A ulceração vulvar aguda de Lipschütz é condição não sexualmente adquirida, que se caracteriza pelo aparecimento súbito de úlceras genitais necróticas e dolorosas. A autorresolução sem cicatrizes e recidivas é o curso normal da condição.1 A patogênese das úlceras aftosas vulvares não é clara. Vários relatos descreveram úlceras aftosas como resposta imune desregulada associada a uma variedade de infecções, incluindo citomegalovírus (CMV), influenza, vírus da caxumba, salmonela, micoplasma e principalmente o vírus Epstein‐Barr (EBV).2
Mais de 334 milhões de doses das vacinas Moderna, Pfizer e Johnson & Johnson foram administradas desde dezembro de 2020. Os efeitos colaterais são comuns e amplamente relatados. Os efeitos colaterais sistêmicos após a vacina Pfizer contra a COVID‐19, como dor de cabeça, fadiga, calafrios, diarreia, febre e mialgias, são bem conhecidos.3 Entretanto, as manifestações cutâneas não são tão bem estudadas.4 Neste breve relato, apresentamos o caso de uma paciente que apresentou úlcera aftosa vulvar após receber a vacina da Pfizer contra COVID‐19.
Uma menina de 13 anos, sem antecedentes pessoais relevantes, apresentou febre, mialgias e dor intensa na genitália 48 horas após ter sido vacinada com a segunda dose da vacina contra COVID‐19 (Pfizer).
Após o exame, foram observadas úlceras fibrinosas com padrão em espelho (kissing ulcers) na vulva (fig. 1).
A paciente negou o início das relações sexuais e relatou menarca há um ano, com menstruações regulares que não coincidiam com as úlceras.
As culturas de exsudato e PCR para herpes‐vírus 1 e 2, treponema e micoplasma da vulva foram negativas. Testes sorológicos incluindo HIV, vírus Epstein‐Barr e anticorpos antinucleares também foram negativos. A paciente também apresentou teste de nasofaringe negativo para infecção por SARS‐CoV‐2.
Foi iniciado tratamento empírico com antibióticos tópicos e corticoides. Em 15 dias, a paciente foi reavaliada, com resolução completa das lesões.
O caso foi notificado ao sistema espanhol de farmacovigilância. De acordo com seu algoritmo de casos, a úlcera vulvar foi considerada possivelmente relacionada à vacina.
Um dos raros efeitos colaterais da vacina contra COVID‐19 pode ser o aparecimento de úlceras na vulva. De fato, entre os 1.128.289 casos de efeitos adversos da vacina Pfizer contra a COVID‐19 que o banco de dados de farmacovigilância da Agência Europeia de Medicamentos (Eudravigilance) relatou até 24/09/22, 47 casos eram de úlceras vulvares.5
Ao serem comparados com dados das outras vacinas contra COVID‐19, nove casos de úlceras vulvares foram descritos com a vacina Moderna, 19 com a vacina AstraZeneca e um com a vacina Janssen até 24/09/22.5
Este relato descreve possível relação entre o desenvolvimento de úlceras aftosas vulvares e a vacinação contra COVID‐19. A presente paciente apresentava características clínicas típicas de úlcera aftosa, incluindo pródromo semelhante à influenza e manifestações dermatológicas características que ocorreram após receber a segunda dose da vacina Pfizer contra COVID‐19.6
Acredita‐se que as úlceras aftosas vulvares sejam desencadeadas pelo estresse fisiológico de uma variedade de insultos, principalmente infecções virais. A vacina contra COVID‐19da Pfizer BioNTech (BNT162b2), que a presente paciente recebeu, é um mRNA modificado por nucleosídeo formulado com nanopartículas lipídicas que codifica o domínio de ligação ao receptor da glicoproteína spike SARS‐CoV‐2. A glicoproteína spike é um alvo popular no desenvolvimento da vacina contra COVID‐19, pois realiza a mediação da entrada do SARS‐CoV‐2 nas células hospedeiras por meio da ligação ao receptor da enzima conversora da angiotensina 2.7
A relação temporal dos sintomas da presente paciente com a aplicação da vacina Pfizer BioNTech (BNT162b2) no contexto de um teste negativo para SARS‐COV‐2 RNA, bem como o descarte de outras etiologias infecciosas, sugere que seus sintomas sistêmicos e úlcera aftosa vulvar podem ter ocorrido secundários a uma resposta imune precipitada pela vacina.
Em resumo, este caso destaca possível nova associação entre a vacinação com Pfizer BioNTech (BNT162b2) mRNA contra COVID‐19 e úlcera aftosa vulvar. Um mecanismo proposto para estudo é investigar como a resposta do sistema imunológico à vacinação recapitula a resposta pró‐inflamatória associada a úlceras aftosas vulvares secundárias a doenças virais.
No caso da paciente aqui descrita, a resposta imune pode ter sido desencadeada pelas proteínas do vírus da vacina Pfizer contra COVID‐19 pois nenhuma outra causa subjacente foi encontrada.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresJuan Manuel Morón Ocaña: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura.
Ana Isabel Lorente Lavirgen: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Isabel María Coronel Pérez: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
María Luisa Martínez Barranca: Aprovação da versão final do manuscrito; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Morón‐Ocaña JM, Lorente‐Lavirgen AI, Coronel‐Pérez IM, Martínez Barranca ML. Lipschutz's vulvar ulcer in an adolescent after Pifzer COVID‐19 vaccine. An Bras Dermatol. 2024;99:125–6.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Hospital Universitario Virgen de Valme, Sevilha, Espanha.