Câncer da mama é o segundo tipo de neoplasia maligna mais frequente no mundo. No Brasil, foram estimados 59.700 novos casos para 2019.1 Esse tipo de câncer acomete predominantemente mulheres de 50 anos e o subtipo histológico mais comum é o adenocarcinoma ductal invasivo.1
O tratamento do câncer da mama está associado a queixas dermatológicas em 74%‐100% dos casos.2 A terapêutica envolve cirurgia e radioterapia locorregional, além de quimioterapia e hormonioterapia como tratamento sistêmico.3
Ceratose seborreica é o tumor benigno cutâneo mais comum, predominando nos adultos brancos. Tem origem na epiderme, em que se observa proliferação de queratinócitos imaturos. Clinicamente, é caracterizada por pápulas acastanhadas, bem delimitadas, de superfície untuosa.4,5 A partir da suspeição clínica, a dermatoscopia auxilia e o exame histopatológico confirma o diagnóstico.5
Descreve‐se um caso de múltiplas ceratoses seborreicas restritas ao local de radioterapia prévia devido a câncer na mama.
Paciente do sexo feminino, 73 anos, branca, foi diagnosticada, há quatro anos, com carcinoma micropapilar invasivo na mama esquerda, requerendo intervenção cirúrgica (quadrantectomia), quimioterapia (adriamicina, ciclofosfamida e paclitaxel) e 30 sessões de radioterapia adjuvante. Havia seis meses, notara o aparecimento de pápulas acastanhadas, assintomáticas, de evolução lenta, restritas à pele adjacente à cicatriz cirúrgica, área previamente irradiada (figs. 1 e 2). Em 2019, buscou atendimento dermatológico, quando foram evidenciadas, ao exame clínico e dermatoscopia, lesões sugestivas de ceratoses seborreicas apenas na mama esquerda. No momento, a paciente está em remissão da doença e acompanhamento clínico semestral. A histopatologia de uma lesão foi compatível com o diagnóstico, pela presença de células basaloides, hiperceratose e formação de pseudocistos córneos (fig. 3).
O câncer da mama foi diagnosticado em mais de 1,3 milhão de pessoas no mundo até 2015.1 O subtipo micropapilar invasivo, diagnosticado neste caso, é raro, representa 0,9%‐2% dos carcinomas de mama e está associado a características clinicopatológicas agressivas.1
A radioterapia ocasiona inúmeros efeitos no tecido cutâneo, variando entre agudos (até seis meses após o início da terapia) ou crônicos; a depender da localização, do tamanho e da profundidade do tumor irradiado, são classificados como leve, moderado ou grave.2,3,5 A paciente apresentava os sintomas crônicos.
A gravidade da lesão cutânea determinada pela radiação é dependente de fatores relacionados ao tratamento e ao paciente.2 Os ligados à terapia incluem a dose total e o local de irradiação, tempo de fracionamento, volume e área de tecido irradiado e adição de quimioterapia.2,3 Entre os associados ao paciente, destacam‐se tabagismo, desnutrição, obesidade, doenças autoimunes e fatores genéticos.2,3 Os únicos encontrados na paciente foram múltiplas sessões de radioterapia e quimioterapia.
O sinal de Leser‐Trélat é raro, caracterizado por erupção abrupta de múltiplas ceratoses seborreicas, geralmente no dorso, e pode preceder ou ocorrer após o diagnóstico da malignidade, em especial adenocarcinoma de pulmão e gastrintestinal.4 A paciente apresentava lesões de surgimento progressivo apenas no local irradiado.
O mecanismo da lesão determinado pela radiação não é totalmente conhecido, mas sabe‐se que a pele é um órgão em constante renovação, constituído por células de rápida proliferação e maturação, que a torna vulnerável a essa terapia.2 Os queratinócitos basais e folículos pilosos são altamente radiossensíveis. Além disso, a lesão por radiação causa inflamação, recrutamento celular, dano ao DNA e geração de citocinas.3,5
A etiologia da ceratose seborreica permanece desconhecida. Recentemente, tem‐se postulado que fatores de crescimento epidérmico (oncogenes − PIK3CA e o receptor 3 do fator de crescimento de fibroblastos − FIGR3) participariam em 32% e 48% dos casos, respectivamente. Estudos recentes mostram que outros oncogenes (TERT e DPH3) também estão envolvidos na gênese das lesões.5
Os eczemas e a quimioterapia podem desencadear inflamação ou aumento das ceratoses seborreicas preexistentes, diferentemente do caso apresentado.3
O diagnóstico da ceratose seborreica é clínico e a dermatoscopia é útil para a diferenciação de outras lesões pigmentadas. O padrão dermatoscópico é polimórfico e o achado mais característico são os pseudocistos córneos, visualizados no caso. Quando há dúvida diagnóstica, a histopatologia torna‐se indispensável.5 Na paciente, devido à presença de múltiplas lesões, optou‐se pela exérese de uma delas e envio do material para histopatologia, que confirmou o diagnóstico clínico.
O tratamento é indicado para fins estéticos. Algumas opções são curetagem, aplicação de ácido tricloroacético e crioterapia com nitrogênio líquido.5 No caso apresentado, optou‐se pela crioterapia em duas sessões, com diminuição da superfície untuosa das ceratoses seborreicas e hiperpigmentação após a primeira sessão.
Na revisão da literatura, os autores não encontraram estudos relacionados à ceratose seborreica induzida pela radioterapia, mas concluíram que a radiação foi deflagradora da proliferação dos queratinócitos, provavelmente por mediadores que levam à produção de citocinas estimuladoras de melanogênese, ativação de oncogenes e fatores de crescimento epidérmico.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresDanielle Ferreira Chagas: Elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Lúcia Martins Diniz: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Bruna Anjos Badaró: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Elton Almeida Lucas: Participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados.
Conflitos de interesseNenhum.