A alopecia areata (AA) é doença que afeta homens e mulheres, com prevalência geral de 1,2 a 2,2%.1,2 Relatou-se forte conexão entre AA e doenças da glândula tireoide, pois ambas compartilham um componente autoimune comum com variações genéticas semelhantes.1 Vários estudos caso‐controle mostraram proporção maior de casos com diagnóstico de doenças da tireoide ou com parâmetros alterados na função tireoidiana e testes de autoanticorpos, em comparação com a população em geral.3,4 Entretanto, os estudos que analisam essa associação de acordo com as apresentações clínicas da AA (por exemplo, AA difusa, AA multilocular e AA ofíase) ainda são limitados.
O objetivo deste estudo foi comparar, de acordo com os padrões clínicos da AA, as variações dos resultados nos testes de função tireoidiana (tiroxina [T4] e hormônio estimulante da tireoide [TSH]) e nos testes de anticorpos tireoidianos (anticorpo antitireoglobulina [TGAb] e anticorpo antiperoxidase tireoidiana [TPOAb]) em uma coorte de pacientes avaliados para anormalidades da tireoide durante o processo de diagnóstico em um centro latino‐americano.
Realizamos revisão retrospectiva dos casos de AA diagnosticados entre 2017 e 2020 em Cali, Colômbia. Foram analisados adultos identificados com padrão clínico compatível com AA difusa, AA multilocular ou AA ofiásica, que realizaram avaliação da função tireoidiana durante o diagnóstico de AA. Apenas pacientes que tiveram pelo menos uma dosagem de T4 ou TSH e TGAb ou TPOAb foram incluídos neste relato. A aprovação ética foi obtida do conselho de revisão institucional.
Os valores de T4 ou TSH fora da faixa normal foram classificados como função tireoidiana anormal. Da mesma maneira, nível alterado de anticorpos tireoidianos foi definido por quantificações de TPOAb ou TGAb. Os pontos de corte normais foram de 5,0‐11,0 ug/dL para T4, 0,4‐4,0 UI/mL para TSH, <35 UI/mL para TPOAb e menos de 20 UI/mL para TGAb. Casos com diagnóstico anterior de doença tireoidiana foram considerados com função tireoidiana anormal e níveis de anticorpos alterados.
Todas as análises foram realizadas com o software Stata versão 16.0 (StataCorp, Texas, EUA). O teste não paramétrico de Kruskal‐Wallis foi utilizado para a comparação das variáveis quantitativas. As variáveis qualitativas foram testadas usando o teste qui‐quadrado ou teste exato de Fisher. Valor de p <0,05 foi considerado estatisticamente significante.
Foram incluídos neste estudo 89 pacientes com AA, 32 deles (36,0%) com padrão difuso, 31 (34,8%) com padrão multilocular e 26 (29,2%) com padrão ofiásico. A mediana de idade foi de 40 anos (intervalo interquartil [IIQ] de 35 a 52 anos), e 85,4% (76) eram do sexo feminino. Aproximadamente um em cada quatro pacientes com AA relataram diagnóstico concomitante de doença tireoidiana, e todos eram tratados com levotiroxina. A condição tireoidiana concomitante frequente era hipotireoidismo (n=20), seguido por nódulos tireoidianos (n=2) e câncer (n=1; tabela 1).
Características clínicas e disfunção tireoidiana dos pacientes com AA.
Variáveis | Total(n=89) | AA difusa(n=32) | AA multilocular(n=31) | AA ofiásica(n=26) | p‐valor |
---|---|---|---|---|---|
Idade (anos); Mediana (IIQ) | 40,0 (35,0‐52,0) | 39,0 (32,2‐52,5) | 43,0 (31,0‐53,0) | 41,0 (35,0‐49,2) | 0,883 |
Sexo, n (%) | |||||
Feminino | 76 (85,4) | 30 (93,7) | 21 (67,7) | 25 (96,1) | 0,004 |
Masculino | 13 (14,6) | 2 (6,2) | 10 (32,3) | 1 (3,9) | |
Duração dos sintomas, meses | |||||
N | 81 | 29 | 29 | 23 | 0,105 |
Mediana (IIQ) | 8 (3‐21) | 12 (5‐42) | 5 (2‐12) | 6 (3‐12) | |
Comorbidades, n (%) | |||||
Doença autoimune | 6 (6,7) | 3 (9,4) | 2 (6,4) | 1 (3,8) | 0,871 |
Doença tireoidiana | 23 (25,8) | 10 (31,2) | 6 (19,3) | 7 (26,9) | 0,553 |
T4 alterado | |||||
N | 77 | 28 | 27 | 22 | 0,575 |
n (%) | 6 (7,8) | 1 (3,6) | 3 (11,1) | 2 (9,1) | |
TSH alterado, n (%) | 10 (11,2) | 2 (6,2) | 5 (16,1) | 3 (11,5) | 0,445 |
Função tireoidiana anormal, n (%) | 28 (31,5) | 10 (31,2) | 8 (25,8) | 10 (38,5) | 0,591 |
TPOAb alterado | |||||
N | 53 | 22 | 17 | 14 | 0,528 |
Sim, n (%) | 11 (20,7) | 3 (13,6) | 4 (23,5) | 4 (28,6) | |
TGAb alterado | |||||
N | 84 | 29 | 30 | 25 | 0,392 |
Sim, n (%) | 19 (22,6) | 6 (20,7) | 5 (16,7) | 8 (32,0) | |
Anticorpo tireoidiano alterado, n (%) | 38 (42,7) | 14 (43,7) | 14 (45,2) | 10 (38,5) | 0,868 |
Disfunção da tireoideaSim, n (%) | 43 (48,3) | 14 (43,7) | 16 (51,6) | 13 (50,0) | 0,863 |
N., número de observações não faltantes; IIQ, intervalo interquartil; T4, tiroxina T4; TSH, hormônio estimulante da tireoide; TPOAb, anticorpo antiperoxidase tireoidiana; TGab, anticorpo antitireoglobulina
A proporção de casos com valores alterados de T4, TSH, TPOAb ou TGAb de acordo com os padrões clínicos de AA é mostrada na tabela 1. A proporção de casos de AA com níveis alterados de anticorpos (42,7%) foi maior do que aqueles com função tireoidiana anormal (31,5%). Em aproximadamente metade dos casos de AA, pelo menos um resultado anormal da tireoide foi relatado como “disfunção tireoidiana” (fig. 1). Não houve diferenças estatisticamente significantes entre os casos de AA difusa, AA multilocular e AA ofiásica em relação à função tireoidiana e níveis alterados de anticorpos (p >0,05). Valores anormais de T4/TSH foram mais comuns nos pacientes com AA ofiásica (38,5%). A disfunção tireoidiana foi mais comum nos casos com padrão multilocular e ofiásico (≈ 50%).
Assim, o principal achado deste estudo é que a disfunção tireoidiana está presente em metade dos pacientes com AA, sem diferenças entre os padrões: difuso, multilocular e ofiásico. Essa estimativa é maior do que as taxas relatadas para a população em geral (0,3 a 11,3%),5 sugerindo possível associação causal entre AA e disfunção tireoidiana. Entretanto, a relação causal permanece obscura, com resultados inconclusivos que constituem motivo para estudo mais aprofundado. Por exemplo, no estudo recente realizado por Dai et al., foi relatado alto risco de AA em pacientes com doenças da tireoide e aumento do risco de doenças da tireoide em pacientes com AA, sugerindo associação bidirecional entre essas condições.1
Embora a classificação dos casos de AA de acordo com os padrões clínicos seja utilizada para orientar o tratamento e o prognóstico na prática clínica, na literatura ela tem sido pouco utilizada para avaliar sua associação com anormalidades da tireoide. Em pacientes egípcios com AA classificados como AA leve (três falhas com diâmetro de 3cm), moderada (mais de três falhas com diâmetro> 3cm) e grave (AA total ou universal), taxas mais altas de valores anormais de TGAb (46% vs. 0%) e TPOAb (48% vs. 0%) foram relatadas quando comparadas ao grupo saudável. A média mais alta de TSH, TGAb e TPOAb, bem como a média mais baixa de T4 foram relatadas no grupo grave.6 Outro estudo em que os pacientes com AA foram classificados como leve‐moderada e grave (AA total ou universal) descreveu maiores chances de hipotireoidismo em pacientes com AA grave (odds ratio [OR]=1,74; intervalo de confiança de 95% [IC95%] 1,387‐ 2,118).7
Em decorrência da alta prevalência de anormalidades da tireoide em pacientes com AA, recomendam‐se testes iniciais de triagem.3 Seu uso tem sido especialmente encorajado na AA grave, mas essa recomendação geral permanece controversa nas formas leve e moderada.8 No presente estudo, foram incluídos apenas os casos com padrões difuso, multilocular ou ofiásico, que representam uma forma não grave de AA, para avaliar se a realização da triagem da função tireoidiana deve ser priorizada em algum desses padrões durante a prática clínica. Os resultados do presente estudo mostraram diferenças não estatisticamente significantes nas taxas de disfunção tireoidiana de acordo com o padrão da AA. Entretanto, em casos de padrão ofiásico, houve maior taxa de anormalidades na função tireoidiana, bem como alta taxa de anticorpos tireoidianos anormais. Esses achados sugerem que os casos ofiásicos também podem constituir grupo de alto risco para doenças da tireoide. Além disso, a AA ofiásica é reconhecida como a forma com pior prognóstico8 e, portanto, a detecção e o tratamento de condições não diagnosticadas associadas à AA podem ajudar a alcançar melhores resultados.9
Em conclusão, embora não tenham sido encontradas diferenças estatisticamente significantes nas taxas de disfunção tireoidiana de acordo com os padrões clínicos, nesta coorte, a incidência de anormalidades da função tireoidiana foi alta; portanto, recomenda‐se a realização de testes de função tireoidiana em todos os pacientes com AA no momento do diagnóstico.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresWinnie Celorio: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; obtenção, análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Luisa Cifuentes: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Erika Cantor: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; análise estatística; obtenção, análise e interpretação dos dados; elaboração e redação do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Adriana Wagner: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; participação efetiva na orientação da pesquisa; elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito; aprovação da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.