O pênfigo vulgar (PV) afeta principalmente as mucosas, pela produção de autoanticorpos contra Desmogleina (Dsg) 3. Na forma mucocutânea, autoanticorpos anti‐Dsg1 e anti‐Dsg3 são produzidos. Na região nordeste do estado de São Paulo−região endêmica para o pênfigo foliáceo (PF) –, a incidência de PV vem aumentando.1 Alelos HLA de suscetibilidade/proteção para o PV,2 atividades agrícolas e, mais recentemente, proteínas salivares de picadas de insetos3 são descritos em associação ao PV.
Relatos de gêmeos monozigóticos afetados por PV são raros4,5 (tabela 1). Apresentamos o terceiro relato de irmãs monozigóticas, de 43 anos, em que somente uma delas desenvolveu PV. Em setembro de 2018, a gêmea com PV apresentava múltiplas erosões orais (fig. 1a). A imunofluorescência direta (IFD) no esfregaço de Tzanck mostrou fluorescência com anti‐IgG no envoltório dos ceratinócitos (fig. 1b); a biópsia da mucosa oral confirmou bolha suprabasal acantolítica (fig. 1c). Ainda, ceratinócitos multinucleados sugestivos de infecção por HSV foram observados no esfregaço de Tzanck. A IFD na biópsia e a imunofluorescência indireta (IFI) com substrato de pele normal confirmaram fluorescência com anti‐IgG no envoltório dos ceratinócitos. Foram prescritos prednisona 40mg/dia, dapsona 50mg/dia e ácido fólico 5mg/dia. Após alguns dias, surgiram lesões no abdome, tórax anterior e dorso (fig. 1d), com presença do sinal de Nikolsky. A biópsia da lesão do dorso resultou bolha suprabasal acantolítica ao histopatológico, e fluorescência interceratinócitos para IgG e C3 à IFD. Após oito meses de tratamento, a dapsona foi substituída por ciclofosfamida 50 mg/dia. Em março de 2020, a paciente suspendeu os medicamentos em virtude da pandemia por coronavírus. Em junho de 2020, as lesões orais recidivaram, quando a prednisona foi reiniciada.
(a) Lesões na mucosa oral: erosões na língua recobertas por pseudomembrana esbranquiçada, erosões na mucosa labial, erosões e crostas no lábio inferior. (b) Imunofluorescência direta na citologia oral de Tzanck: fluorescência com anti‐IgG no envoltório dos ceratinócitos. (c) Histologia da mucosa oral (Hematoxilina & eosina, 40×): bolha suprabasal acantolítica. (d) Lesões cutâneas: placas eritematosas no abdômen e tórax com bolhas, erosões e crostas hemáticas.
Quando a paciente apresentava lesões mucosas exclusivas, o teste ELISA resultou em anti‐Dsg1 2,0 U/mL e anti‐Dsg3 189,1 U/mL (MBL, Japan, cut‐off 20 U/mL para ambos), enquanto sua irmã apresentou valores negativos ao ELISA (1,6 U/mL e 0,7 U/mL, respectivamente) e à IFI.
Ambas apresentaram dois alelos HLA de suscetibilidade para PV: HLA‐DRB1*08:04 e HLA‐DRB1*14:01, enquanto os alelos HLA‐DQA1 não estavam associados ao PV.2 Apresentavam, ainda, dois outros alelos HLA‐DQB1*03:01 e HLA‐DQB1*05:01, descritos em associação à resistência e suscetibilidade ao PF, respectivamente2 (tabela 1).
Dados clínicos e laboratoriais compilados da literatura de gêmeos monozigóticos apresentando pênfigo vulgar
Referências | Forma clínica do pênfigo vulgar | Gênero | Idade (anos) | IFI | Anti‐Dsg1 (U/mL) | Anti‐Dsg3 (U/mL) | Alelos/haplótipos HLAc | |
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Ruocco et al. (1985)4 Itália | Gêmea 1 | Mucocutânea | Feminino | 11½ | 1:40 | ND | ND | A*24, A*29; B*45, B*35; C*04, C*x; DRB1*04, DRB1*07 |
Gêmea 2 | Não afetadaa | NA | 1:20 | ND | ND | |||
Salathiel et al. (2016)5 | Gêmea 1 | Mucocutânea | Feminino | 11 | IgG | 120,77 | 160,82 | DRB1*04:02‐DQA1*03:01‐DQB1*03:02 |
Brasil | Gêmea 2 | 16 | IgG | 74,02 | 151,66 | DRB1*14:04‐DQA1*01:01‐DQB1*05:03 | ||
Farid et al. (2021) | Gêmea 1 | Mucocutânea | Feminino | 43 | IgG | 2,0± | 189,1 | DRB1*08:04, DRB1*14:01; DQA1*01:01, DQA1*05:01; DQB1*03:01+, DQB1*05:01++ |
Brasil (atual) | Gêmea 2 | Não afetadab | NA | IgG | 1,6 | 0,7 |
IFI, imunofluorescência indireta; Dsg, desmogleína; ND, não determinado; NA, não afetada.
Dois anos após, apenas uma das gêmeas apresentava PV. Embora apresentassem perfil HLA idêntico, não haviam sido expostas a fatores ambientais semelhantes. Ambas moravam em região prevalente para o PV,1 na região nordeste do estado de São Paulo. A irmã afetada, no entanto, trabalhava em atividades rurais, em granja de galinhas, havia 10 anos, enquanto sua irmã gêmea não afetada informava ter trabalhado sempre na zona urbana. Trabalhadores rurais estão mais expostos a pesticidas, incluindo outro possível fator desencadeante do PV−picadas de insetos hematófagos.3
Ao avaliarmos o perfil HLA e os fatores ambientais no desencadeamento do PV, podemos detectar, com antecedência, aqueles indivíduos com maior probabilidade de desenvolver a doença, e indagamos se, quando possível, ao modificar os fatores contribuintes, poderemos evitar o surgimento do PV.
Em conclusão, as interações genótipo‐fatores ambientais precisam ser mais exploradas na patogênese dos pênfigos, e este relato ilustra esse cenário.
Suporte financeiroEsse trabalho foi parcialmente financiado pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) (#2010/51729‐2) e FAEPA (Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência).
Contribuição dos autoresMarcela Rosa de Almeida Farid: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Roberto Bueno‐Filho: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Eduardo Antônio Donadi: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
Ana Maria Roselino: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Os autores agradecem a Dra. Leticia Arruda Camargo e a Tamiris Amanda Julio, PhD, pela contribuição na preparação do caso clínico e na determinação das antidesmogleínas por ELISA, respectivamente.
Como citar este artigo: Farid MRA, Bueno‐Filho R, Donadi EA, Roselino AM. Pemphigus vulgaris with exclusive manifestation in one of monozygotic twins: could environmental factors be involved? An Bras Dermatol. 2022;97:692–4.
Trabalho realizado no Departamento de Clínica Médica, Hospital das Clínicas, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.