Um homem de 61 anos apresentou histórico de três meses de lesões despigmentadas simétricas nas mãos e na região perilabial (figs. 1 e 2). Não foi observado envolvimento de qualquer outra área anatômica. Sob a lâmpada de Wood, as lesões pareciam brancas e delineadas, confirmando o diagnóstico de vitiligo. O paciente não apresentava histórico médico pessoal e familiar para distúrbios autoimunes. Relatava que oito meses antes havia recebido o diagnóstico de hipogonadismo idiopático secundário adquirido devido ao envelhecimento (baixos níveis de testosterona; níveis normais de LH e FSH; ressonância magnética da região do hipotálamo‐hipófise negativa e índice de massa corporal normal). Os exames laboratoriais e testes de autoimunidade não mostraram alterações. Os testes de função tireoideana eram normais e os anticorpos antitireoideanos foram todos negativos. Por esse diagnóstico, o paciente iniciou tratamento com gel tópico de testosterona a 2%, uma vez ao dia, durante seis meses, aplicado na região torácica e nas coxas. No quarto mês de tratamento, observou a primeira área de despigmentação nas mãos. Para as lesões de vitiligo, foi prescrito creme com pimecrolimus a 1%. Após seis meses de seguimento, as lesões de vitiligo tratadas permaneceram estáveis e não foram observadas novas áreas despigmentadas. O paciente continua a ter consultas endocrinológicas com boa compensação hormonal.
A etiologia do vitiligo ainda não está clara.1 Várias hipóteses foram propostas para explicar as causas da disfunção dos melanócitos.1 Kotb et al. investigaram a teoria hormonal.1 Especificamente, observaram uma redução significativa nos níveis de testosterona no soro de pacientes do sexo masculino, tanto no grupo de vitiligo ativo quanto no grupo de vitiligo estável quando comparados aos controles, assim como no grupo de vitiligo ativo quando comparado com o grupo de vitiligo estável. Além disso, não foi observada diferença significativa nos níveis de testosterona entre homens e mulheres no grupo vitiligo ativo.1 Por outro lado, a testosterona também pode estar envolvida na infrarregulação da inflamação. Em realidade, a testosterona suprime a imunidade celular, ao afetar a diferenciação das células Th1, justificando a diferença, entre os sexos, na resposta a vírus e autoimunidade.2 Todos esses achados confirmam que o hipogonadismo pode explicar a predisposição para o início do vitiligo observado no presente paciente.
O vitiligo induzido por fármaco é um efeito colateral raro de vários medicamentos sistêmicos e tópicos.3 Nesses casos, a despigmentação da pele é indistinguível do vitiligo e parece ser devida à ativação da autoimunidade específica para melanócitos; por esse motivo, esse fenômeno é denominado “vitiligo induzido por medicamentos”, e não pelo termo menos preciso “despigmentação induzida por medicamentos”.4
Goldstein et al. demonstraram que a testosterona pode interagir com a atividade da tirosina hidroxilase; além disso, sabe‐se que produtos que interagem com a atividade da tirosinase paradoxalmente podem interromper a produção de melanina, induzindo a resposta ao estresse celular, o que leva à inflamação e destruição autoimune dos melanócitos.5 No entanto, até o momento, não há evidências de vitiligo induzido por testosterona.
O presente caso representa a primeira confirmação clínica de início do vitiligo em um paciente com hipogonadismo, levantando a tese de que o hipogonadismo pode estar associado ao vitiligo; no entanto, não há evidências suficientes para respaldar o papel da terapia de reposição de testosterona no surgimento do vitiligo. Na verdade, não foram observadas áreas de despigmentação nos locais de aplicação do gel (região torácica e coxas). Mais estudos são necessários para investigar o papel da testosterona na pigmentação e estender a pesquisa a possíveis novas implicações terapêuticas.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresGiovanni Paolino: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Pietro Bearzi: Elaboração e redação do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Santo Raffaele Mercuri: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
Como citar este artigo: Paolino G, Bearzi P, Mercuri SR. Onset of vitiligo in a patient with acquired secondary hypogonadism under treatment with testosterone gel 2%: inside the pathogenesis. An Bras Dermatol. 2020;95:661–2.
Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Ospedale San Raffaele, Milão, Itália.