Dermatite atópica (DA) é uma das dermatoses mais comuns na faixa etária pediátrica e sua prevalência tem aumentado nos últimos anos em todo o mundo.1 Numa revisão sistemática, a prevalência chegou a 22,6% nas crianças e até 17% em adolescentes e adultos.2
Barreira cutânea disfuncional, resposta inflamatória com predomínio do padrão Th2 e microbioma alterado fazem parte da etiopatogenia. Infecções bacterianas e virais são frequentes. Nos casos moderados e graves, o uso de imunossupressores sistêmicos é necessário.3
A gravidade da DA pode ser medida por meio de escalas, como SCORAD (Severity Scoring of Atopic Dermatitis Index). Pontuação de 0 a 28 corresponde à DA leve, de 29 a 48 à DA moderada e de 49 a 103, DA grave.4 Associação positiva entre DA e depressão grave em adolescentes tem sido descrita. A melhora clínica pós‐tratamento parece reduzir esse risco.5
No tratamento dos casos graves, corticosteroides sistêmicos, ciclosporina A, metotrexato, fototerapia e medidas para restauração da barreira cutânea, como hidratantes e emolientes, são utilizados.1,3 A ciclosporina é aprovada em muitos países da Europa e no Brasil para DA grave em adultos; pode ser usada em crianças e adolescentes com DA grave e refratária (off label).5 A dose utilizada é de 3 a 5 mg/kg/dia. Na literatura, há relatos de doses iniciais até 7 mg/kg/dia, reduzidas gradualmente até 3 mg/kg/dia (dose de manutenção) por períodos de até dois anos.1,6
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), aprovou o uso da ciclosporina para tratamento da DA grave em adultos, mas ela não é disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que dificulta o acesso ao medicamento.
Realizamos um estudo retrospectivo observacional, por meio da revisão dos prontuários e registros fotográficos de 16 pacientes entre 5 e 19 anos (média de 11,94 anos com desvio‐padrão de 4,37 e mediana de 12 anos), diagnosticados com DA moderada a grave, acompanhados no Ambulatório de Dermatologia Pediátrica, de hospital terciário de referência na cidade de São Paulo, entre 2011 e 2021.
Os pacientes incluídos usaram a ciclosporina A, em média 3 mg/kg/dia, por período mínimo de seis meses. Resposta terapêutica, efeitos colaterais da medicação e comorbidades preexistentes não atópicas, como depressão, foram avaliados.
Dezesseis pacientes foram incluídos: nove (56,3%) do sexo feminino e sete (43,8%) do sexo masculino. Quatorze (87,5%) apresentaram ao menos uma internação hospitalar, e 6,3% foram internados seis vezes em decorrência de infecções cutâneas secundárias dos tipos bacteriana e viral, o que poderia estar relacionado ao tratamento com a ciclosporina.
Na tabela 1, a pontuação do SCORAD pré e pós‐tratamento com ciclosporina demonstra decréscimo significante do SCORAD após o tratamento (p=0,001).
Na figura 1 estão os valores de média e desvio‐padrão do SCORAD antes e após o uso da ciclosporina. A duração do tratamento variou de 1 a 30 meses (média de 11,73 meses, com desvio‐padrão de 7,06 meses e mediana de 11 meses). Três pacientes (18,8%) interromperam o tratamento: um por infecção cutânea bacteriana, um por transplante hepático decorrente de hepatopatia autoimune não relacionada à ciclosporina e outro por motivo desconhecido. Sete pacientes (43,8%) apresentaram efeitos colaterais: quatro (25%) hipertricose e três (18,7%) infecção cutânea dos tipos bacteriana e viral. Efeitos adversos potencialmente graves, como aumento da creatinina sérica e hipertensão arterial isolada, mais comuns em adultos,7,8 não foram evidenciados neste estudo.
Harper et al. descreveram alterações transitórias nos níveis séricos de creatinina em quatro crianças, com normalização espontânea ou logo após a redução da dose da ciclosporina. Apesar de serem efeitos colaterais mais comuns no adulto, o monitoramento da pressão arterial e da função renal deve ser realizado quando se utiliza a ciclosporina na população pediátrica.6,7
O delta de variação percentual do SCORAD (valor pós – valor pré/valor pré*100) encontra‐se entre−76,11% a 11,18% (média de ‐−43,71% com desvio‐padrão de 19,95% e mediana de−49,28%).
Houve redução acima de 30% do SCORAD em 75% dos pacientes tratados com ciclosporina A, o que demonstra eficácia terapêutica. Dados semelhantes foram relatados na literatura.7,9,10
Não houve correlação significante entre o tempo de duração do tratamento e o delta de variação do SCORAD (coeficiente de correlação de Spearman: r=0,035; p=0,896).
Os grupos com e sem efeito colateral não apresentaram diferença relevante em relação ao delta de variação do SCORAD.
Ocorrência de malignidade (linfomas e carcinoma espinocelular) pode estar associada ao emprego de altas doses de ciclosporina em pacientes transplantados, e também ao uso da ciclosporina em psoriásicos já tratados com metotrexato e/ou com fototerapia.8 Nenhum caso de malignidade associado ao uso da ciclosporina foi observado neste estudo e nem outro semelhante na literatura.8
Entre as comorbidades presentes pré‐tratamento com ciclosporina, a depressão, diagnosticada por psiquiatra, foi constatada em 43,8% dos pacientes.
Apesar de mais frequente nos pacientes adultos com DA moderada e grave, crianças e adolescentes com DA têm apresentado quadros graves de depressão e outros distúrbios psiquiátricos.5 Mais estudos com a população pediátrica são necessários para elucidar a correlação de doenças psiquiátricas e dermatite atópica.
O uso da ciclosporina A no tratamento das formas moderadas e graves de DA em adultos é eficaz e bem documentado na literatura. Faltam estudos na população pediátrica no Brasil.
O presente estudo nos permitiu concluir que a ciclosporina foi eficaz e bem tolerada no tratamento de crianças e adolescentes com DA moderada/grave, na dose de 3 a 5 mg/Kg/dia.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresCarolina Contin Proença: Aprovação da versão final do manuscrito; elaboração e redação do manuscrito; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Silvia Assumpção Mayor: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação efetiva na orientação da pesquisa; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Thaiz Storni Ragazzo: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Sandy Daniele Germano Munhoz: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Carolina Gadelha Pires: Aprovação da versão final do manuscrito; concepção e planejamento do estudo; obtenção, análise e interpretação dos dados; participação intelectual em conduta propedêutica e/ou terapêutica de casos estudados; revisão crítica da literatura; revisão crítica do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.
Como citar este artigo: Proença CC, Mayor SA, Ragazzo TS, Munhoz SD, Pires CG. Use of cyclosporine in children and adolescents with moderate to severe atopic dermatitis: clinical experience in a tertiary Hospital. An Bras Dermatol. 2023;98:526–8.
Trabalho realizado na Clínica de Dermatologia da Santa Casa de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.