Desde o início da pandemia do coronavírus (SARS‐CoV‐2), foram relatados diversos casos de acometimento extrapulmonar, incluindo os sistemas cardiovascular, gastrintestinal, neurológico e cutâneo. Grande variedade de manifestações dermatológicas relacionadas à infecção por COVID‐19 vem sendo relatada;1,2 no entanto, relatos de líquen plano (LP) associado à COVID‐19 são escassos na literatura.3,4
Paciente do sexo masculino, 56 anos, queixava‐se de surgimento de lesões pruriginosas nos membros inferiores havia seis meses. Referia que as lesões surgiram cerca de uma semana após início dos sintomas de infecção por COVID‐19, confirmada por RT‐PCR. O paciente apresentou quadro respiratório leve, sem necessidade de internação hospitalar, e fez uso de ivermectina e hidroxicloroquina, prescritas no serviço de origem. Após a erupção cutânea, fez uso de fluconazol oral e cetoconazol tópico, sem melhora. O paciente tinha histórico de infecção por HIV, com carga viral indetectável havia vários anos, sem outras comorbidades e com sorologias para sífilis, hepatite B e hepatite C negativas. Em tratamento regular com 3tc, tdf e dtg, sem troca recente de medicações.
Ao exame dermatológico, apresentava lesões e dermatoscopia compatíveis com LP (figs. 1 e 2). Não apresentava lesões ungueais ou da mucosa oral. Foram realizadas biópsias de duas lesões (fig. 3), confirmando o diagnóstico de LP variante anular em paciente após quadro de infecção por COVID‐19.
Histopatológico de lesão do membro inferior direito. (A) Epiderme com hiperceratose compacta, paraceratose, hipergranulose, acantose leve e irregular, espongiose leve e derme superficial com infiltrado inflamatório liquenoide linfo‐histiocitário perivascular e perianexial em faixa, sem alterações na derme profunda (Hematoxilina & eosina, 50×). (B) Maior aumento evidenciando dano vacuolar basal com fenda subepidérmica e raros ceratinócitos apoptóticos (Hematoxilina & eosina, 100×).
O LP é dermatose imunomediada de causa desconhecida, que acomete menos de 1% da população, principalmente adultos de meia‐idade, podendo afetar pele, pelos, unhas e mucosas.5 É relatada associação com hepatite C, outras infecções virais, vacinas e doenças autoimunes, tais como vitiligo, dermatite herpetiforme e pênfigos.5 A forma anular é considerada variante rara do LP. Apesar de diversas manifestações cutâneas terem sido associadas à COVID‐19, poucos casos de LP pós‐COVID‐19 foram relatados.3,4
Já foi relatada possível associação entre infecção pelo HIV e LP. No presente relato, consideramos que o LP foi desencadeado pela infecção por COVID‐19, uma vez que o paciente já tinha diagnóstico de HIV havia 24 anos, sem alterações nas medicações de uso crônico, com surgimento das lesões liquenoides temporalmente associadas à COVID‐19. A infecção pelo SARS‐CoV‐2 pode estimular a citotoxicidade por linfócitos TCD8+ e células Th17, alterações que também participam da patogênese do LP – este pode persistir mesmo após a resolução da infeção viral desencadeante.4 Ademais, não consideramos o LP como desencadeado pelas medicações usadas durante a infecção pelo coronavírus, já que não identificamos relatos de LP desencadeado por ivermectina ou hidroxicloroquina em revisão da literatura e também pela não regressão das lesões após a interrupção desses fármacos.
Relatamos um caso de LP anular com surgimento uma semana após infecção por COVID‐19, sugerindo associação entre as enfermidades. Há escassez de relatos de lesões liquenoides associadas à COVID‐19 – apenas um outro relato da rara variante anular do LP desencadeado pela infecção pelo SARS‐CoV‐2 foi identificado.3,4
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLaura Murari Mondadori: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Helena Barbosa Lugão: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Fernanda André Martins Cruz Perecin: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; análise estatística; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Marco Andrey Cipriani Frade: Concepção e o desenho do estudo; levantamento dos dados, ou análise e interpretação dos dados; redação do artigo ou revisão crítica do conteúdo intelectual importante; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Mondadori LM, Lugão HB, Perecin FA, Frade MA. Post‐COVID‐19 lichen planus annularis: report of a rare association. An Bras Dermatol. 2023;98:409–11.
Trabalho realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil.