A prototecose é doença rara, ocasionada por alga aclorofílica do gênero Prototheca spp. Em geral, são observadas três formas clínicas: cutânea, articular e sistêmica. A forma cutânea é a mais comum. Neste trabalho é apresentado o relato de caso de uma paciente com pápulas eritematosas isoladas e placas papulosas eritematosas nas regiões escapulares, com diagnóstico histopatológico prévio de criptococose. Novos exames foram conclusivos para o diagnóstico de prototecose ocasionada por Prototheca wickerhamii.
Paciente do sexo feminino, 79 anos de idade, natural e residente em Manaus, com diabetes mellitus não insulino‐dependente, portadora de marca‐passo, encaminhada com diagnóstico histopatológico de criptococose. Evolução de dois anos.
Exame dermatológico: úlcera na região escapular direita e lesões eritemato‐papulosas, isoladas e confluentes, formando pequenas placas, localizadas na região escapular esquerda (fig. 1). Sorologias negativas para HIV, sífilis, hepatites B e C. Exame histopatológico: infiltrado dérmico granulomatoso e estruturas arredondadas, isoladas ou agrupadas, de diferentes tamanhos, no interior de histiócitos e células gigantes (fig. 2).
(A), Infiltrado dérmico granulomatoso composto de linfócitos, histiócitos, células gigantes multinucleadas e estruturas arredondadas isoladas ou agrupadas, de diferentes tamanhos, no interior de histiócitos e células gigantes (Hematoxilina & eosina, 100×). (B), Maior detalhe dos esporângios, coloração de Hematoxilina & eosina (Hematoxilina & eosina, 400×).
a) Leishmaniose cutânea
b) Prototecose
c) Criptococose
d) Paracoccidioidomicose
DiscussãoNas colorações pelo PAS e Grocott observam‐se estruturas arredondadas e endosporulação com aspecto de mórula (fig. 3). Análise da estrutura molecular do material obtido em cultura: Prototheca wickerhamii. Este quadro histopatológico e de biologia molecular exclui as hipóteses de criptococose, leishmaniose e paracoccidioidomicose. Conclusão diagnóstica: prototecose.
A prototecose é doença oportunista ocasionada por algas aclorofílicas do gênero Prototheca, encontradas em cães, morcegos, na água doce e salgada, no esgoto, no solo e no leite de gado.1,2 Os seres humanos são contaminados acidentalmente por meio de arranhaduras cutâneas, inalação ou ingestão do agente etiológico.3 A prototecose humana é rara, e na maioria dos casos ocorre em pacientes imunodeprimidos.4 Em geral, as manifestações clínicas são predominantemente cutâneas. Bursite e envolvimento sistêmico também são relatados.5,6 Os principais agentes da prototecose são a Prototheca zopfii e P. wickerhamii – esta última, a mais comum.7 Placas infiltradas e lesões ulceradas constituem as apresentações clínicas mais frequentes.8 Lesões papulosas, nodulares, pustulosas, vesiculosas e verrucosas podem ocorrer.5
Clinicamente, todas as possibilidades diagnósticas sugeridas deveriam ser consideradas. A hipótese de leishmaniose é relevante, pois a paciente vive em Manaus, onde com relativa frequência tem‐se diagnosticado esta enfermidade em pacientes sem histórico de ter saído da cidade. Áreas residuais de mata primária e/ou secundária são os principais reservatórios da enfermidade na área urbana.1 A paracoccidioidomicose pode ocasionar manifestações clínicas similares, porém a paciente não tinha antecedentes de atividade em área rural. Este diagnóstico e a hipótese de criptococose cutânea também foram afastados por meio dos exames laboratoriais. A paciente não apresentava queixa ou evidência clínica de doença sistêmica associada à prototecose. Os exames de imagem realizados (radiografia e tomografia computadorizada de tórax) estavam normais.
A paciente foi medicada com itraconazol, na dose de 200 mg/dia. Houve regressão quase total das lesões; no entanto, a paciente veio a óbito por COVID‐19. O itraconazol tem sido empregado em períodos variáveis de 14 a 180 dias.7,8 Anfotericina B é recomendada para pacientes imunodeprimidos.9,10
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLarissa Daniele Machado Góes: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Vinícius da Silva Monteiro: Concepção e planejamento do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Ana Tereza Orsi de Souza: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.