Compartilhar
Informação da revista
Vol. 96. Núm. 4.
Páginas 500-502 (1 julho 2021)
Compartilhar
Compartilhar
Baixar PDF
Mais opções do artigo
Visitas
6477
Vol. 96. Núm. 4.
Páginas 500-502 (1 julho 2021)
Carta ‐ Investigação
Open Access
Evolução clínica da função neural em série de casos de neuropatia hansênica após neurólise ulnar
Visitas
6477
Juliana Barroso‐Freitasa,
Autor para correspondência
freitassjuliana@hotmail.com

Autor para correspondência.
, Pedro Arthur da Rocha Ribasb, Paula Frassinetti Bessa Rebelloc, Silmara Navarro‐Penninic
a Hospital Universitário Getúlio Vargas, Manaus, AM, Brasil
b Universidade Nilton Lins, Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas, Manaus, AM, Brasil
c Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta, Manaus, AM, Brasil
Este item recebeu

Under a Creative Commons license
Informação do artigo
Texto Completo
Bibliografia
Baixar PDF
Estatísticas
Tabelas (1)
Tabela 1. Características dos casos de hanseníase submetidos à neurólise do nervo ulnar
Texto Completo
Prezado Editor,

A hanseníase é uma doença infecciosa crônica com potencial incapacitante pela afinidade do agente, Mycobacterium leprae, pelos nervos periféricos e pele. Dos 208.619 novos casos detectados mundialmente em 2018, 11.323 já apresentavam deformidades aparentes; 2.109 (18,6%) casos eram do Brasil, número que esteve abaixo apenas da Índia, com 3.666 casos novos com deformidades.1

A neuropatia na hanseníase pode ocorrer de maneira insidiosa, mais comumente na forma de mononeuropatia múltipla, com o acometimento simultâneo de dois ou mais nervos periféricos em regiões distintas do corpo; os nervos ulnar e tibial posterior são os mais envolvidos. Com frequência, o dano neural também pode ocorrer durante episódios agudos de reações imunológicas contra antígenos bacilares, que podem surgir no decorrer da doença ou mesmo após o tratamento poliquimioterápico, na forma de neurite com edema, obstrução vascular, isquemia e estrangulamento na passagem pelos canais osteofibrosos dos membros, levando à dor e ao déficit de função, principal causa das incapacidades físicas e estigma da doença.2,3

A base do tratamento da neurite é a prednisona, utilizada para o controle do processo inflamatório e da dor, evitando o dano neural permanente. A neurólise é a cirurgia para descompressão do nervo por meio de uma incisão do epineuro e abertura do canal osteofibroso para liberação do mesmo, no nível do cotovelo e/ou do punho.3 É realizada principalmente nos casos de abscesso de nervo, neurite não responsiva ao tratamento clínico por quatro semanas, episódios de neurites recorrentes ou subentrantes, neurites deficitárias crônicas com dor, e neurites em pacientes com comorbidades que contraindicam o uso de corticoides nas doses adequadas, e nos casos de contraindicação absoluta de corticoides.4

Com o objetivo de descrever a evolução clínica da função neural e da recorrência da neurite em pacientes com neurite hansênica submetidos à neurólise, apresentamos uma série de 22 casos de cirurgia do nervo ulnar, realizadas em 2015 e 2016 na Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta, na cidade de Manaus (AM).

Imediatamente antes da neurólise e após a mesma (30, 90 dias e na data do retorno), foi realizada a avaliação neurológica simplificada segundo o Ministério da Saúde do Brasil.4 A avaliação da sensibilidade foi realizada com estesiômetro ou monofilamento de Semmes‐Weinstein, composto por um conjunto de seis fios de nylon de diferentes cores e espessuras que, pressionados contra a pele, correspondem a diferentes pesos (de 0,05g a 300g). Foram considerados os monofilamentos de 0,05g (verde) e 0,2g (azul) como sensibilidade normal, e acima destes, diminuída.5 Para a avaliação da força muscular foi examinado o músculo abdutor do quinto dedo e utilizada a escala do Medical Research Council, que gradua a força de 0 (ausência de movimento muscular) a 5 (movimento completo contra a gravidade com resistência máxima).4 Os níveis 4 (movimento completo contra a gravidade com resistência parcial) e 5 foram considerados normais.5

O tempo entre o primeiro episódio de neurite e a realização da neurólise foi em média 25,3 meses (Dp=63,3; mín.=1; máx.=303); em 11 (50,0%) pacientes o procedimento foi realizado em até seis meses, o que é relacionado com os melhores resultados por outros autores.5 Para fins de comparação, no presente estudo foi considerada a última avaliação neurológica, que variou de três a 168 meses, tendo 12 (54,5%) pacientes com mais de um ano de seguimento.

De 12 casos que já tinham sensibilidade alterada antes da cirurgia, sete (58,3%) apresentaram melhora e, de seis que tinham alteração da força muscular, cinco (83,3%) mantiveram o mesmo nível e apenas um (16,7%) piorou. Quinze (68,2%) pacientes não tiveram mais neurite no nervo operado, porém três destes ainda tiveram que usar prednisona por apresentarem reação hansênica e/ou neurite de outros nervos. Dois pacientes tiveram apenas um único episódio de neurite, que ocorreu três e quatro meses após a cirurgia. Outros cinco (18,2%) tiveram neurites subentrantes do nervo operado, com média de 52,6 meses (Dp=63; mín.=17; máx.=172) após a cirurgia, sem, necessariamente, evoluírem com perda da função (tabela 1).

Tabela 1.

Características dos casos de hanseníase submetidos à neurólise do nervo ulnar

N° ordem  Sexo  Idade no diagnóstico (anos)  Forma clínica  Tempo em meses entreSensibilidadeaForça muscularbTempo com recorrências (meses) 
        Neurite e neurólise  Neurólise e avaliação  Inicial  Final  Inicial  Final   
31  BL  01  03  0,05 g  0,05 g  – 
22  BL  02  20  10 g  21 
34  LL  02  05  0,05 g  0,2 g  – 
TT  02  44  300 g  10 g  – 
20  BT  02  08  300 g  – 
26  BL  02  18  0,05 g  300 g  03c 
13  BT  03  34  300 g  300 g  – 
35  LL  04  14  0,2 g  0,2 g  – 
39  LL  04  30  4 g  – 
10  49  LL  05  24  0,2 g  0,2 g  – 
11  51  BL  03  300 g  – 
12  24  LL  09  26  300 g  0,2 g  – 
13  24  LL  10  02  0,2 g  0,2 g  – 
14  11  BL  12  21  0,05 g  0,05 g  21 
15  36  BL  16  17  300 g  10 g  17 
16  15  LL  17  04  0,05 g  0,05 g  – 
17  57  BT  20  08  300 g  0,2 g  – 
18  18  BL  20  168  300 g  172 
19  17  LL  31  10  0,05 g  0,2 g  32 
20  12  BT  36  04  300 g  4 g  04c 
21  19  BL  49  135  0,05 g  0,05 g  – 
22d  26  LL  303  03  10 g  10 g  – 
a

Monofilamento: 0,05g (verde) e 0,2g (azul)=sensibilidade normal; 2,0g (violeta)=diminuiçãoo da sensibilidade protetora, com discriminação de forma e temperatura diminuída; 4,0g (vermelho escuro)=sensibilidade protetora diminuída; 10,0g (laranja)=pode sentir pressão profunda e dor; 300,0g (vermelho magenta)=perda da sensação de pressão profunda, podendo sentir dor; e 0=não sente nenhum monofilamento ou ausência de sensibilidade à pressão ou dor.

b

Escala do Medical Research Council.

c

Mês da ocorrência do único um episódio de neurite.

d

Esse paciente apresentou reicidiva.

Com esta série de casos, ressalta‐se a importância clínica dos resultados em situação de rotina, em que a maior contribuição da neurólise associada ao tratamento clínico da neurite hansênica foi a não recorrência ou cronificação do quadro, evitando a corticoterapia prolongada e suas consequências, além da possível evolução para incapacidades físicas, inclusive com ganho da função sensitiva para a maioria dos casos apresentados. Faz‐se necessário, contudo, a realização de estudos com metodologia apropriada para avaliar a eficácia da neurólise ou seus benefícios em comparação ao tratamento clínico isolado, mesmo diante das publicações existentes ao longo de décadas.5

Suporte financeiro

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – bolsa de iniciação científica.

Contribuição dos autores

Juliana Barroso‐Freitas: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.

Pedro Arthur da Rocha Ribas: Revisão crítica da literatura; obtenção, análise e interpretação dos dados.

Paula Frassinetti Bessa Rebello: Concepção e planejamento do estudo; revisão crítica da literatura; análise dos dados; revisão crítica do manuscrito.

Silmara Navarro‐Pennini: Concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; revisão crítica da literatura; análise dos dados.

Conflito de interesses

Nenhum.

Agradecimentos

Agradecimento a todos os profissionais que atuam no setor de prevenção de incapacidades físicas da Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta, em nome da chefe do serviço, fisioterapeuta Isabelle Nóbrega Oliveira.

Referências
[1]
World Health Organization – WHO [Internet]. Weekly Epidemiological Record (WER) [Acesso em 20 jan. 2020]. Disponível em: <https://www.who.int/wer/2019/wer9435_36/en/>.
[2]
P. Saunderson, S. Gebre, K. Desta, P. Byass, D.N. Lockwood.
The pattern of leprosy‐related neuropathy in the AMFES patients in Ethiopia: definitions, incidence, risk factors and outcome.
Lepr Rev., 71 (2000), pp. 285-308
[3]
Brasil. Ministério da Saúde. Diretrizes para vigilância, atenção e eliminação da Hanseníase como problema de saúde pública: Manual técnico‐operacional. Brasília: Ministério da Saúde; 2016.
[4]
W.H. Van Brakel, P.G. Nicholls, L. Das, P. Barkataki, S.K. Suneetha, R.S. Jadhav, et al.
The INFIR Cohort Study: investigating prediction, detection and pathogenesis of neuropathy and reactions in leprosy. Methods and baseline results of a cohort of multibacillary leprosy patients in North India.
Lepr Rev., 76 (2005), pp. 14-34
[5]
N.H.J. Van Veen, T.A.R. Schreuders, W.J. Theuvenet, A. Agrawal, J.H. Richardus.
Decompressive surgery for treating nerve damage in leprosy.
A Cochrane review., 12 (2012), pp. CD006983

Como citar este artigo: Barroso‐Freitas J, Ribas PAR, Rebello PFB, Navarro‐Pennini S. Clinical evolution of neural function in a series of leprosy neuropathy cases after ulnar neurolysis. An Bras Dermatol. 2021;96:500–2.

Trabalho realizado na Fundação de Dermatologia Tropical e Venereologia Alfredo da Matta Manaus, AM, Brasil.

Projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição (CEP‐FUAM) sob o número CAE 03242218.5.0000.0002.

Baixar PDF
Idiomas
Anais Brasileiros de Dermatologia (Portuguese)
Opções de artigo
Ferramentas
en pt
Cookies policy Política de cookies
To improve our services and products, we use "cookies" (own or third parties authorized) to show advertising related to client preferences through the analyses of navigation customer behavior. Continuing navigation will be considered as acceptance of this use. You can change the settings or obtain more information by clicking here. Utilizamos cookies próprios e de terceiros para melhorar nossos serviços e mostrar publicidade relacionada às suas preferências, analisando seus hábitos de navegação. Se continuar a navegar, consideramos que aceita o seu uso. Você pode alterar a configuração ou obter mais informações aqui.