A tirosina quinase de Bruton (BTK) é essencial para o desenvolvimento e maturação de linfócitos B. Indivíduos com mutações nessa enzima não maturam essas células e têm agamaglobulinemia ligada ao X, que é a forma mais comum de agamaglobulinemia congênita.1
A BTK também é expressa em células tumorais, e sua inibição ganha cada vez mais importância no tratamento de neoplasias da linhagem B.2 A BTK participa da ativação dessas células, sendo importante para a sobrevivência de células B malignas; portanto, sua inibição diminui a proliferação e sobrevivência das mesmas.
O ibrutinibe é um potente inibidor irreversível da BTK. Ele foi o primeiro inibidor dessa enzima aprovado pelo FDA para o tratamento das seguintes enfermidades em adultos: doença crônica do enxerto contra o hospedeiro, após falha de uma ou mais linhas de terapia sistêmica, leucemia linfocítica crônica/linfoma linfocítico de pequenas células (LLC/LLPC), LLC/LLPC em adultos com deleção de 17p; linfoma de células do manto em adultos que receberam pelo menos uma terapia anterior, linfoma da zona marginal recidivante/refratário, em adultos que necessitam de terapia sistêmica e receberam pelo menos uma terapia anterior com base em anti‐CD20 e na macroglobulinemia de Waldenström.3
Os paraefeitos descritos são fadiga, diarreia, edema periférico, arritmias cardíacas (fibrilação atrial), sangramentos e infecções (trato respiratório).4–6
O ibrutinibe pode ter efeitos adversos cutâneos, com pico de incidência no primeiro ano de tratamento. As manifestações mais comuns são erupções cutâneas, petéquias e equimoses. Também podem ocorrer urticária, herpes simples e reativação de herpes‐zóster, paniculite e síndrome de Stevens‐Johnson.6,7
Apesar da especificidade pela BTK, alguns efeitos cutâneos lembram os produzidos por inibidores do EGF (fator de crescimento epidérmico; do inglês, epidermal growth factor),8 como a descrita erupção acneiforme, a alteração dos cabelos/cílios9 e sulcos longitudinais nas unhas.
Examinamos um paciente de 72 anos, o qual utilizava ibrutinibe havia seis meses, para tratamento de linfoma do manto não responsivo à terapêutica convencional. O paciente referiu alteração discreta dos cabelos, com mudança da ondulação dos mesmos (fig. 1). Alguns fios foram cortados e examinados in natura com microscopia eletrônica de varredura. Em médio aumento, foram observados discretos canais longitudinais nas hastes pilares (fig. 2A, B), os quais não são vistos em cabelos normais (fig. 2C). Com grandes aumentos, esses canais ficam bem evidentes (figs. 3 e 4).
Não encontramos na literatura relatos do exame com microscopia eletrônica de varredura de cabelos com alterações provocadas por ibrutinibe. Há alguns relatos com inibidores de EGF, nos quais canais também foram descritos nas hastes pilares,9 nesse caso com maior repercussão clínica, deixando os cabelos crespos e os cílios alongados (tricomegalia) e sem curvatura. Os canais vistos nesses casos por indução medicamentosa são semelhantes àqueles em famílias com cabelos impentiáveis,10 e em uma forma de pili canaliculi sindrômica, associada com degeneração do sistema nervoso central, chamada de neuropatia axonal gigante.11
Os achados desse paciente demonstram, em exame ultraestrutural, similaridade entre as alterações dos inibidores de EGF e de BTK.
A inibição da BTK é um conceito em expansão no tratamento de neoplasias hematológicas, com 22 fármacos em desenvolvimento. O surgimento de medicamentos com menor toxicidade sistêmica e cutânea é possível em um futuro próximo.10,12
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresHiram Larangeira de Almeida Jr: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Debora Sarzi Sartori: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Douglas Malkoun: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Carlos Eduardo Pouey Cunha: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.