A síndrome de Sweet é doença inflamatória caracterizada por febre, neutrofilia, pápulas e placas eritematosas e infiltrado neutrofílico. A sífilis tem sido relatada como uma de suas causas infecciosas, e pode apresentar manifestações atípicas; uma apresentação rara é a sífilis nodular, caracterizada por nódulos com granulomas e plasmócitos na histopatologia. Relata‐se uma paciente de 20 anos de idade com placas e nódulos na pele e sintomas sistêmicos. O estudo histopatológico revelou granulomas não tuberculoides e infiltrado inflamatório denso de neutrófilos polimorfonucleares na derme. Esses achados, somados às anormalidades laboratoriais características de ambas as condições, foram conclusivos para a associação de síndrome de Sweet e sífilis nodular.
A Síndrome de Sweet (SS) é doença inflamatória rara, de rápida progressão, caracterizada por febre, neutrofilia, pápulas eritematosas dolorosas ou placas acompanhadas por um denso infiltrado neutrofílico na derme papilar sem vasculite.1 Em geral, é classificada em três configurações: clássica, associada a neoplasia maligna e induzida por medicamento. A SS clássica integra a SS idiopática, associada a vacinação, distúrbios inflamatórios, gravidez ou infecção.2 Entre as causas infecciosas, a sífilis quase não foi relatada.3 Além do exantema típico e das lesões na membrana mucosa, a sífilis secundária pode apresentar manifestações atípicas que imitam várias dermatoses.4 Uma apresentação clínica incomum é a sífilis nodular, caracterizada por nódulos e placas com uma avaliação histopatológica que mostra granulomas e plasmócitos, com quase 30 casos relatados.5 Outra apresentação pouco frequente é o aparecimento de placas eritematosas de evolução rápida semelhantes à SS.6–8
Este caso é apresentado em razão da escassez de relatos publicados na literatura sobre a associação entre as duas patologias.
Relato do casoPaciente do sexo feminino, 20 anos de idade, sem história de morbidades, veio à consulta em decorrência de um quadro clínico com 20 dias de evolução, caracterizado pelo aparecimento de lesões cutâneas dolorosas e de extensão progressiva, iniciado na face com subsequente acometimento do tronco e extremidades, relacionado a mal‐estar geral perceptível, dor de cabeça e febre. Ao exame físico, apresentava inúmeras pápulas, placas e nódulos eritematosos na face, tórax e região dorsal, abdome, antebraço, músculos, tornozelos, regiões palmoplantares, algumas lesões vesiculares e pústulas em abdome e tornozelo, e presença de leões eritematosas na abertura vaginal (fig. 1).
Diante da suspeita de dermatose neutrofílica, foram realizadas biópsias incisionais em lesão da região temporal esquerda, que demonstraram a presença de dermatite granulomatosa superficial e profunda não tuberculoide, com presença de plasmócitos (fig. 2). A biópsia na região abdominal evidenciou a presença de edema subepidérmico visível associado a um denso infiltrado de neutrófilos polimorfonucleares na derme superficial e média, sem vasculite (fig. 3). Hospitalização e hemograma foram indicados: Hb: 11,3g/dL, leucócitos: 17,300μL com segmentação de 86%, PCR: 329mg/L, HIV: não reativo, HbsAg: não reativo, HCV: não reativo, VDRL: diluição 1/16 reativo, MHA‐TP: reativo. De acordo com esses achados, a paciente foi diagnosticada com sífilis secundária associada a SS. Foram prescritos penicilina benzatina G intramuscular 2,4 MUI 2x/semana e prednisona 1mg/kg/dia. Durante a internação, após a primeira dose de penicilina, a paciente reagiu com febre, taquicardia e aumento dos parâmetros inflamatórios, o que foi interpretado como reação de Jarisch Herxheimer. Em relação às lesões cutâneas, a maioria apresentava aspecto pustular (fig. 4). Após três meses, no controle da segunda dose de penicilina, foram observadas cicatrizes atróficas na face e no tronco, cicatriz atrófica eritematosa com aspecto anetodérmico e hiperpigmentação pós‐inflamatória sem recorrência das lesões (fig. 5).
A associação entre sífilis e SS tem sido raramente relatada. O primeiro caso foi publicado em 1986, no qual os autores analisam se a sífilis é a causa da SS ou se a infecção simula essa síndrome.7 A sífilis é conhecida como grande imitadora, em decorrência da ampla variedade de apresentações clínicas.4 Uma forma incomum é a sífilis nodular, caracterizada por placas e nódulos eritematosos que, na histopatologia, frequentemente mostram granulomas e plasmócitos, achados compatíveis com uma das biópsias de nossa paciente. Esses achados, somados às lesões cutâneas características e aos testes treponêmicos, são consistentes com o quadro clínico de sífilis secundária nodular.5 A SS é diagnosticada com base em critérios clínicos, analíticos e histopatológicos propostos em 1986 e revisados por Von den Driesch em 1994. Para o diagnóstico, dois critérios principais e dois critérios menores devem ser atendidos.9 Em nosso caso, a paciente atende a dois critérios principais (aparecimento súbito de placas e nódulos eritematosos dolorosos; infiltrado neutrofílico denso) e a quatro critérios menores (febre, associação com infecção, aumento dos parâmetros inflamatórios e boa resposta aos corticosteroides sistêmicos), confirmando o diagnóstico de SS.
A particularidade deste caso clínico baseia‐se na rara associação dessas duas condições, somada a uma apresentação incomum de sífilis em paciente imunocompetente e à presença de dois padrões histopatológicos característicos em um mesmo paciente. Que seja de nosso conhecimento, não há relatos de casos que atendam tanto à clínica quanto à histopatologia da sífilis nodular e também com critérios diagnósticos para a SS. A importância clínica deste primeiro relato é a necessidade, no caso de apresentações clínicas polimórficas, de realizar múltiplas biópsias nas várias lesões importantes, o que possibilita a obtenção de mais informações sobre a doença estudada. Além disso, deve‐se investigar a possibilidade de sífilis em pacientes com sintomas compatíveis com SS, pois, apesar de sua baixa frequência clínica, implica em infecção sexualmente transmissível com tratamento médico bem‐sucedido.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuições dos autoresClaudio Escanilla: Desenho do estudo e aquisição de dados.
Yerco Goldman: Desenho do estudo, aquisição de dados e redação do artigo.
Francisco Bobadilla: Interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica.
Laura Segovia: Interpretação dos dados.
Conflito de interessesNenhum.