O cenário de tratamento para psoríase evoluiu rapidamente nas últimas décadas; no entanto, o uso de imunobiológicos em imunocomprometidos com psoríase raramente é discutido na literatura.1 Em transplantados, os riscos potenciais da combinação de imunossupressores com tratamentos biológicos para psoríase não são totalmente conhecidos, na medida em que esses pacientes são usualmente excluídos dos ensaios clínicos pivotais.2
Pacientes imunocomprometidos, como receptores de órgãos transplantados, requerem avaliação cautelosa do risco‐benefício ao selecionar um imunobiológico para o tratamento da psoríase.1 Em virtude do grau de imunossupressão necessário para prevenção da rejeição do enxerto, a forma aguda da doença apresenta tendência de desaparecer no período imediato após o procedimento. Entretanto, na fase de transição para uma dose de manutenção da imunossupressão, a psoríase pode exacerbar. A resposta do organismo pode ser influenciada pela escolha da terapia imunossupressora, do órgão transplantado e pela tolerabilidade do indivíduo.2
Atualmente, não há diretrizes para o tratamento da psoríase moderada a grave em pacientes transplantados, e apenas alguns relatos de casos sobre o uso de biológicos em conjunto com esquema imunossupressor têm sido descritos na literatura (tabela 1).3 Apresentamos o relato de três casos de pacientes transplantados em uso de agentes imunobiológicos para o tratamento da psoríase.
Revisão da literatura sobre pacientes com psoríase e transplante prévio de órgãos sólidos que receberam terapia imunobiológica
Autor | Idade, sexo | Órgão transplantado | Regime imunossupressor | Imunobiológico | Tempo de uso | Resposta clínica | Complicações |
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Próprio autor | 53, M | Rim | Sirolimus e acitretina | Ustequinumabe | 6 anos | Sim | Nenhuma |
Próprio autor | 45, M | Fígado | Tacrolimo e micofenolato mofetil | Etanercepte | – | Sim | Nenhuma |
Próprio autor | 39, M | Rim | Tacrolimo e prednisona | Risanquizumabe | 2021 até o momento | Sim | Nenhuma |
Blasco et al., 202210 | 29, H | Rim | Prednisolona, e tacrolimo | Adalimumabe | – | Sim | Nenhuma |
Singh et al., 20211 | 50, H | Fígado | Tacrolimo e micofenolato mofetil | Brodalumabe | – | Sim | Nenhuma |
Richetta et al., 20217 | 50, H | Fígado | Tacrolimo e micofenolato mofetil | Ustequinumabe | 6 meses | Sim | Nenhuma |
Lora et al., 20199 | 54, H | Fígado | Tacrolimo e micofenolato mofetil | Ixequizumabe | 2 anos | Sim | Nenhuma |
Madankumar et al., 20156 | 52, M | Fígado | Tacrolimo, prednisona e everolimo | Etanercepte | 1 ano | Sim | Múltiplas infecções* |
Brokalaki et al., 20125 | 42, M | Pâncreas‐rim | Prednisona, tacrolimo e micofenolato mofetil | Etanercepte | 2 anos | Sim | Não reportadas |
Hoover et al., 2007a | 63, M | Fígado | Tacrolimo e sirolimus | Etanercepte | 6 meses | Sim | Nenhuma |
Collazo et al., 2008b | 49, M | Fígado | Tacrolimo, micofenolato mofetil e corticosteroides | Etanercepte | 5 meses | Sim | Nenhuma |
García‐Zamora et al., 2018c | 67, H | Rim | Tacrolimo, micofenolato mofetil e corticosteroides | Etanercepte | 10 meses | Sim | Nenhuma |
De Simone et al., 2016d | 56, H | Fígado | Prednisona, tacrolimo e micofenolato mofetil. | Etanercepte | 6 meses – reiniciando após recorrência | Sim | Nenhuma |
M, masculino; F, feminino; –, sem dados.
Hoover WD. Etanercept therapy for severe plaque psoriasis in a patient who underwent a liver transplant. Cutis. 2007;80:211‐4.
Collazo MH, González JR, Torres EA. Etanercept therapy for psoriasis in a patient with concomitant hepatitis C and liver transplant. P R Health Sci J. 2008;27:346‐7.
García‐Zamora E, Gómez de la Fuente E, Miñano‐Medrano R, López‐Estebaranz JL. Uso de etanercept en un paciente trasplantado renal con psoriasis. Actas Dermosifiliogr. 2020;111:169‐71.
Paciente do sexo masculino, 53 anos, transplantado renal em decorrência de glomerulopatia diabética. Apresentava psoríase desde a infância e diabetes tipo 2. Em uso de metotrexato no período anterior ao transplante renal. O regime imunossupressor pós‐transplante incluiu inicialmente azatioprina, prednisona, ciclosporina por cinco anos, alcançando controle da psoríase. Durante esse período, o paciente desenvolveu inúmeras verrugas virais, disseminadas. Houve transformação neoplásica para carcinoma epidermoide invasor moderadamente diferenciado nas lesões da face e períneo. O paciente foi submetido a tratamento cirúrgico controlado por congelação. Em virtude da possibilidade de desenvolvimento de outras lesões, o esquema imunossupressor foi alterado para sirolimus. No entanto, a psoríase retornou, em forma de rebote, com Índice de Área e Gravidade da Psoríase (PASI, do inglês Area and Severity Index of Psoriasis) 39,4; Área de Superfície Corporal (BSA, do inglês Body Surface Area) 48 e Índice de Qualidade de Vida Dermatológica (DLQI, do inglês Dermatological Quality of Life Index) 18. Nessa ocasião, acitretina 35mg/dia foi adicionada com o intuito de diminuir ainda mais as lesões verrucosas e controlar a psoríase, que apresentava algumas lesões pustulosas. Após três meses de acompanhamento, não houve resultado e, em concordância com a equipe da nefrologia, foi iniciado ustequinumabe na dose de 90mg nas semanas 0, 4 e depois a cada 12 semanas, mantendo uso de sirolimus e acitretina na dose de 10mg/dia. Após oito semanas de tratamento, o paciente apresentou PASI 5,0; BSA 12 e DLQI 1. A doença psoriásica apresentou estabilidade por quatro anos, quando o paciente em questão foi diagnosticado com tumor metastático no pulmão e evoluiu para óbito.
Caso IIPaciente do sexo masculino, 45 anos, transplantado hepático por hepatite autoimune. Diagnóstico de psoríase em placas, com PASI 12 pré‐transplante, BSA 16 e DLQI 11. O paciente foi tratado com tópicos e fototerapia. Após o transplante e o início da terapia imunossupressora com corticoide e inibidor da calcineurina, apresentou melhora completa das lesões até a retirada desse regime e a substituição por tacrolimo e micofenolato mofetil, seis meses depois. Houve piora das lesões, com PASI 21,4, BSA 29 e DLQI 18. O tratamento com fototerapia sem psoraleno foi iniciado, mas suspenso após três sessões em virtude de intenso eritema e queimaduras. Após discussão com as equipes de gastroenterologia e de transplantes, foi iniciado etanercepte na dose de 50mg/semana, com melhora significante do paciente (PASI 2,2, BSA 8, DLQI 0) na décima segunda semana de uso da medicação (fig. 1). O paciente permaneceu estável.
Caso IIIPaciente do sexo feminino, 39 anos, transplantada renal em virtude de púrpura trombocitopênica. Diagnóstico de psoríase aos 10 anos; foi submetida a diversos tratamentos, desde tópicos a metotrexato. Em uso de acitretina por 22 anos, atingindo a dose de 50mg/dia. Em decorrência dos efeitos da medicação, reduziu‐se a dose para 25mg/dia nos últimos cinco anos, sem atingir resposta PASI 90. Ao exame clínico, observou‐se psoríase em placas, PASI 10,10 BSA 11% DLQI 17. Em virtude do quadro clínico e do comprometimento da qualidade de vida, em paciente transplantada renal sem resposta às terapias anteriormente instituídas, optou‐se pelo tratamento com risanquizumabe subcutâneo na dose de 150mg nas semanas 0, 4 e a cada 12 semanas. Após 16 semanas da primeira aplicação, a paciente apresentava PASI 90 e DLQI 0. A paciente está completando 30 semanas de seguimento, com excelente resposta clínica e sem quaisquer intercorrências (fig. 2).
Como visto nos casos descritos, a terapia imunobiológica em pacientes imunocomprometidos é utilizada em casos de difícil tratamento da psoríase. Poucos estudos sobre o uso de terapia anti‐TNFα em pacientes transplantados renais foram realizados. Alguns relatos de casos referem que foi alcançada melhora da doença sem efeitos adversos com o uso de etanercepte.4–7
Até o momento, este é o segundo relato de caso encontrado de psoríase em transplantados tratados com ustequinumabe, com resolução rápida e completa da doença, sem quaisquer efeitos colaterais.7 Não se observou risco aumentado de malignidades, eventos adversos cardiovasculares graves, infecções graves ou aumento na mortalidade em pacientes portadores de psoríase utilizando esse medicamento.8
Até o momento, o Caso III deste artigo é o primeiro a relatar o uso de risanquizumabe em pacientes com psoríase e receptores de transplante de órgãos. O uso de risanquizumabe apresenta um bom perfil de segurança com uma reduzida taxa de efeitos adversos.8 Alguns autores reportaram o uso de ixequizumabe, brodalumabe e adalimumabe como opção segura no tratamento de pacientes transplantados com psoríase grave.1,9,10
Com esses novos casos, fornecemos informações adicionais sobre o uso de imunobiológicos em pacientes transplantados. É fundamental que o paciente, a equipe de dermatologia e a equipe de transplante trabalhe em conjunto para enfrentar os desafios e o cenário relativamente desconhecido do tratamento da psoríase em pacientes transplantados. Como o número de transplantes de órgãos está em ascensão, essa questão se tornará cada vez mais clinicamente relevante.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLuana Pizarro Meneghello: Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Diéssica Gisele Schulz: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Larissa Prokopp Da Costa: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
André Vicente Esteves de Carvalho: Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.