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Vol. 97. Issue 3.
Pages 326-331 (1 May 2022)
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Pages 326-331 (1 May 2022)
Caso Clínico
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Pseudomonas aeruginosa como agente incomum de paniculite infecciosa
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Tatiana Mina Yendo
Corresponding author
tatiana.yendo@hc.fm.usp.br

Autor para correspondência.
, Cristina de Castro Pante, Denise Miyamoto
Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
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Tabela 1. Casos relatados de paniculite por Pseudomonas aeruginosa com confirmação clínica, histopatológica e microbiológica
Resumo

Pseudomonas aeruginosa é bacilo gram‐negativo que frequentemente é agente causador de septicemia, abscessos e infecções em feridas cutâneas. A paniculite causada por esse microrganismo é excepcional e há poucos casos bem documentados – nenhum deles em doente com lúpus eritematoso sistêmico. Descrevemos uma paciente imunossuprimida com lúpus eritematoso sistêmico que desenvolveu paniculite por Pseudomonas aeruginosa, com revisão da literatura sobre essa rara apresentação.

Palavras‐chave:
Lúpus eritematoso cutâneo
Paniculite
Pseudomonas aeruginosa
Full Text
Introdução

Pseudomonas aeruginosa é bacilo gram‐negativo que pode ser agente etiológico de doenças cutâneas leves a graves, como foliculite, erisipela, intertrigo digital, síndrome das unhas esverdeadas, ectima gangrenoso e sepse.1 Em pacientes imunossuprimidos e hospitalizados, P. aeruginosa muitas vezes se comporta como patógeno oportunista e frequentemente causa septicemia, abscessos e infecções de feridas.2 Os nódulos subcutâneos são manifestação rara, e na maioria dos relatos de casos publicados não houve investigação laboratorial completa, fornecendo informações limitadas sobre essa doença.3,4 Descrevemos uma paciente com paniculite por P. aeruginosa com revisão da literatura.

Relato do caso

Paciente do sexo feminino de 44 anos, com diagnóstico de lúpus eritematoso sistêmico (LES), em uso de prednisona 1 mg/kg/dia como imunossupressor, foi admitida na enfermaria da Reumatologia para tratamento de gastroenterocolite e uveíte por citomegalovírus com ganciclovir. Durante a internação, a paciente apresentou infecção de corrente sanguínea por P. aeruginosa que se resolveu após tratamento com meropenem 2g, 8/8 horas, por 10 dias. Após um mês, foi solicitada interconsulta da dermatologia em virtude do surgimento de nódulos eritematosos no dorso superior, tórax, face, braços e mamas (figs. 1 e 2), sem outros sintomas sistêmicos.

Figura 1.

Nódulos hipercrômicos na região torácica superior e no membro superior esquerdo.

(0.47MB).
Figura 2.

Nódulos hipercrômicos no membro superior esquerdo.

(0.31MB).

Foi realizada biópsia com punch na lesão do dorso superior. A avaliação histopatológica evidenciou infiltrado neutrofílico na derme associado a foliculite supurativa, que se estendia até hipoderme (figs. 3 e 4). Não houve achados significativos nos demais exames, incluindo hemocultura.

Figura 3.

Exame histopatológico revelou a presença de infiltrado inflamatório lobular na hipoderme (Hematoxilina & eosina, 100×).

(0.83MB).
Figura 4.

Em maior aumento, observamos no exame histopatológico a presença de infiltrado neutrofílico hipodérmico (Hematoxilina & eosina, 400×).

(0.6MB).

Na cultura da pele, isolou‐se P. aeruginosa com perfil de resistência antimicrobiana idêntico ao da bactéria que havia sido previamente obtida na hemocultura de sangue periférico, na ocasião da infecção de corrente sanguínea. Com esses achados, ficou confirmado o diagnóstico de paniculite infecciosa por P. aeruginosa, e após tratamento com ciprofloxacina 500 mg, 12/12 horas por 4 semanas, houve melhora das lesões sem recorrência do quadro.

Discussão

Nódulos eritematosos nos membros e troncos podem ocorrer no LES, no eritema nodoso, na reação tipo 2da hanseníase, no eritema indurado de Bazin, na vasculite nodular e nas paniculites infecciosa, traumática ou induzida por insulina. O eritema nodoso é a causa mais frequente de paniculite, embora em pacientes com diagnóstico de LES a paniculite lúpica ou lúpus profundo possam ocorrer em aproximadamente 1 a 3% desses doentes.5

Exame anatomopatológico com infiltrado neutrofílico sem vasculite na hipoderme é característico das paniculites pancreática, por deficiência de alfa‐1‐antitripsina e infecciosas.5 Nas paniculites infecciosas, os microrganismos podem ser encontrados por meio de colorações especiais, como Hematoxilina & eosina, Gram ou Ziehl‐Neelsen, e a identificação do agente é feita com imuno‐histoquímica, sorologia ou cultura da biópsia – essa última é o padrão ouro para a confirmação diagnóstica.6

Pseudomona. aeruginosa é comumente encontrada em ambientes úmidos e na flora intestinal humana. Essa bactéria pode causar tanto infecções cutâneas adquiridas na comunidade como nosocomiais, por meio de inoculação direta, disseminação hematogênica ou translocação intestinal.1 A imunossupressão ou alterações locais da imunidade predispõem ao quadro de sepse, com aumento da mortalidade no ambiente hospitalar em virtude da existência de P. aeruginosa multirresistente.2

Na literatura existem apenas seis relatos de paniculite por P. aeruginosa com diagnóstico clínico, histopatológico e microbiológico descritos (tabela 1).7–10 Os pacientes apresentavam média de idade de 65,1 anos (50‐80 anos), eram predominantemente do sexo feminino (n = 5) e todos imunossuprimidos (n = 4 com mais de 60 anos, n = 3 com diabetes mellitus, n = 1 com cirrose hepática, n = 2 em quimioterapia). Em relação ao quadro clínico, os doentes apresentavam nódulos eritematosos, predominantemente nos membros inferiores, alguns ulcerados. Houve três casos com lesões cutâneas acompanhadas de sepse; em dois deles, P. aeruginosa foi isolada na corrente sanguínea.

Tabela 1.

Casos relatados de paniculite por Pseudomonas aeruginosa com confirmação clínica, histopatológica e microbiológica

Fonte, ano  Idade, sexo  Exame dermatológico  Sintomas associados  Antecedentes pessoais  Exame anatomopatológico  Cultura da pele  Hemocultura  Tratamento  Desfecho 
Roriz et al., 2014  80, F  Múltiplas úlceras no maléolo lateral direito, nódulos inflamatórios na coxa esquerda.  Ausente  DM tipo I, insuficiência venosa, DRC  Paniculite lobular netrofílica sem vasculite  P. aeruginosa  Negativo  Ciprofloxacina VO  Resolução 
Roriz et al., 2014  50, M  Nódulos inflamatórios na perna esquerda com úlceras secundárias a púrpura necrótica  Desconhecido  DM tipo I, obesidade, hipertensão pulmonar e miocardiopatia dilatada  Paniculite lobular e septal neutrofílica  P. aeruginosa  Desconhecido  Ciprofloxacina VO  Resolução 
Roriz et al., 2014  70, F  Úlcera na perna direita  Desconhecido  Cirrose por HBV, cardiopatia, insuficiência venosa  Paniculite lobular e septal com intenso infiltrado neutrofílico  P. aeruginosa  Negativo  Ceftazidima e amicacina EV  Óbito por complicações hepáticas 
Penz et al., 2010  72, F  Úlceras na perna direita e nódulo na coxa direita  Febre  DM, insuficiência arterial e venosa, obesidade, HAS, IC e AVE  Paniculite lobular  P. aeruginosa  Negativo  Cilastatina de sódio, imipenem, vancomicina e ciprofloxacina EV  Resolução 
Moyano et al., 2011  63, F  Nódulos eritematosos, alguns com pústulas na superfície  Febre, tosse e mau estado geral  Carcinoma ductal microinvasivo, em QT (ciclofosfamida, adriamicina e docetaxel)  Paniculite lobular neutrofílica, com abscesso e hemorragia  P. aeruginosa  P. aeruginosa  Desconhecido  Desconhecido 
Bagel et al., 1986  56, F  Nódulos subcutâneos eritematosos, pústulas e bolhas hemorrágicas nas extremidades  Febre e alteração do estado mental  Carcinoma ovariano metastático, em QT (cisplatina, citoxan e adriamicina)  Denso infiltrato neutrofílico no tecido subcutâneo  P. aeruginosa  P. aeruginosa  Ticarcilina e tobramicina EV  Resolução 

DM, diabete mellitus; DRC, doença renal crônica; HBV, vírus da hepatite B; HAS, Hipertensão arterial sistêmica; IC, insuficiência cardíaca; AVE, acidente vascular encefálico; QT, quimioterapia; VO, via oral; EV, endovenoso.

Este é o primeiro relato de paniculite induzida por P. aeruginosa com exames clínicos, histológicos e microbiológicos confirmatórios em uma paciente com LES. Como relatado, nossa paciente era imunossuprimida e apresentou um episódio anterior de septicemia causada por P. aeruginosa. Nossa hipótese é de que a doente era colonizada por P. aeruginosa e que, por disseminação hematogênica, essa bactéria alcançou a hipoderme e desencadeou a formação de múltiplos nódulos subcutâneos. Destacamos a importância de considerar a paniculite infecciosa um diagnóstico diferencial em pacientes imunossuprimidos, mesmo na ausência de febre ou outros sinais de sepse. O reconhecimento precoce e o tratamento adequado com antibióticos podem melhorar o prognóstico desses doentes.

Suporte financeiro

Nenhum.

Contribuição dos autores

Tatiana Mina Yendo: Acompanhamento do paciente; preparo do manuscrito.

Cristina de Castro Pante: Acompanhamento do paciente; preparo do manuscrito.

Denise Miyamoto: Revisão do manuscrito.

Conflito de interesses

Nenhum.

Referências
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Como citar este artigo: Yendo TM, Pante CC, Miyamoto D. Pseudomonas aeruginosa as an uncommon agent of infectious panniculitis. An Bras Dermatol. 2022;97:326–31.

Trabalho realizado no Departamento de Dermatologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil.

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