As malformações vasculares cutâneas são anomalias caracterizadas por ectasia nos vasos, com tendência à progressão. Sua localização predominante na face oferece prejuízo estético e psicológico, e o tratamento precoce é indicado na infância.1 Embora o laser de corante pulsado, ou pulsed dye laser (PDL), seja o padrão ouro na terapêutica dessas lesões,2–4 ele é pouco acessível e seu comprimento de onda entre 585 e 600nm limita o tratamento de vasos calibrosos e localizados mais profundamente na pele. Alternativas como o laser de Neodímio:Ítrio‐Alumínio‐Granada (Nd:YAG) 1064nm de pulso longo e a luz intensa pulsada (LIP) são utilizadas com eficácia no tratamento dessas lesões. As manchas vinho do porto (MVP) e malformações vasculares capilares configuram as anomalias vasculares mais estudadas na terapia com laser.3,5
Realizou‐se um estudo retrospectivo, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa, a fim de avaliar a resposta do tratamento de malformações vasculares capilares e venosas com uso da LIP e do laser de Nd:YAG 1064nm de pulso longo, no Departamento de Dermatologia de um hospital terciário. Foi lido, explicado e aplicado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aos pacientes ou seus responsáveis legais, bem como o Questionário para Avaliação Global do tratamento aos que consentiram participar do estudo.
Os participantes foram divididos em dois grupos, conforme os tratamentos recebidos: 1) LIP (pacientes tratados apenas com uso da LIP); 2) Laser Nd:YAG+/−LIP (pacientes tratados com uso do laser Nd:YAG isolado ou associado à LIP).
Os aparelhos utilizados foram: LIP Etherea® (Vydence Medical), Solon® (LMG Lasers), Omnimax® (Sharp Light) e Xeo® (Cutera); e Laser Nd:YAG 1064nm de pulso longo Etherea®, Solon®.
Dois dermatologistas experientes em laser analisaram a resposta terapêutica, comparando fotografias prévias e após os tratamentos, seguindo escores padronizados de avaliação do clareamento das lesões:6 0=sem resposta ao tratamento; 1=melhora de 1% a 24% (discreta); 2=melhora entre 25% e 49% (moderada); 3=melhora entre 50% e 74% (boa); 4=melhora entre 75% e 100% (ótima). Na comparação de variáveis quantitativas, utilizou‐se o teste não paramétrico de Mann‐Whitney, e a associação entre variáveis qualitativas foi avaliada pelo teste exato de Fisher. O nível de significância adotado foi de 5% para os testes estatísticos.
Foram avaliados 30 pacientes, tratados entre setembro de 2013 e fevereiro de 2019. A idade dos participantes variou entre 13 e 74 anos, com média de 38,4 anos. A maioria era do sexo feminino (70%), e o fototipo mais frequente foi o fototipo III (50%). O tratamento isolado com LIP foi realizado em 18 pacientes, enquanto 12 pacientes receberam o tratamento com laser Nd:YAG associado ou não à LIP, dos quais somente um caso de malformação vascular venosa foi tratado com o laser Nd:YAG de pulso longo isoladamente.
Segundo a avaliação por dermatologista, todos os pacientes obtiveram melhora no clareamento das lesões (figs. 1 e 2). A análise fotográfica mostrou resposta boa ou ótima em 66,6% dos pacientes tratados com laser Nd:YAG associado ou não à LIP, e em 27,8% dos tratados apenas com LIP (p=0,196 – fig. 3).
A avaliação pelos pacientes com base no questionário sobre seu tratamento mostrou melhora em 96,7% dos casos. Desses, 56,7% avaliaram‐no com boa ou ótima resposta independentemente da fonte de luz utilizada (p=0,833). Apenas um participante (3,3%) não observou clareamento da lesão com a terapia realizada (fig. 4).
Complicações ocorreram em sete pacientes (23%). O grupo tratado apenas com LIP apresentou três casos (16,7%) de complicações (dois casos de hiper e um de hipopigmentação), versus quatro casos (33,3%) entre aqueles tratados com laser Nd:YAG associado ou não à LIP (um caso de hiperpigmentação, duas cicatrizes atróficas e uma cicatriz hipertrófica; p=0,392).
O tratamento das malformações vasculares cutâneas ainda é um desafio para os dermatologistas, mesmo após avanços com uso do laser. Em 2007, Chapas et al. descreveram a eficácia e segurança do tratamento de MVP com o PDL em 49 recém‐nascidos e demonstraram a importância do início precoce do tratamento dessas malformações.1 Neste trabalho, observamos idade média de início de tratamento de 38,4 anos. Essa ocorrência pode ser em virtude do fato de os tratamentos serem realizados em ambulatório, sem anestesia geral ou sedação, limitando sua aplicação em crianças.
Liu et al. observaram clareamento> 90% das lesões em 20% dos pacientes com malformação vascular capilar resistente ao uso prévio de PDL, tratados com Nd:YAG 1064nm de pulso longo.7 No presente estudo, em 16,7% e em 33,3% foi observada ótima resposta nos grupos tratados com LIP e com laser Nd:YAG associado ou não à LIP, respectivamente.
Em estudo de revisão que investigou eficácia e efeitos adversos em pacientes tratados com PDL, LIP e laser Nd:YAG, foram citados dor, edema, hipo e hiperpigmentação, formação de crostas, bolhas, cicatriz hipertrófica e granuloma piogênico como complicações.5 Adatto et al. descreveram a segurança do uso da LIP no tratamento de MVP, com efeitos colaterais transitórios: dor, eritema, crosta e púrpura.8 Em nosso estudo, observamos a ocorrência de complicações, a maioria delas temporária (57%). As cicatrizes permanentes foram associadas ao laser Nd:YAG 1064nm. Evitar a sobreposição dos disparos do laser e o resfriamento da pele devem ser considerados para minimizar a ocorrência dessas complicações.
Hansen et al. relataram satisfação em 48% dos pacientes, enquanto 28% mostraram‐se neutros e 24%, insatisfeitos com o tratamento de MVP utilizando‐se o PDL.9
Neste estudo, 44,4% mostraram‐se pouco satisfeitos e 55,6% muito satisfeitos quando tratados com a LIP isoladamente. Dentre os tratados com laser Nd:YAG associado ou não à LIP, 16,7% mostraram‐se pouco satisfeitos e a maioria, 83,3%, muito satisfeitos com o tratamento.
A eficácia de fontes de luz no tratamento de malformações cutâneas é amplamente descrita na literatura e foi notória nesta pesquisa, reforçando o uso do laser Nd:YAG 1064nm de pulso longo e da LIP nas malformações vasculares cutâneas venosas e capilares. Todavia, limitações desta pesquisa contribuíram para não se estabelecerem associações estatisticamente significantes, como: estudo retrospectivo, análise subjetiva e pequeno tamanho da amostra.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresLudmilla Cardoso Gomes: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Mariana Figueiroa: Obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Isabelle I Hue Wu: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Vivian Barzi Loureiro: Aprovação da versão final do manuscrito; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura.
Luis Antonio Ribeiro Torezan: Análise estatística; aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Gomes LC, Careta MF, Wu IIH, Loureiro VB, Torezan LAR. Treatment of capillary and venous cutaneous vascular malformations using long pulse 1,064‐nm neodymium:yttrium‐aluminum‐garnet laser and intense pulsed light. An Bras Dermatol. 2024;99:942–5.
Trabalho realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.