A síndrome de Nicolau (SN) é embolia cútis medicamentosa com oclusão vascular e necrose da pele e tecidos subjacentes, relacionada ao uso de medicações como antimicrobianos beta‐lactâmicos, anti‐inflamatórios não esteroides (AINEs) e, mais recentemente, preenchedores de ácido hialurônico.
Paciente do sexo masculino, 66 anos, refere eritema e equimose no membro inferior esquerdo 24 horas após injeção intramuscular (glúteo esquerdo) de diclofenaco sódico por dor abdominal. Houve rápida progressão para bolhas tensas em todo o membro, com dor intensa e edema.
Após quatro dias, o paciente procurou o pronto‐socorro apresentando áreas purpúricas de aspecto retiforme em todo o membro inferior esquerdo, bolhas tensas de conteúdo serossanguinolento e áreas de exulceração (fig. 1A).
A hipótese de SN por uso intramuscular de diclofenaco sódico foi aventada. A investigação laboratorial para vasculite sistêmica com FAN, anti‐DNA, ENA, crioglobulinas e complemento resultou negativa.
Houve piora das lesões (fig. 1B). O paciente foi transferido para unidade de terapia intensiva e recebeu antibioticoterapia parenteral (vancomicina e meropeném). Após estabilização clínica, foram realizadas sessões de desbridamento cirúrgico (fig. 2) com posterior enxertia (fig. 3). Após três meses de quatro abordagens cirúrgicas para debridamento e enxertos, o paciente recebeu alta com bom estado geral.
A SN foi descrita pela primeira vez em 1924, após injeção intraglútea de sais de bismuto para o tratamento da sífilis. Ocorre após injeção intramuscular de substâncias insolúveis, mais frequentemente com penicilina benzatina e AINEs (como o diclofenaco).1 Casos induzidos por diclofenaco são mais frequentes em mulheres, enquanto casos por penicilina são mais comuns em crianças.2
Teorias sobre sua etiopatogenia envolvem combinação de fatores: estimulação da inervação simpática com vasoespasmo e isquemia; bloqueio da síntese de prostaglandinas por AINEs, oclusão embólica arterial por injeção intravascular inadvertida; inflamação perivascular por reação citotóxica ao fármaco; injúria mecânica causada por substâncias lipofílicas ao penetrar nos vasos.2,3
O quadro clínico é de mácula eritematosa com rápida evolução para mancha violácea livedoide. O início é geralmente súbito com relação à injeção, porém pode ser tardio, muitas vezes sem lesão no local injetado.4 O prognóstico é imprevisível, com recuperação e cicatriz atrófica no local acometido até relatos de síndrome compartimental, hipercalemia, insuficiência renal, paralisia do membro acometido e morte.3,5 O diagnóstico é clínico, altamente sugestivo quando lesões se iniciam no ponto de injeção com progressão distal no membro injetado. O exame histopatológico é inespecífico, podendo revelar necrose de tecido adiposo e inflamação.5
Não há tratamento específico; são empregados analgesia, tratamento de infecção secundária e desbridamento cirúrgico.1 A técnica correta de aplicação intramuscular pode reduzir o risco da patologia.4 O método de injeção em Z‐track é recomendado, com a tração da pele e do tecido subcutâneo antes da inserção da agulha, garantindo bloqueio do caminho da agulha após a injeção.1
Apesar de rara, a SN pode ser extensa e grave. Médicos devem conhecê‐la, estar atentos à técnica correta de injeção e evitar prescrições desnecessárias pela via intramuscular.
Suporte financeiroNenhum.
Contribuição dos autoresRafael Oliveira Amorim: Redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual importante; desenho do estudo em conjunto com coautores; revisão crítica da literatura; aprovação final da versão final do manuscrito.
Alana Luísa Calixto Carlos da Silva: Redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual importante; desenho do estudo em conjunto com coautores; aprovação final da versão final do manuscrito.
Camila Arai Seque: Redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual importante; desenho do estudo em conjunto com coautores; aprovação final da versão final do manuscrito.
Adriana Maria Porro: Redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual importante; desenho do estudo em conjunto com coautores; aprovação final da versão final do manuscrito.
Conflito de interessesNenhum.