O câncer da vulva é considerado uma enfermidade rara, responde por aproximadamente 4% de todas as neoplasias genitais femininas, e o carcinoma espinocelular é o mais prevalente, representa em torno de 90% dos tumores malignos dessa região, seguido pelo melanoma. Sua incidência é maior na população idosa, com incidência mundial de aproximadamente 1,8/100.000 mulheres, aumenta para até 20/100.000 após os 75 anos.1–4
Uma paciente do sexo feminino, 82 anos, de Bauru (SP), foi encaminhada ao serviço de dermatologia com queixa de prurido e ferida na região genital havia dois meses. Como comorbidades, relatava hipertensão arterial, hipotireoidismo e diabetes. Viúva havia 14 anos, negava atividade sexual desde então.
Ao exame da região genital, evidenciou‐se eritema e edema de toda a região dos grandes lábios e nódulo ulcerado de aproximadamente 1,7 cm de diâmetro na região dos pequenos lábios (fig. 1).
Foi feita biópsia incisional, que mostrou um carcinoma espinocelular bem diferenciado, invasor e ulcerado (fig. 2). A pesquisa de HPV por amplificação de genoma resultou negativa (tabela 1). A paciente foi encaminhada ao serviço de oncologia para tratamento em hospital de referência.
O carcinoma espinocelular da vulva geralmente se apresenta como um nódulo ou úlcera solitária nos pequenos ou grandes lábios, com dor, sangramento, prurido, odor ou corrimento associados. Entre os fatores causais envolvidos em sua patogênese, evidencia‐se tabagismo, infecção por HPV e lesões consideradas precursoras, como líquen escleroatrófico e carcinomas vulvares incipientes, atualmente denominados neoplasias intraepiteliais vulvares – também relacionadas ao HPV.2
Variantes morfológicas têm sido descritas, inclusive os subtipos basaloide e verrucoide, estão relacionadas à infecção viral e são mais comuns na população jovem, enquanto as variantes queratinizantes tendem a ser HPV‐negativas e ocorrem em mulheres idosas.1
O estadiamento se faz pelo sistema TNM. Tumores diagnosticados precocemente, até o estágio T1a, podem ser tratados apenas com ressecção da lesão com no mínimo 1cm de margens, com taxas de sobrevida em 5 e 10 anos em torno de 100% e 94,7%, respectivamente. A partir do estágio T1b, ou seja, tumores a partir de 2cm com invasão do estroma de pelo menos 1mm, podem necessitar de vulvectomia parcial ou total, com esvaziamento linfonodal ipsis lateral ou bilateral. Uma vez que a disseminação linfática é o fator prognóstico mais importante, é fundamental o estudo histopatológico dos linfonodos regionais nos casos de tumores invasores. Caso confirmada invasão linfonodal, quimioterapia e radioterapia adicional podem ser necessárias.3,5
O tratamento em fases iniciais tem melhores resultados, tanto estético‐funcionais quanto em termos de sobrevida global, apresenta elevado índice de cura; entretanto, ocorre em um percentual muito baixo das mulheres acometidas, pois em geral as pacientes buscam os serviços médicos tardiamente e os profissionais demoram a fazer o diagnóstico.
A literatura dermatológica carece de trabalhos sobre as neoplasias do epitélio genital feminino. Com este relato, procuramos demonstrar a importância da anamnese e do exame dermatológico de modo que compreenda essa região anatômica, para o diagnóstico mais precoce.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresIsadora Barreto Michels: Concepção e planejamento do estudo; composição do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; revisão crítica da literatura.
Cláudio Sampieri Tonello: Aprovação da versão final do manuscrito; participação no design do estudo; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Cleverson Teixeira Soares: Aprovação da versão final do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados.
Conflitos de interesseNenhum.