A esporotricose é micose profunda de evolução subaguda ou crônica, causada pelo fungo dimórfico do gênero Sporothrix. O tratamento é feito com antifúngico por via oral ou intravenoso. O sucesso terapêutico pode ser afetado por diversos fatores, como alteração da fisiologia do trato gastrointestinal por cirurgias. Cada vez mais pacientes são submetidos a cirurgias bariátricas e a literatura para as alterações de absorção de medicações nesse contexto é muito escassa. Pretendemos contribuir para melhor entendimento com esse relato de caso de esporotricose cutâneo‐linfática em paciente pós‐cirurgia bariátrica sem resposta ao tratamento com itraconazol, mesmo em altas doses.
A esporotricose é micose profunda causada pelo fungo dimórfico do gênero Sporothrix. A infecção ocorre após inoculação e pode limitar‐se ao ponto de inserção, atingir o sistema linfático ou disseminar‐se.1–4 O tratamento é feito com antifúngico por via oral ou intravenoso, a depender da forma clínica.2–4
Relatamos caso de esporotricose cutâneo‐linfática em paciente previamente submetida à cirurgia de bypass gástrico em Y de Roux (BGYR) sem resposta ao tratamento com itraconazol.
Paciente do sexo feminino, 39 anos, relatava atendimento em outro serviço devido a duas lesões no dorso da mão e antecedente de contato com gato com esporotricose. Com diagnóstico clínico epidemiológico, iniciou terapêutica com itraconazol 200 mg/dia. Porém, houve progressão da doença, mesmo após dobrar e, posteriormente, triplicar a dose da medicação, o que motivou o encaminhamento ao nosso serviço.
Ao exame apresentava nódulos de 2 cm de diâmetro, dolorosos, discretamente eritematosos e com flutuação que seguiam o trajeto de drenagem linfática do membro superior direito (fig. 1). A paciente relatava que havia sido submetida à cirurgia BGYR havia 2 anos por obesidade.
Diante do quadro clinico e da falha terapêutica, optou‐se por fazer biópsia de uma lesão cutânea que mostrou dermatite granulomatosa supurativa. As colorações para agentes infecciosos resultaram negativa. O diagnóstico de esporotricose foi confirmado através de cultura no meio Agar‐Sabouraud e microcultivo (fig. 2).
Devido à falha terapêutica, foi iniciada terbinafina 1g/dia. Após 4 meses, houve regressão completa das lesões com cura clínica (fig. 3).
No tratamento das formas cutâneo‐localizada e cutâneo‐linfática, recomenda‐se dose de 200 mg/dia de itraconazol. Pacientes refratários podem aumentar a dose de itraconazol para 400 mg/dia; iniciar terbinafina 500 mg duas vezes ao dia; ou solução de iodeto de potássio.2,4
O itraconazol é um fármaco altamente lipofílico, necessita de meio ácido para absorção. Assim, fatores que aumentam o pH gástrico reduzem significativamente a sua absorção.2,3 A absorção da terbinafina não é influenciada pelo pH gástrico.2–4
Pacientes submetidos à cirurgia bariátrica têm grande potencial para apresentar má absorção de fármacos, a depender do tipo de procedimento e da farmacocinética e farmacodinâmica do fármaco. Fatores decorrentes do procedimento cirúrgico que influenciam na absorção intestinal são: esvaziamento gástrico retardado, diminuição da exposição do fármaco à mucosa intestinal e alteração do pH gástrico.5
No BGYR, há aumento do pH gástrico, o que altera a dissolução e solubilidade de alguns medicamentos, como, por exemplo, do itraconazol. Além disso, drogas lipofílicas dependem da interação com ácidos biliares para aumentar a solubilidade. O bypass gástrico reduz essa interação e, consequentemente, a absorção de tais fármacos.5
Portanto, o insucesso terapêutico com itraconazol deve‐se à diminuição da absorção do medicamento após alterações na fisiologia do trato gastrointestinal que o BGYR produz, como o aumento do pH gástrico e da diminuição da mistura desse fármaco com ácidos biliares. A terbinafina não sofre influência dos fatores citados acima para sua absorção.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLarissa Crestani: Elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Bruno de Castro e Souza: Concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Priscila Kakizaki: Obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Neusa Yuriko Sakai Valente: Participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflitos de interesseNenhum.