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Vol. 97. Núm. 4.
Páginas 516-519 (1 julho 2022)
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Carta ‐ Investigação
Open Access
Melanoníquia longitudinal na infância: grande desafio
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Isabela Boechat Moratoa,
Autor para correspondência
isabelaboechatm@gmail.com

Autor para correspondência.
, João Renato Vianna Gontijoa,b, Glaysson Tassara Tavaresa,b, Flávia Vasques Bittencourta,b
a Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
b Faculdade de Medicina, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
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Prezado Editor,

A melanoníquia longitudinal (ML) é uma pigmentação longitudinal da lâmina ungueal. Ocorre pela produção aumentada de melanina na matriz ungueal, seja por ativação ou proliferação dos melanócitos. É mais prevalente após a quinta década de vida e pouco comum na infância.1 Quando decorre da ativação de melanócitos, assume coloração acinzentada e tem como principais etiologias: pigmentação étnica, traumatismo, onicotilomania, medicamentos e síndromes genéticas, como Peutz‐Jagher e Lauzier‐Hunziker. Quando secundária à proliferação de melanócitos, apresenta coloração marrom a preta e decorre de nevo melanocítico (NM), lentigo simples, hiperplasia melanocítica atípica ou melanoma.2

Enquanto cerca de 5% das ML em adultos correspondem a melanoma, na infância é tipicamente benigna; o NM é uma das principais causas, porém compartilha características clínicas, dermatoscópicas e histopatológicas com o melanoma subungueal.3,4 A biópsia da matriz ungueal é o padrão ouro para o diagnóstico etiológico, porém trata‐se de procedimento invasivo, de execução complexa na criança, não raro complicada com distrofia ungueal e com recidiva, o que torna difícil a decisão entre acompanhamento clínico e indicação de biópsia.

Sinal de Hutchinson refere‐se à pigmentação periungueal (sinal clássico de risco para melanoma subungueal em adultos), e micro‐Hutchinson à pigmentação periungueal vista apenas por dermatoscopia; ambos são comumente encontrados na ML da infância. Denomina‐se pseudo‐Hutchinson a pigmentação da matriz ungueal visível através da cutícula, enão é sinal de alerta verdadeiro.2,5

Apresentamos uma série de quatro casos de ML em crianças que destacam peculiaridades dessa entidade na infância.

Caso 1

Paciente do sexo masculino, 2 anos, com ML única no hálux esquerdo iniciada aos 6 meses de vida, com crescimento. Uma faixa marrom claro e escuro ocupava 40% da largura da lâmina ungueal, em formato triangular. À dermatoscopia, identificavam‐se linhas irregulares em cor, espessura e espaçamento, com bordas laterais apagadas. Dermatoscopia intraoperatória evidenciou padrão irregular. Realizada biópsia excisional, compatível com NM juncional e lentiginoso ungueal. O paciente evoluiu com distrofia ungueal pós‐biópsia e recidiva da melanoníquia dois anos após, com a presença do sinal de Hutchinson no hiponíquio. Optou‐se por acompanhamento, com estabilidade no seguimento de quatro anos (fig. 1)

Figura 1.

A, Aspecto clínico da ML ocupando 50% da espessura total do hálux esquerdo. B, Dermatoscopia à primeira consulta. C, Dermatoscopia intraoperatória, evidenciando lesão pigmentada de padrão irregular e borrão excêntrico. D, Dermatoscopia dois anos após biópsia, sinal de Hutchinson no hiponíquio.

(0.3MB).
Caso 2

Paciente do sexo feminino, 13 anos, com ML única presente ao nascimento e com crescimento progressivo. Faixa marrom claro e escuro em segundo pododáctilo esquerdo, média 3mm, ocupava 20% da largura da unha, e havia sinal de Hutchinson nas dobras ungueais proximal e lateral. A dermatoscopia mostrou linhas irregulares em espessura e em cor, com perda de paralelismo e bordas apagadas. Foi realizada biópsia tangencial, compatível com NM juncional. Após biópsia, permaneceu com ML na borda lateral, sem distrofia, e mantém‐se estável em cinco anos de seguimento (fig. 2)

Figura 2.

Aspecto clínico (A) e dermatoscópico (B) na primeira consulta. Aspecto clínico (C) e dermatoscópico (D) cinco anos após biópsia.

(0.4MB).
Caso 3

Paciente do sexo feminino, 3 anos, com ML no quinto dedo da mão esquerda há dois anos, recidivada após biópsia prévia realizada há um ano, compatível com NM juncional, com crescimento desde então. Faixa preta a marrom escuro ocupava 50% da largura da unha, com pseudo‐Hutchinson. Dermatoscopicamente, havia linhas irregulares em cor e espessura, perda de paralelismo e bordas apagadas. Revisão do exame histopatológico não observou sinais de malignidade. Durante dois anos de seguimento, manteve‐se estável (fig. 3)

Figura 3.

(A), Aspecto clínico. (B), Dermatoscopia: irregularidade de cor e espessura, perda de paralelismo e bordas apagadas.

(0.24MB).
Caso 4

Paciente do sexo feminino, 9 anos, com ML há seis anos no terceiro quirodáctilo esquerdo, com crescimento. Observada faixa marrom clara ocupando 40% da lâmina ungueal (4 mm), com pseudo‐Hutchinson. À dermatoscopia foram visualizadas linhas homogêneas, preservando paralelismo. Optou‐se por acompanhamento, porém houve perda do seguimento. A paciente retornou quatro anos após, com biópsia realizada em outro serviço compatível como melanoma in situ lentiginoso acral. A revisão do exame favoreceu a hipótese de NM lentiginoso, mas não foi possível excluir melanoma in situ. Realizada ampliação de margens de 5mm, com remoção do complexo ungueal até nível do periósteo e cicatrização por segunda intenção. Mantida em seguimento clínico rigoroso, sem sinais de recidiva ou de metástase durante oito anos de acompanhamento (fig. 4)

Figura 4.

Aspecto clínico (A) e dermatoscópico (B) na primeira consulta; (C) exame histológico corado em H&E evidenciando proliferação de melanócitos em arranjo contínuo formando alguns ninhos na junção dermo‐epidérmica.

(0.63MB).

No adulto, são considerados sinais clínicos de alerta para melanoma subungueal o aparecimento recente de ML em única unha, coloração heterogênea, história de modificação de cor, espessura ou forma, largura> 2/3da unha ou> 3mm, largura proximal maior que a distal (formato triangular), sinal de Hutchinson e distrofia ungueal associada. Os achados dermatoscópicos de alerta incluem cor heterogênea marrom a preta, linhas irregulares (em cor, espaçamento, espessura e perda de paralelismo), apagamento das bordas e micro‐Hutchinson.2,6

Entretanto, tais achados são comuns na ML da infância, sem traduzir maior risco de malignidade. O NM, uma das principais causas de ML na criança, frequentemente apresenta crescimento rápido, bandas largas, pigmentação heterogênea, linhas irregulares, formato triangular e sinal de Hutchinson, como demonstrado em outros estudos.3,4,7–10 Sua recidiva após exérese é frequente, como nos Casos 1 e 3. O melanoma subungueal é extremamente raro em crianças, com poucos relatos na literatura, todos in situ. Curiosamente, o Caso 4, laudado como melanoma subungueal in situ, apresentou menor suspeita clínica e dermatoscópica durante avaliação inicial. A biópsia evidenciou proliferação melanocítica lentiginosa com raros ninhos, atipias citológicas focais e simetria preservada. O NM acral pode apresentar atipias citoarquiteturais sem significar malignidade, enquanto o melanoma subungueal pode ter poucas atipias em fase inicial, o que dificulta o diagnóstico diferencial entre essas duas entidades. Considerando a preservação da simetria histológica e o longo período de 10 anos de evolução sem evidência de progressão para melanoma invasivo, o Caso 4 representa mais provavelmente um NM do que um melanoma in situ.

Os casos apresentados ilustram o desafio no manuseio de crianças com ML. Embora o aspecto e comportamento da lesão possam ser desafiadores, simulando melanoma, há autores que discordam da indicação sistemática de biópsia.9 A conduta deve ser individualizada, priorizando o acompanhamento clínico e dermatoscópico, além de considerar o grau de ansiedade da família. Quando, no entanto, a opção for pela biópsia, é importante que seja guiada pela dermatoscopia intraoperatória e realizada tangencialmente quando possível, minimizando o risco de distrofia. Diante de padrão irregular à dermatoscopia intraoperatória, porém, pode ser optado por biópsia excisional visando menor risco de recidiva. Ademais, é imperativo a análise por patologista com expertise em lesões melanocíticas.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Isabela Boechat Morato: Concepção e desenho do estudo, aquisição de dados, redação do artigo, revisão crítica de conteúdo intelectual, aprovação final da versão a ser submetida.

Joao Renato Vianna Gontijo: Redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual relevante, aprovação final da versão a ser submetida.

Glaysson Tassara Tavares: Redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual relevante, aprovação final da versão a ser submetida.

Flávia Vasques Bittencourt: Redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual relevante, aprovação final da versão a ser submetida.

Conflito de interesses

Nenhum.

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Como citar este artigo: Morato IB, Gontijo JRV, Tavares GT, Bittencourt FV. Longitudinal melanonychia in childhood: a great challenge. An Bras Dermatol. 2022;97:516–9.

Trabalho realizado no Serviço de Dermatologia, Hospital das Clínicas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil.

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