somática nos genomas dos tumores. Além disso, esse paciente tinha baixo escore de carga de mutação tumoral (TMB, do inglês tumor mutation burden – bTMB‐L <1 Muts/Mb), bem como nível de expressão de PD‐L1 (5% a 10%) e densidade de linfócitos infiltrantes no tumor CD8+ (TILs, do inglês tumor‐infiltrating lymphocytes) relativamente mais baixos (10,01 psc/mm2), que são todos indicadores relacionados à resposta imune no CCM.6 Adicionalmente, o CCM localizado nas extremidades e afetando o fígado também é uma característica adversa importante.7,8
O paciente do presente caso apresentou maior agressividade do tumor e pior resposta terapêutica em virtude de múltiplos fatores. Portanto, enfatizamos a importância a importância da realização da histopatologia precocemente, bem como avaliação adequada antes do tratamento.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresYixin Liu: Obtenção dos dados, redação do manuscrito.
Wenjing Liang: Obtenção dos dados, revisão crítica do manuscrito.
Qiongrong Chen: Revisão crítica da literatura.
Yongchang Wei: Aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.