Compartilhar
Informação da revista
Vol. 99. Núm. 4.
Páginas 632-634 (1 julho 2024)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
2362
Vol. 99. Núm. 4.
Páginas 632-634 (1 julho 2024)
Cartas ‐ Tropical/Infectoparasitária
Acesso de texto completo
Sífilis secundária ocorrendo sob terapia anti‐CD20: riscos, progressão e abordagem
Visitas
2362
Luiz Augusto Fabricio de Melo Garbersa, Tissiana Marques de Haesb, Cacilda da Silva Souzaa,
Autor para correspondência
cssouza@fmrp.usp.br

Autor para correspondência.
a Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
b Departamento de Neurociências e Ciências do Comportamento, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil
Este item recebeu
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Figuras (3)
Mostrar maisMostrar menos
Material adicional (1)
Texto Completo
Prezado Editor,

O emprego crescente das imunoterapias trouxe questões relativas às alterações da resposta imune frente à ocorrência da sífilis em pacientes recebendo essas terapêuticas.

Homem de 22 anos em uso de ocrelizumabe (anti‐CD20) para esclerose múltipla, apresentou erupção cutânea não pruriginosa, e dois episódios febris há 20 dias. Quando foi questionado, referiu lesões descamativas nas mãos; eritema e descamação, sem ulceração na glande, de resolução espontânea, cerca de 4 semanas após relação sexual desprotegida. Ao exame, foram observadas lesões maculopapulares eritematosas‐acobreadas no tronco, algumas com crosta hemática central na parte superior (fig. 1A‐B); lesões finamente descamativas circundando a fronte, regiões temporais, periauriculares e cervical posterior, no formato de coroa (corona veneris) (fig. 2), e com descamação periférica exuberante (colarete de Biett) nas palmas das mãos, plantas dos pés e punhos (fig. 3A‐B). O conjunto dessas manifestações cutâneas e sistêmicas indicaram sífilis secundária. A investigação laboratorial mostrou o teste VDRL (Venereal Disease Research Laboratory) com título sérico baixo (1/2), e negativo no líquor, com hiperproteinorraquia, 56 mg/dL (15‐45 mg/dL); positividade no teste confirmatório de quimioluminescência para anticorpos treponêmicos, e negatividade no teste para o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). A dosagem de IgM foi reduzida, 24 mg/dL (50‐300 mg/dL), e as de IgA e IgG, normais. Foi indicada penicilina benzatina intramuscular 2,4 milhões de unidades semanais, durante 3 semanas consecutivas, seguida de ceftriaxona endovenosa, 2g diários por 14 dias.

Figura 1.

(A) Máculas e pápulas eritematosas‐acobreadas no tronco; (B) Lesões com sobreposição de crosta hemática central na parte superior.

(0.2MB).
Figura 2.

(A) Corona veneris: fina descamação periférica (colarete de Biett) sobre lesões circundando a fronte, (B) regiões temporal, pré, intra e retro‐aurilar e (C) base do pescoço (setas brancas).

(0.27MB).
Figura 3.

(A) Colarete de Biett exuberante sobre lesões maculopapulares eritematosas nas palmas das mãs, punhos e (B) plantas dos pés.

(0.2MB).

O Treponema pallidum penetra através de microabrasões nas membranas mucosas ou pele, genital ou extragenital, com formação de úlcera indolor com base endurecida (cancro primário). Seis a dez semanas após a infecção primária, a sífilis secundária se manifesta por erupção polimórfica cutânea e/ou mucosa, linfadenopatia e outros sintomas sistêmicos inespecíficos.

Testes sorológicos de triagem não‐treponêmicos (VDRL, RPR ‐ Rapid Test Reagin) e testes confirmatórios treponêmicos (FT‐ABS, TPHA ‐ Treponema Pallidum Hemaglutination Assay, TPPA Treponema Pallidum Particle‐Agglutination assay) são amplamente utilizados para o diagnóstico da sífilis, e o ensaio molecular de PCR e a imunohistoquímica devem ser considerados na investigação de casos atípicos, ou condições em que a resposta humoral e os testes sorológicos possam estar prejudicados.1,2

Ocrelizumabe e rituximabe são anticorpos monoclonais contra o marcador CD20 em linfócitos B. A sua depleção envolve um risco de diminuição dos níveis de imunoglobulinas e, consequentemente, da resposta humoral aos neoantígenos. Após a terapia anti‐CD20, a recuperação das células B é lenta e não uniforme, e as células B de memória podem permanecer depletadas. Comparado ao ocrelizumabe, o rituximabe foi um preditor independente de hipogamaglobulinemia, o que pode reduzir a resposta humoral.1

Prévio relato de paciente tratado com rituximabe para esclerose múltipla e erupção cutânea típica da sífilis secundária, apresentou os testes sorológicos VDRL e TPPA negativos em repetidas dosagens e a soroconversão retardada em mais de 3 semanas após o início dos sintomas e manifestações cutâneas, mas PCR e imunohistoquímica positivas para T. pallidum.2

A redução da resposta humoral resultando em negatividade, soroconversão retardada ou baixa titulação nos testes sorológicos para sífilis deve ser esperada em pacientes sob a terapêutica de classe anti‐CD20. Tais condições podem dificultar o diagnóstico, e as manifestações clínicas tornam‐se cruciais indicadores para a suspeição e a persistência na investigação da sífilis, com testes confirmatórios, imunohistoquímicos ou moleculares, e de um possível envolvimento de outros sistemas.

Em adição aos seis casos da revisão Iglesias‐Plaza,3 foram identificados mais sete casos da ocorrência de sífilis em pacientes sob terapêutica imunobiológica. A maioria de homens (9), entre 16 anos e 66 anos, com psoríase e/ou artrite psoriásica (4), artrite reumatóide (2), artrite idiopática juvenil (1), espondilite anquilosante (1), doença de Chron/retocolite ulcerativa (2) e esclerose múltipla (1), em uso de infliximabe (3), adalimumabe (3), etanercepte (2), ustequinumabe (1), golimumabe (1), tocilizumabe (1), secuquinumabe (1) e rituximabe (1), em acordo com as respectivas indicações. Dentre sete casos investigados (7/13), cinco casos (71,43%) tiveram confirmação de neurossífilis, e três eram sintomáticos. Todos os pacientes sob terapêuticas anti‐TNF apresentaram testes sorológicos positivos, entretanto, a imunossupressão é um fator de risco para o curso acelerado da doença, e potencialmente para a neurossífilis (tabela suplementar 1).3‐8 A confirmação de neurossífilis, sífilis ocular ou otossífilis exige o uso endovenoso da penicilina G cristalina 18 a 24 milhões de unidades por dia, por 10‐14 dias, ou alternativamente ceftriaxona 1g a 2g diários (via intravenosa ou intramuscular) por 10 a 14 dias.9

Estratégias de redução de risco em pacientes imunocomprometidos incluem educação e aconselhamento preventivo para as infecções sexualmente transmissíveis, além das sorologias de triagem e de rotina para o uso de imunobiológicos.

O mimetismo da sífilis pode impor dificuldades para suspeição, ainda, naqueles com imunossupressão pode ocorrer rápida progressão e desafios na comprovação, exigindo investigação e interpretação criteriosas, e o uso de diversos métodos diagnósticos.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Luiz Augusto Fabricio de Melo Garbers: levantamento dos dados, obtenção ou análise e interpretação dos dados; redação e preparação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; aprovação final da versão final do manuscrito.

Tissiana Marques de Haes: Levantamento dos dados, obtenção ou análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; aprovação final da versão final do manuscrito.

Cacilda da Silva Souza: Concepção e o desenho do estudo de caso; levantamento dos dados, obtenção ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica do caso estudado; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
V. Mears, C. Jakubecz, C. Seeco, S. Woodson, A. Serra, H. Abboud.
Predictors of hypogammaglobulinemia and serious infections among patients receiving ocrelizumab or rituximab for treatment of MS and NMOSD.
J Neuroimmunol., 377 (2023), pp. 578066
[2]
C. Lefeuvre, A. Croué, P. Abgueguen, M. Letzelter, A. Ducancelle, P. Grange, et al.
Serological diagnosis of secondary syphilis in a Rituximab‐treated patient: an emerging diagnostic challenge?.
J Eur Acad Dermatol Venereol., 35 (2021), pp. e350-e352
[3]
A. Iglesias-Plaza, M. Iglesias-Sancho, M. Quintana-Codina, J. García-Miguel, M. Salleras-Redonnet.
Syphilis in the setting of anti‐tumor necrosis factor alpha therapy.
Reumatol Clin (Engl Ed)., 15 (2019), pp. e108-e110
[4]
A.F. Pedrosa, S. Magina, F. Azevedo, C. Lisboa.
Re‐emergence of syphilis in the biological era.
Int J Dermatol., 55 (2016), pp. e626-e628
[5]
U. Uslu, F. Heppt, M. Sticherling.
Secondary syphilis infection under treatment with ustekinumab.
Clin Exp Dermatol., 42 (2017), pp. 836-838
[6]
I.K. Yıldızhan, H.E. Şanlı, H. Çetinkaya, B.N. Akay, P. Koçyiğit, N. Kundakçı.
A rare case of malignant syphilis after adalimumab therapy due to Crohn's disease associated with bariatric surgery.
Diagn Microbiol Infect Dis., 95 (2019), pp. 89-92
[7]
C.A. Dos Santos, L.C. Benevides, R.N. Cardili, G.C.S. Pileggi, V.P.L. Ferriani, A.M.F. Roselino.
Malignant syphilis in a young patient with juvenile idiopathic arthritis under biological therapy.
J Clin Rheumatol., 27 (2021), pp. S382-S383
[8]
A. Duncan, N. Zingas, A. Ahmed, R. Shih.
The great imitator: latent neurosyphilis revealed after initiation of the immunosuppressive drug secukinumab.
Cureus., 13 (2021), pp. e18462
[9]
Centers for disease control and prevention. Sexually transmitted infections treatment guidelines, 2021. Division of STD prevention, national center for HIV, Viral Hepatitis, STD, and TB prevention, centers for disease control and prevention. [Cited 2023 jun 28] Available from: https://www.cdc.gov/std/treatment‐guidelines/syphilis.htm.

Como citar este artigo: Garbers LAFM, Haes TM, Silva Souza C. Secondary syphilis occurring under anti‐CD20 therapy: risks, progression and approach. An Bras Dermatol. 2024;99:639–41.

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil

Copyright © 2024. Sociedade Brasileira de Dermatologia
Baixar PDF
Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
Opções de artigo
Ferramentas
Material Suplementar
en pt
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.