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Páginas 105-107 (1 janeiro 2023)
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Carta ‐ Investigação
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Sensibilização aos alérgenos de borracha entre 1.162 pacientes testados com a bateria padrão brasileira
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Maria Antonieta Rios Scherrera, Erica Possa de Abreua, Vanessa Barreto Rochab,
Autor para correspondência
abreuerica20@gmail.com

Autor para correspondência.
a Serviço de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
b Departamento de Medicina Interna, Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
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Prezado Editor,

A ampla sensibilização aos componentes da borracha é bem conhecida, e pode ocorrer pelo látex ou por aditivos das borrachas sintéticas. Existem outros produtos como inseticidas, roupas, medicamentos e tintas, com aditivos químicos semelhantes. O látex causa principalmente alergia do tipo I, e vulcanizantes e antioxidantes da borracha são responsáveis pelas alergias do tipo IV.1,2

A bateria padrão brasileira (BPB) apresenta as misturas de borracha (carba, tiuram, mercapto, PPD) e outros alérgenos relacionados como hidroquinona, etilenodiamina e parafenilenodiamina (PPDA). A hidroquinona é um antioxidante raramente usado na indústria atualmente.3 O dicloridrato de etilenodiamina estabiliza cremes esteroides e o látex, mas não é testado em outras séries‐padrão.4 A PPDA pertence ao grupo dos benzenos e pode causar reações cruzadas com o PPD‐mix (N‐isopropil‐N‐fenil parafenilenodiamina [IPPD], N‐ciclohexil‐N‐fenil parafenilenodiamina, N, N‐difenil parafenilenodiamina).5

Foram atendidos no Anexo de Dermatologia do Hospital das Clínicas ‐ UFMG, de outubro de 2009 a outubro de 2018, 1.162 pacientes com suspeita de dermatite de contato alérgica. Testados com a BPB (FDA‐allergenic, RJ, Brasil) utilizando Finn Chambers® (Oy, Finlândia) foram realizadas leituras de 48 horas e 96 horas, seguindo os critérios do ICDRG (International Contact Dermatitis Research Group).6 Dados sobre idade, ocupação, locais afetados, história de atopia e positividade aos alérgenos foram coletados no software Excel ao longo desses anos. Neste estudo retrospectivo, foram consultados os dados da referida planilha e, quando necessários, os prontuários, para complemento das informações necessárias.

Testaram positivo para alérgenos da borracha 120 pacientes (10,3%); desses, 98 (81,7%) apresentaram relevância clínica com base na história e exposição aos alérgenos. As características demográficas foram descritas de acordo com o índice MOAHLFA (tabelas 1 e 2).

Tabela 1.

Índice MOAHLFA* dos pacientes com positividade aos alérgenos da borracha

  n (%) 
59 (49,2) 
61 (50,8) (40,8% ‐ trabalhadores da construção civil) 
30 (25) 
70 (50,8) 
48 (40) 
43 (34,2) 
82 (68,3) 

M, sexo masculino; O, dermatite ocupacional; A, antecedente de atopia; H, dermatite das mãos; L, dermatite das pernas; F, dermatite da face; A, idade 40 anos ou mais.

*Uter W, Schnuch A, Gefeller O, ESCD working group: Euro‐pean Surveillance System on Contact Allergies. Guidelines forthe descriptive presentation and statistical analysis of contactallergy data. Contact Dermatitis. 2004;51:47‐56.

Tabela 2.

Frequência de sensibilização às substâncias testadas

Número total de casos
 
PPD‐mix 
Hidroquinona 
Mercapto‐mix  18  15 
Thiuram‐mix  36  30 
Etilenodiamina  3,3 
PPDA  49  40,8 (33 – 27,5% relacionado a tintura capilar) 
polissensibilização> 3 alérgenos  39  32,5 

A prevalência de positividade para as misturas de borracha foi: carba 41,7%; tiuram 30%; mercapto 15%; e PPD 5% (tabela 2).

Associação entre os alérgenos da borracha (reações cruzadas) foi observada em 35,8% dos casos: carbamatos com tiurams em 16,6% e mercaptobenzotiazol com carbamatos em 1,7%. Além disso, a associação entre carba, mercapto e tiuram foi observada em 8,3% dos pacientes (tabela 3).

Tabela 3.

Associações entre as misturas de borracha com positividade ao teste para cada tipo testado

Mistura  Tiuram  Mercapto  PPD  PPDA  Mercapto+tiuram 
Carba  20 / 120  2/120  5/120  10 / 120 
  16,6%  1,70%  4,20%  8,30% 
  Carba  Mercapto  PPD  PPDA   
Thiuram  3/120   
  2,50%   
  Mercapto  Tiuram  Carba  PPDA   
PPD        5/120   
        4,20%   
  Tiuram  Carba  PPD  PPDA   
Mercapto  1/120   
  0,80%   

PPDA, parafenilenodiamina; PPD (mistura de N‐isopropil‐N‐fenil parafenilenodiamina, N‐ciclohexil‐N‐fenil parafenilenodiamina, N, N‐difenil parafenilenodiamina).

Conde‐Salazar et al. relataram 14,7% de sensibilização aos aditivos de borracha em 4.680 pacientes testados.1 Holness e Nethercott testaram 1.670 pacientes com positividade de 8,9% a pelo menos um alérgeno de borracha, semelhante ao que encontramos (10,2%).7 O ESSCA (European Surveillance System on Contact Allergies), ao testar baterias padrão e específica para borracha, encontrou 8,8% de positividade. Outros autores encontraram entre 3,8% e 15% de reações positivas aos componentes de borracha utilizando baterias‐padrão8 (tabela 4).

Tabela 4.

Comparação com outros estudos de positividade aos alérgenos da borracha

Estudo  Número de pacientes  ≥ alérgeno da borracha (%)  Série padrão  Série suplementar específica para borracha 
Conde‐Salazar1  4,68  14,7%  Sim  Sim 
Holness and Nethercott7  1,67  8,9%  Sim  Sim 
Bendewald2  773  31,7%  Sim  Sim 
Este estudo  1.162  10,3%  Sim  Não 

Segundo o índice MOHALFA, a localização mais acometida é a das mãos, tanto neste como em outros relatos.1,2,7,9 A atopia esteve presente em 25% dos nossos pacientes, contrastando com 4,2% de Conde‐Salazar et al.1

A principal população afetada pela sensibilização à borracha são os trabalhadores da saúde e de laboratórios, seguidos dos trabalhadores da limpeza e da construção civil, principalmente pelo uso de luvas e botas de borracha. Detectamos alta frequência de trabalhadores da construção civil (40,8%), fato relatado também por Conde‐Salazar et al. (47%).1 Esses autores demonstraram maior positividade ao tiuram (83%) contrastando com outros que mostraram uma diminuição de tiuram e aumento de carba ao longo dos anos. Nossos resultados confirmaram essa tendência. Além disso, os dissulfetos de tiuram raramente aparecem na borracha final, embora possam ser usados como aditivos.1,7,10

Profissionais da área de saúde apresentaram risco estatisticamente aumentado de sensibilização aos carbamatos e tiurans presentes em luvas de borracha. A alergia ao tiuram está, também, relacionada a trabalhadores domésticos, de restaurantes, da construção civil e cabeleireiros.6,10 Em contraste, nossa série mostrou maior prevalência de sensibilização aos carbamatos principalmente nos trabalhadores da construção civil.

Apesar de os carbamatos serem irritantes e causarem reações falso‐positivas, alguns estudos indicaram um verdadeiro aumento em sua sensibilização.8,9

A BPB testa apenas a mistura de mercapto, enquanto em outras há também mercaptobenzotiazol, que é provavelmente o verdadeiro hapteno presente nessa mistura. Nossos dados mostraram sua taxa de sensibilização semelhante a outros estudos.1,7,8

Algumas baterias não usam PPD‐mix, preferindo IPPD, que é um dos componentes da mistura. No entanto, alguns relatos indicam um subdiagnóstico de sensibilização a essa classe de alérgenos.8 Sua frequência foi menor do que as outras substâncias em nosso estudo, tendência observada por outros autores.1,6,7 A sensibilização ao PPD‐mix é significativamente maior em trabalhadores da indústria e cabeleireiros/barbeiros em decorrência do contato com agentes para‐amino presentes em tinturas permanentes de cabelo.10 Em nosso estudo, a PPDA mostrou 40,8% de sensibilização, sendo 27,5% relacionados a tinturas de cabelo em mulheres.

Conde‐Salazar encontrou sensibilidade ao cromato em 47% dos trabalhadores da construção civil alérgicos à borracha, e nosso estudo 40,8%, e propuseram que o cromato atuaria como um forte sensibilizante e irritante, facilitando maior sensibilização às luvas.1

São conhecidas as associações de positividade entre os aditivos de borracha.1 Nosso estudo apontou 35,8% dessas – carba‐tiuram foi a mais frequente (16,6%), seguida da carba‐mercapto‐tiuram (8,3%). Durante a vulcanização, novos compostos podem ser formados por reações entre carba, tiuram e/ou mercaptobenzotiazóis. Os componentes recém‐formados também podem causar sensibilização, por isso é recomendado testar amostras das luvas ou botas, para aumentar a sensibilidade dos testes de contato.9

O éter monobenzílico da hidroquinona pode causar leucodermia, mas seu uso atual na indústria é raro. Sua prevalência em bateria específica para borracha foi de 0,82% entre pacientes europeus. O dicloridrato de etilenodiamina mostrou menores positividades em 2.027 pacientes relatados (0,69%).9 Removidos de outras séries, estão presentes na BPB e tiveram uma baixa prevalência neste estudo (3,3% etilenodiamina e 5% hidroquinona).

Atualmente há aumento na sensibilização aos carbamatos a nível global. Além disso, eles são os aceleradores mais usados na indústria, já que a utilização de tiurans e mercaptos vem sendo diminuída pelos fabricantes. A BPB pode ser considerada etapa inicial para se estudar alergia à borracha, mas não parece ser suficiente, de acordo com os dados do presente trabalho. Adoção de uma série suplementar especifica, além do teste com fragmentos de botas e luvas, são recomendados para melhor acurácia diagnóstica.2,8,9

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Vanessa Barreto Rocha: Concepção e desenho do estudo; Levantamento dos dados; Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Aprovação final da versão final do manuscrito.

Erica Possa de Abreu: Concepção e desenho do estudo; Levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Revisão crítica da literatura; Aprovação final da versão final do manuscrito.

Maria Antonieta Rios Scherrer: Concepção e desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; Análise estatística; Redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; Obtenção, análise e interpretação dos dados; Participação efetiva na orientação da pesquisa; Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; Revisão crítica da literatura; Aprovação final da versão final do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
[1]
L. Conde-Salazar, E. del-Río, D. Guimaraens, A.G. Domingo.
Type IV allergy to rubber additives: A 10‐year study of 686 cases.
J Am Acad Dermatol, 29 (1993), pp. 176-180
[2]
M.J. Bendewald, S.A. Farmer, M.D.P. Davis.
An 8‐Year Retrospective Review of Patch Testing with Rubber Allergens: The Mayo Clinic Experience.
Dermatitis, 21 (2010), pp. 33-40
[3]
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Pigmented contact dermatitis and chemical depigmentation.
Contact dermatitis. 5. ed., pp. 389
[4]
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Allergens from the European baseline series.
Contact dermatitis. 5. ed., pp. 576
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Contact dermatitis. 5. ed., pp. 635
[6]
I. Tam, P.C. Schalock, E. González, J. Yu.
Patch Testing Results From the Massachusetts General Hospital Contact Dermatitis Clinic, 2007‐2016.
Dermatitis., 31 (2020), pp. 202-208
[7]
D.L. Holness, J.R. Nethercott.
Results of patch testing with a special series of rubber allergens.
Contact Dermatitis., 36 (1997), pp. 207-211
[8]
W. Uter, K. Warburton, E. Weisshaar, D. Simon, B. Ballmer-Weber, V. Mahler, et al.
Patch test results with rubber series in the European Surveillance System on Contact Allergies (ESSCA), 2013/14.
Contact Dermatitis., 75 (2016), pp. 345-352
[9]
K.L. Warburton, W. Uter, J. Geier, R. Spiewak, V. Mahler, M.-N. Crépy, et al.
Patch testing with rubber series in Europe: a critical review and recommendation.
Contact Dermatitis., 76 (2016), pp. 195-203
[10]
S. Buttazzo, A. Prodi, A.B. Fortina, M.T. Corradin, F.L. Filon.
Sensitization to Rubber Accelerators in Northeastern Italy: The Triveneto Patch Test Database.
Dermatitis., 27 (2016), pp. 222-226

Como citar este artigo: Scherrer MAR, Abreu EP, Rocha VB. Sensitization to rubber allergens among 1,162 patients tested with the Brazilian standard battery. An Bras Dermatol. 2023;98:105–7.

Trabalho realizado no Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

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