A ftiríase pubiana (infestação por piolho‐das‐virilhas) é uma ectoparasitose transmitida principalmente por contato pele a pele, localizada principalmente nas áreas genitais e que, secundariamente em casos com tratamento tardio, expande‐se em direção às axilas ou outras partes do corpo adulto com pelos numerosos. Em crianças antes da maturação sexual, os locais afetados podem incluir os cílios ou os pelos do couro cabeludo, geralmente após o contato com um adulto que foi infectado sexualmente. O diagnóstico costuma ser fácil e requer a localização de ovos (lêndeas) e/ou insetos, geralmente firmemente presos à base do fio do cabelo. Como a ftiríase é uma doença sexualmente transmissível, recomenda‐se expandir a investigação para outras doenças venéreas.
Relatos recentes sobre Phthirus pubis parecem sugerir uma mudança em seu comportamento usual, favorecendo uma localização primária no couro cabeludo sem envolvimento genital, como já descrito por alguns autores e observado em uma série pessoal não publicada.1–3
Embora os fômites possam transportar parasitas em qualquer lugar, os casos considerados neste relato referem‐se a adultos ou crianças em idade escolar cuja infestação não foi transmitida por objetos ou relações sexuais, nem por toque não sexual (por exemplo, quando as crianças dormem com um dos pais). Uma reconstrução anamnésica cuidadosa apenas sugeriu modalidade de contato direto cabeça a cabeça.4
Esse cenário, ainda não totalmente investigado, poderia ser parcialmente explicado por algumas hipóteses. Uma das mais prováveis estaria relacionada à prática muito popular de tricotomia púbica e axilar, ou depilação a laser, de qualquer parte do corpo que elimina o habitat natural do parasita. Outra hipótese provável seria alguma conexão entre as mudanças climáticas terrestres e uma receptividade alterada da pele humana a Ph. pubis. De qualquer modo, nessas condições incomuns os piolhos parecem evitar os sítios genitais e se dirigir diretamente para as áreas cefálicas.
Se os piolhos‐das‐virilhas se desenvolverem em um contexto específico, como escolas, onde o contato físico é muito comum entre as crianças, existe o risco de diagnóstico incorreto, visto que na escola Pediculus capitis é normalmente considerado a principal causa de morbidade e prurido na cabeça. Infelizmente, o prurido e as lêndeas do couro cabeludo por si só não são suficientes para corretamente diferenciar a olho nu P. capitis de P. pubis; essa diferenciação é possível pela entodermoscopia, que é a dermatoscopia com foco entomológico. Na verdade, as lêndeas dessas duas espécies diferentes de parasita, embora semelhantes à primeira vista, têm duas partes patognomônicas que ajudam a distingui‐las: o opérculo e o manguito de fixação à haste do cabelo.5 As lêndeas de P. capitis são fechadas no topo por uma cobertura perfurada em forma de cúpula (opérculo+aerópilos); elas se fixam à haste do cabelo por um manguito tubular longo e fino (fig. 1). Por outro lado, as lêndeas de P. pubis têm um opérculo de formato cônico e um manguito curto e grosso (fig. 2). Essas características morfológicas podem ser vistas por meio de um dermatoscópio portátil com ampliação de 10×ou, ainda melhor, com um videodermatoscópio digital com ampliação de 30‐50×. Embora o opérculo seja relevante para o diagnóstico em lêndeas não eclodidas (fig. 1 e 2A), o manguito de fixação torna‐se mais importante para reconhecer as lêndeas quando elas perdem o opérculo, porque a ninfa já eclodiu (fig. 1 e 2B).
No futuro, será possível observar um aumento no diagnóstico de infestações primárias no couro cabeludo por P. pubis, até agora subestimadas devido aos sintomas e semelhança macroscópica com P. capitis, mais comum. O que torna os casos considerados neste relato interessantes é que P. pubis pode exibir, quando necessário, predileção não apenas pelo nicho biológico usual de P. capitis, mas também pela mesma modalidade de transmissão (cabeça a cabeça).
Quando há queixa de prurido no couro cabeludo em crianças ou adultos, o autor recomenda o exame dermatoscópico extemporâneo das lêndeas para diferenciar o tipo de pediculose realmente envolvida. Esse procedimento demonstra as mesmas estruturas anatômicas observáveis ao microscópio óptico, mas de maneira mais fácil e rápida. O tratamento segue as diretrizes atuais para P. capitis, embora o manejo dos contatos possa ser mais complexo devido à possibilidade de abuso sexual em crianças, que deve ser descartada.
Assim, quando a ftiríase é diagnosticada apenas na cabeça, sem qualquer outro local envolvido e sem qualquer tipo de contato físico sexual ou não, o patógeno dessa condição ab initio poderia ser mais adequadamente descrito como Phthirus capitis ou pubis, como já proposto por alguns autores.1,2 Por fim, embora seja uma mera opinião do autor, este comportamento original do agente da pediculose pode tornar‐se assunto de especulação para entomologistas e dermatologistas pela possibilidade de que um patógeno humano obrigatório ter sido forçado a mudar devido a uma pressão evolutiva dos hábitos e costumes da sociedade, além de possivelmente também pelo impacto das mudanças climáticas. Assim, a entodermoscopia apresenta‐se como uma ferramenta adequada para o diagnóstico de uma ectoparasitose, mesmo quando em locais inesperados do corpo.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição do autorGaetano Scanni: Aprovação da versão final
do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.
Como citar este artigo: Scanni G. Phthiriasis capitis ab initio. Use of entodermoscopy for quick differentiation between Phthirus pubis and Pediculus capitis nits. An Bras Dermatol. 2020;95:777–9.
Trabalho realizado no Serviço de Medicina, Poliambulatorio Distretto Unico, Azienda Sanitaria Locale Della Província di Bari, Bari, Itália.