O vitiligo é doença adquirida da pigmentação caracterizada pela perda de melanócitos epidérmicos e que afeta 0,5% da população no Brasil.1
O vitiligo segmentar (VS) apresenta‐se como máculas e manchas acrômicas mais comumente distribuídas de forma unissegmentar, respeitam a linha média corporal.1 Caracteriza‐se pelo rápido início do quadro, pode apresentar resposta limitada aos tratamentos clínicos, principalmente se iniciados de forma tardia.2 Além disso, preocupações a respeito de carcinogênese induzida por ultravioleta em pacientes transplantados de órgãos sólidos (TOS) limitam o uso da fototerapia nessa população.3
É apresentado caso de VS em paciente TOS tratado cirurgicamente por meio de suspensão de células epidérmicas não cultivadas (SCENC), sem fototerapia adjuvante e com bom resultado terapêutico.
Paciente do sexo masculino, de 31 anos, com histórico de máculas e manchas acrômicas no braço esquerdo de distribuição segmentar. As lesões iniciaram havia cinco anos, quando o paciente estava em uso de interferon alfa‐2a peguilado devido à nefropatia por IgA associada à hepatite B. Após o diagnóstico de vitiligo segmentar, recebeu à época tratamentos tópicos com creme de dipropionato de betametasona 0,05% e pomada de tacrolimus 0,1% por quatro meses, sem melhora. O paciente também foi submetido a 85 sessões de fototerapia UVBnb, com apenas 25% de melhoria das lesões. Sua nefropatia apresentou piora e o paciente iniciou hemodiálise, seguida de transplante renal.
No momento da consulta, o paciente apresentava lesões acrômicas em distribuição blashckoide, clinicamente compatíveis com VS, estáveis havia 4 anos.
Devido ao risco de carcinogênese, tratamentos fototerápicos adicionais foram contraindicados e o procedimento de SCENC foi planejado. Inicialmente, um fino enxerto de pele parcial com 8 cm2 foi obtido sob anestesia local da porção medial da coxa esquerda do paciente, com o auxílio de uma lâmina da shaving. Após, o enxerto foi incubado a 37°C em solução de tripsina 0,25% com ácido etilenodiamino tetra‐acético (EDTA) por 50 minutos. Após separação da epiderme da derme com auxílio de pinça anatômica delicada, as células epidérmicas ficaram dispersas em solução salina. A solução foi então transferida a tubo de ensaio e, após centrifugação a 1.500 rpm, o concentrado celular (pellet) foi obtido.
A área receptora foi demarcada (fig. 1) e preparada por meio de dermoabrasão superficial sob anestesia local (lidocaína 1% sem vasoconstritor). O concentrado celular foi ressuspendido em 1,5 mL de solução salina e transferido à área receptora. Os curativos compostos por membrana de colágeno, gaze vaselinada, gaze comum e filme adesivo transparente foram posicionados sobre a área e mantidos intactos por sete dias.
No momento do procedimento, o paciente estava em uso de everolimus 1 mg/dia, tacrolimus 3 mg/dia e prednisona 10 mg/dia havia um ano. Devido à história de imunossupressão, antibiótico oral (cefadroxila 500 mg 2×/dia) foi mantido por sete dias após o procedimento. Fototerapia adjuvante pós‐operatória não foi feita.
Após três meses do procedimento, repigmentação difusa de 95% da área receptora começou a se tornar visível, ficou mais evidente após seis meses de pós‐operatório (figs. 2 e 3).
As principais abordagens terapêuticas para VS incluem os corticoesteróides tópicos, imunomoduladores tópicos e a fototerapia. Embora a fototerapia seja considerada como primeira linha de tratamento no vitiligo,1 a resposta do VS a modalidades terapêuticas como a UVBnb é limitada. Um estudo coreano demonstrou que a taxas de repigmentação em pacientes com VS tratados com UVBnb variavam de 26,3% a 50%.2
Além disso, embora estudos com UVBnb não tenham demonstrado associação entre o tratamento e o surgimento de carcinomas queratinocíticos ou melanoma em pacientes imunocompetentes,4 atenção especial deve ser dada à população de TOS. Comparativamente com a população em geral, pacientes TOS apresentam susceptibilidade 65 a 250 vezes maior de desenvolver carcinomas espinocelulares.5
O paciente do presente relato apresentava lesões de vitiligo estáveis havia cinco anos. A estabilidade lesional é o principal critério na indicação do tratamento cirúrgico do vitiligo, uma vez que sua presença está diretamente relacionada com bons resultados terapêuticos.1 Em teoria, devido ao uso crônico de imunossupressores, a população de TOS tende a apresentar um quadro de vitiligo mais estável, o que os tornando bons candidatos ao procedimento cirúrgico.
Embora haja evidência que embase o uso de fototerapia pré e pós‐operatória para aprimorar resultados no tratamento cirúrgico do vitiligo, a técnica de SCENC em monoterapia pode ser considerada em situações nas quais a exposição ultravioleta esteja contraindicada.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresGerson Dellatorre: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Caio César Silva de Castro: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.