A alopecia areata (AA) é uma doença autoimune não‐cicatricial, que afeta adultos e crianças. Embora aproximadamente 2% da população geral desenvolvam a doença em algum momento da vida, a AA pediátrica constitui aproximadamente 20% dos casos, e cerca de 60% desenvolverão a primeira placa antes dos 20 anos.1 Entretanto, até 50% dos pacientes jovens com doença limitada costumam apresentar crescimento dos cabelos dentro de um ano sem tratamento. Embora existam algumas características conhecidas de AA consideradas indicadores de mau prognóstico,2 o curso da doença ainda é imprevisível e a resposta ao tratamento pode ser variável. Recentemente, alguns autores reconhecem a AA como condição sistêmica em decorrência do aumento de sua associação com algumas comorbidades, especialmente doenças metabólicas e cardiovasculares.3
O objetivo deste estudo foi identificar e analisar potenciais características clínicas e fatores prognósticos relacionados ao resultado do tratamento na AA de início precoce. Este estudo retrospectivo incluiu 82 pacientes de ambos os sexos e todos os tipos de pele, clinicamente diagnosticados com o primeiro episódio de AA antes dos 18 anos na Clínica de Doenças dos Cabelos do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, Brasil, entre 2014 e 2019. Os dados dos pacientes foram obtidos dos prontuários e avaliados por análise multivariada. Os critérios de exclusão incluíram outros tipos de alopecia do couro cabeludo.
Este estudo incluiu 43 pacientes femininas e 39 masculinos com média de idade atual de 20,44 (4‐43) anos e média de idade de início da doença aos 7,7 anos. A duração média da doença foi de 10,94 (0,5‐36) anos, e o seguimento médio foi de 24,7 (0,5‐60) meses. A comorbidade associada mais frequente foi hipotireoidismo (24,4%); desses, porém, apenas 6,1% apresentavam doença de Hashimoto. O tipo de AA mais frequente foi o universal (n=28; 34,1%). Quase 60% (n=49) dos pacientes apresentavam envolvimento de cílios, sobrancelhas e/ou unhas. Quase todos os pacientes (n=79, 96,3%) foram submetidos à terapia tópica associada ou não a outros tratamentos, que incluíram corticoides intralesionais, corticoides sistêmicos, ciclosporina, fototerapia UVB‐NB e difenciprona. Sessenta e dois por cento (n=51) apresentaram crescimento completo ou parcial do cabelo e 23,3% (n=19) tiveram recorrência após cinco anos, a maioria apresentando‐se como lesões múltiplas (tabela 1).
Características demográficas, clínicas e terapêuticas dos pacientes
Média | DP | (Variação) | Mediana | N° de pacientes, % (n=82) | |
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Sexo | |||||
Masculino | 39 (47.6) | ||||
Feminino | 43 (52.4) | ||||
Idade (a) | |||||
Total | 20,4 | 9,2 | (4‐43) | 17 | |
Masculino | 17,6 | 6,2 | (6‐33) | 17 | |
Feminino | 23 | 10,8 | (4‐43) | 22 | |
Idade na primeira consulta (a) | |||||
Total | 7,7 | 4,4 | (0‐18) | 6,5 | |
Masculino | 7,6 | 4,2 | (0‐18) | 6 | |
Feminino | 7,7 | 4,6 | (0‐18) | 7 | |
Duração da doença (a) | |||||
Total | 10,9 | 8 | (0,5‐36) | 9,5 | |
Masculino | 8 | 5,2 | (1‐23) | 6 | |
Feminino | 13,5 | 9,2 | (0,5‐36) | 10 | |
Tempo de seguimento (m) | 24,7 | 16,9 | (0,5‐60) | 24,5 | |
Tempo até a recorrência (m) | 87,4 | 225,1 | (6‐1220) | 24,4 | |
Tipo de queda de cabelo | |||||
Universal | 28 (34,1) | ||||
Múltiplas placas | 24 (29,3) | ||||
Placa única | 15 (18,3) | ||||
Total | 12 (14,6) | ||||
Ofiásica | 3 (3,7) | ||||
Envolvimento de cílios, sobrancelhas e/ou unhas | 49 (59,8) | ||||
Histórico familiar de AA | 6 (7,3) | ||||
Hipotireoidismo | 20 (24,4) | ||||
Doença de Hashimoto | 5 (6,1) | ||||
Dermatite atópica | 4 (4,9) | ||||
Asma | 6 (7,3) | ||||
Vitiligo | 4 (4,9) | ||||
Obesidade | 4 (4,9) | ||||
Síndrome de Down | 4 (4,9) | ||||
Tratamento tópico | 79 (96,3) | ||||
Somente corticosteroides | 63 (76,8) | ||||
Minoxidil | 22 (26,8) | ||||
Tacrolimus | 18 (22) | ||||
Antralina | 39 (47,6) | ||||
Esteroide intralesional | 26 (31,7) | ||||
Difenciprona | 15 (18,3) | ||||
Tratamento sistêmico | 29 (35,4) | ||||
Corticosteroides orais | 22 (26,8) | ||||
Ciclosporina | 68 (82,9) | ||||
Fototerapia (NB‐UVB) | 68 (82,9) | ||||
Resposta ao tratamento (crescimento parcial ou completo dos cabelos) | 51 (62,2) | ||||
Recorrência | 19 (23,2) | ||||
Tipo de recorrência da queda de cabelo | |||||
Múltiplas placas | 14 (17,1) | ||||
Universal | 3 (3,7) | ||||
Total | 2 (2,4) |
a, anos; AA, alopecia areata; DP, desvio‐padrão; m, meses; N, número de pacientes; NB‐UVB, radiação ultravioleta B de banda estreita.
O uso de injeções intralesionais de esteroides foi a única variável estatisticamente significante relacionada a melhor resposta ao tratamento na análise multivariada, com p=0,007 (OR=4,56, IC95% 1,52‐13,6). Injeções intralesionais de esteroides com hexacetonido de triancinolona (HT) na concentração média de 5mg/mL (2,5‐10mg/mL) foram realizadas mensalmente em 26 pacientes com mais de 13 anos de idade, e o número médio de sessões foi de 8,7. Digno de nota, os pacientes que foram submetidos a injeções de HT apresentavam, em sua maioria, AA universal, maior média de idade, maior idade de início de AA, doença mais longa e seguimento mais longo, em comparação com o grupo geral. Nenhum efeito colateral relevante foi relatado nesse grupo, exceto dor local, sangramento mínimo por punção e atrofia transitória da pele do couro cabeludo.
As evidências atuais sugerem que a disfunção tireoidiana e as doenças autoimunes da tireoide são mais prevalentes em pacientes com AA,4,5 mas ainda faltam dados em crianças. Embora quase metade dos pacientes com hipotireoidismo apresentassem AA universal ou total, isso não foi associado a resposta terapêutica inferior. Além disso, características conhecidas como geralmente relacionadas a mau prognóstico, como AA extensa (total/universal), envolvimento ungueal, história familiar de AA ou dermatite atópica, não foram relacionadas a pior resultado terapêutico neste estudo. Por outro lado, a adesão ao tratamento foi o único fator prognóstico modificado, como relatado anteriormente.6
Embora existam muitos tratamentos para AA, as opções atualmente disponíveis não são curativas – no máximo controlam e limitam a doença – e as recorrências são frequentes ao longo do tempo. A escolha do tratamento adequado depende da idade do paciente, da extensão e duração da doença. De acordo com o AA Consensus of Experts Study, para pacientes com mais de 13 anos de idade com AA afetando 30% a 50% do couro cabeludo, os corticosteroides intralesionais (preferencialmente acetonido de triancinolona [AT]) são considerados terapia de primeira linha.7 O HT, comercializado como suspensão estéril de 20mg/mL, é a opção terapêutica mais disponível para injeção intralesional de esteroides no Brasil. Embora acredite‐se que o HT tenha melhor eficácia em comparação com o AT,8 ele é um derivado do AT menos solúvel e doses mais baixas devem ser utilizadas para evitar atrofia da pele.9
As limitações deste estudo incluem análise retrospectiva, falta de grupo controle e modalidades de tratamento escolhidas de acordo com a disponibilidade na instituição dos autores.
Os achados do presente estudo apoiam o fato de que injeções consecutivas de esteroides intralesionais podem ser fator modificador do curso da AA, ajudando a promover o crescimento do cabelo e a adesão ao tratamento, especialmente nos casos de início precoce. Além disso, injeções intralesionais de HT podem ser consideradas terapia eficaz, segura e de baixo custo para adolescentes com AA, se o AT não estiver disponível.
Declaração de éticaEste protocolo de estudo foi revisado e aprovado pelo Comitê de Ética Universitária da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, com número de aprovação: 4.919.529.
Todos os pacientes neste manuscrito deram seu consentimento informado por escrito para a publicação dos detalhes de seus casos. Para todos os participantes menores de idade, o consentimento informado por escrito foi obtido dos pais/responsáveis legais/parentes próximos.
Suporte financeiroNenhum
Contribuição dos autoresIsabella Doche: Contribuiu com a concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados; contribuiu na redação do manuscrito e na revisão crítica do conteúdo intelectual importante; participou na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta terapêutica de casos estudados e na revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Paula Gerlero: Contribuiu com a concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados; contribuiu na redação do manuscrito e na revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta terapêutica de casos estudados e na revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Tiara Magalhães: Contribuiu com a concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados; participação na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta terapêutica de casos estudados e na revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Chan Thien: Contribuiu com a concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados; participação na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta terapêutica de casos estudados e na revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Thalita Macedo: Contribuiu com a concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados; participação na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta terapêutica de casos estudados e na revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito.
Maria Cecília Rivitti‐Machado: Contribuiu na redação do manuscrito e na revisão crítica de conteúdo intelectual importante; participação na orientação da pesquisa, participação intelectual em conduta terapêutica de casos estudados e na revisão crítica da literatura; aprovação da versão final do manuscrito; contribuiu com a concepção e planejamento do estudo, obtenção, análise e interpretação dos dados.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Doche I, Gerlero P, Magalhães T, Thien CI, Macedo T, Rivitti‐Machado MC. Multivariate analysis of clinical characteristics and prognostic factors in early‐onset alopecia areata: a retrospective study with 82 Brazilian patients. An Bras Dermatol. 2023;98:681–4.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.